Um mês após o auge da alta nos preços dos alimentos, supermercados da Grande Vitória ainda estão limitando o volume de produtos que podem ser adquiridos pelo mesmo cliente. As restrições de quantidade são observadas em itens como óleo de soja, arroz e outros alimentos que compõem a cesta básica.
A prática tem se tornado comum diante da alta do preço de alguns alimentos e a chegada de itens em menor quantidade que a encomendada, conforme já mostrado por reportagens de A Gazeta. O objetivo é não permitir que poucas pessoas comprem muita quantidade e deixem as prateleiras vazias para os demais consumidores.
Em um estabelecimento da Vila Rubim, em Vitória, um aviso colado nas prateleiras informa que, diante da escassez, clientes podem comprar, no máximo, seis pacotes de 5 kg de arroz.
No mesmo supermercado, a venda do óleo de soja é limitada a 10 unidades por família. Já em um estabelecimento na Mata da Praia, também na Capital, o limite são 20 unidades de óleo.
Os preços também continuam salgados. Quem vai ao supermercado já deve ter notado, por exemplo, que um pacote de 5kg de arroz está custando mais de R$ 20 e beirando os R$ 30 em muitos casos, mesmo após intervenções do governo federal.
Após pressão por parte da população, o presidente Jair Bolsonaro pediu lucro "próximo de zero" aos donos de supermercados, e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, chegou a notificar empresas e associações cooperativas ligadas à produção, distribuição e venda de alimentos da cesta básica para questionar a alta nos preços dos produtos.
Além disso, ainda em setembro, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculada ao Ministério da Economia, decidiu zerar a alíquota do imposto de importação para o arroz em casca e beneficiado. A isenção tarifária valerá até 31 de dezembro deste ano.
Até então, a Tarifa Externa Comum (TEC) aplicada sobre o produto era de 12%, para o arroz beneficiado, e 10% para o arroz em casca, válida apenas para países de fora do Mercosul. Dentro do bloco econômico regional, que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, a tarifa é de importação já é zero.
Outros itens também estão em alta. O pacote de 1 kg de feijão tem custado, em média, R$ 7,50, podendo chegar a R$ 10,99, conforme análise realizada por meio do aplicativo Menor Preço Brasil, que utiliza dados oficiais obtidos junto à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz). A embalagem de óleo de soja, com 900ml, beira R$ 7.
O litro de leite permanece acima de R$ 3,80. Em caso de derivados, como o queijo, o caso é ainda pior. A muçarela, por exemplo, já custa, em média, R$ 37 o quilo, sendo que, dependendo do local e da marca, o preço chega a quase R$ 50.
De acordo com o superintendente da Associação Capixaba de Supermercados (Acaps), Hélio Schneider, são problemas pontuais. "Não tem sido tão frequente agora, e ocorre apenas em algumas lojas. Não são todas. Às vezes o estabelecimento está com estoque mais baixo e precisa fazer isso para que o produto não falte."
Ele observa que o óleo de soja, por exemplo, está mais difícil de ser adquirido no momento, e isso afeta os estoques. A procura por arroz também não acompanhou a oferta. "Mas a limitação à quantidade de produtos por cliente é a exceção, não a regra."
Outras fontes do setor afirmam que a limitação impede ainda que donos de padarias e pequenas mercearias comprem grandes quantidades para revender ainda mais caro.
Especialistas afirmam que uma conjunção de fatores provocou a elevação no preço dos alimentos. O principal deles é a alta do dólar que, além de encarecer os insumos industriais e agrícolas, torna o mercado externo mais atrativo. Soma-se a esse fator uma redução da disponibilidade de alguns produtos, seja por redução na produção esperada, seja por conta da entressafra.
O preço da moeda americana em relação ao real subiu bastante desde o início da pandemia, passando dos R$ 5 já em março. O primeiro impacto dessa alta é o aumento nos custos de produção, já que boa parte dos insumos industriais e agrícolas são cotados em dólar. O aumento nesse custo é repassado por toda a cadeia até chegar a nós, consumidores finais.
O segundo impacto da valorização da moeda americana é a competição com o mercado externo: para os produtores, vender para outros países, principalmente a China, se torna mais vantajoso. Isso significa que é preciso que empresas brasileiras paguem mais para que o produto fique no país. Esse custo também chega aos consumidores. Foi o que aconteceu com o óleo de soja. Neste ano, o Brasil já exportou mais soja do que em todo o ano passado e compradores estrangeiros já começaram a adquirir a produção de 2022. Com tanta disputa pelo produto, há o aumento no preço.
Alguns dos alimentos que tiveram alta nos preços estão em entressafra, ou seja, em um período em que é esperada uma produção menor e, consequentemente, um preço mais alto. É o caso das carnes de boi e de porco. No caso do leite, houve uma queda na produção de 50% por conta de fatores climáticos. Com menos leite, os laticínios também subiram de preço. Já o caso do arroz é mais complexo. Houve redução da produção provocada pelo encolhimento da área plantada. Ou seja, produtores rurais optaram por plantar insumos com maior rentabilidade, como a soja, deixando pouco espaço para o arroz. A redução na produção foi de 30% desde 2012. Paralelamente, houve uma grande demanda mundial pelo produto no início da pandemia (no período em que muitas pessoas estocaram alimentos, lembra?). Com isso, as exportações cresceram 98% em relação ao mesmo período do ano passado. Com produção menor e disputa internacional, o preço, é claro, sobe.
O consumo das famílias também influenciou na alta dos preços, embora especialistas salientem que esse não é um dos fatores principais. No início da pandemia, esse aumento foi provocado pela corrida aos supermercados em busca de alimentos para estoque. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), enquanto os demais lojistas amargavam perdas expressivas com os decretos de fechamento e outras medidas de controle do coronavírus, os supermercados tiveram crescimento de 14,6% entre fevereiro e maio. Com restaurantes fechados, esse consumo se manteve elevado, já que as pessoas passaram a cozinhar em casa. O setor registrou ainda um aumento na venda de cestas básicas, não por causa das pessoas de baixa renda, mas por empresas e pessoas com maior poder aquisitivo que contavam em fazer doações.
Desde abril, o auxílio emergencial já foi pago a mais de um terço dos brasileiros e injetou quase R$ 80 bilhões na economia do país. Segundo dados da FGV, por causa do auxílio, a renda média de um trabalhador sem escolaridade cresceu 156%. Se considerados todos os trabalhadores, o incremento foi de 24%. Com mais dinheiro nas mãos, é natural que as pessoas comprem mais comida, o que elevou a procura, principalmente pelos itens da cesta básica, contribuindo com o aumento dos preços. Também foi liberado durante a pandemia o saque emergencial do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), no valor de até R$ 1.045.
* Com informações de Natalia Bourguignon
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta