O recurso arrecadado com as tarifas de água e esgoto nem sempre se traduz em investimentos para melhorar a qualidade de vida da população. Uma pesquisa feita pela Inter.B Consultoria apontou que o aumento no valor cobrado pelo serviço por algumas estatais de saneamento, entre elas a Cesan, não é acompanhado de mais investimento, mas sim pelo aumento de gastos com funcionários.
O documento a que A Gazeta teve acesso mostra que entre 2014 e 2018 a tarifa média de água e esgoto cobrada pela estatal capixaba cresceu 31,3% (equivalente à inflação do período). No mesmo período, as despesas anuais por empregado subiram 40,1%. Já os investimentos cresceram bem menos, 17,4%.
"O aumento de tarifa é tipicamente transferido para o aumento de salários e outros gastos com funcionários. Enquanto, via de regra, os investimentos colapsam. Essas corporações ganham bastante dinheiro, mas são capturadas com interesses que não consistem com o interesse publico", afirma o economista Cláudio Frischtak, um dos autores do estudo.
Tendências similares foram observadas nas estatais sanitárias de São Paulo, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul.
Os dados utilizados foram retirados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis), em que operadoras de serviços de água e esgoto precisam prestar anualmente informações econômico-financeiras e operacionais. A Gazeta utilizou a mesma base para replicar o estudo e chegou a resultados semelhantes.
Das 26 estatais analisadas (25 Estados e o Distrito Federal), apenas cinco apresentaram avanços maiores em investimentos do que em gastos com pessoal. Nas demais, o crescimento nos investimentos foi menor que o crescimento das despesas com empregados ou, em casos extremos, os investimentos caíram, enquanto os gastos com pessoal e a tarifa subiram.
"Em média, o salário de um funcionário de uma estatal de saneamento básico é 2,3 vezes maior que seu equivalente no setor privado, com a mesma posição e mesmo numero de anos de experiência", aponta Frischtak.
Para ele, os dados mostram que falta governança nas estatais para fazer avançar os projetos de universalização de água e esgoto nos municípios brasileiros. "Há exceções, mas essas empresas públicas são, de modo geral, afetadas pela má governança. Mesmo os gestores melhores são submetidos à legislação de direito público que é bem diferente do direito privado", afirma.
Segundo relatório de prestação de contas da Cesan de 2018, o mais recente disponibilizado no site da Companhia, naquele ano foram investidos R$ 226 milhões pela companhia. O número não é muito diferente do apresentado no ano anterior (R$ 228 milhões). Ainda assim, nesse período (2017/2018), os gastos com pessoal subiram 6,7%.
O mesmo documento aponta que parte desses investimentos foi feito com dinheiro do governo federal ou com operações de créditos obtidas pelo Estado. Não há essa discriminação exata, mas a planilha que mostra o recurso investido mistura a arrecadação direta da Cesan, repasses federais e um empréstimo com o Banco Mundial contraído pelo governo estadual.
Já dados do Tesouro Nacional mostram que, em 2018, o governo do Espírito Santo fez um "reforço de capital" de R$ 140,4 milhões na estatal. Valor que foi todo restituído sob forma de resultado, já que o Estado é praticamente o único acionista da Cesan.
Segundo o professor da Fucape e especialista em contabilidade e controladoria governamental João Eudes, há no país empresas grandes de saneamento que são superavitárias, como é o caso da Cesan. Elas são chamadas de "não dependentes". Contudo, ele afirma que mesmo essas empresas encontram dificuldades de captar recursos para grande projetos e acabam dependendo dos Estados aos quais estão vinculadas.
"Às vezes o recurso que arrecadam não passa muito do que precisam para cobrir os custos. Não conseguem captar recursos para grandes investimentos e acabam dependendo da alavancagem de recursos do próprio Estado", diz.
O Snis mostra que, entre 2014 e 2018, o Estado fez R$ 142 milhões em investimentos em água e esgoto nos municípios atendidos pela Cesan. No site da estatal, sob a rubrica "investimentos", há detalhes sobre o Programa de Gestão Integrada das Águas e da Paisagem, um programa do governo do Estado com recursos do Banco Mundial para atender cidades da região do Caparaó e das bacias do Rio Jucu e Santa Maria da Vitória (que contempla quase todas as cidades da Região metropolitana). O empréstimo tem valor total de US$ 323 milhões.
Atualmente, as estatais dominam 70% do setor de saneamento. No Espírito Santo não é diferente: a Cesan atua em 52 dos 78 municípios capixabas. Nos demais, os serviços de água e esgoto são geridos por autarquias municipais ou pela própria prefeitura. Apenas em Cachoeiro de Itapemirim há uma concessão privada.
O novo marco legal do setor, aprovado no Senado, mas ainda pendente de sanção presidencial, pretende dar mais abertura para a atuação de empresas privadas nos serviços de água e esgoto, seja por meio de concessões, Parcerias Público-Privadas ou privatizações.
"Hoje, 93% do mercado no país esta muito mal regulado, mal fiscalizado e os contratos são muto débeis. A nova legislação tenta modernizar o setor e estabelecer como meta até 2033 a universalização do fornecimento de água e cobertura de esgoto. Vai impor que a empresa (pública ou não) demonstre que efetivamente pode universalizar esses serviços", afirma Frischtak.
Para Eudes, a mudança tem potencial de finalmente fazer avançar a cobertura desses dois serviços, que são básicos e ainda não chegam para todos.
"Antes desse marco regulatório tínhamos decretos que vinham sendo sempre prorrogados. Os municípios falavam que não tinham como cumprir os prazos e o governo prorrogava a lei por mais dois, três anos. Agora estou confiante que seja possível cumprir", afirmou.
No Espírito Santo há 1,7 milhão de pessoas sem acesso à rede de esgoto e 745 mil sem água encanada. O investimento necessário para que esses serviços sejam universalizados é de cerca de R$ 9 bilhões.
O coordenador de Planejamento Estratégico da Cesan, Sérgio Rabello, explicou que a fórmula usada para calcular a despesa com pessoal levou em conta a quantidade média de empregados e não o número final de funcionários, que varia a cada ano. Com isso, ele apontou que o crescimento na despesa com pessoal entre 2014 e 2018 foi, na verdade, de 35,61%.
Rabello lembrou que esse percentual é bem próximo da inflação do período, de 33,69%, ou seja, "o aumento real da despesa com pessoal foi de apenas 1,92% nesse tempo".
A Cesan ainda argumentou que 2014 foi um ano difícil, com o início das crises econômica e hídrica. Logo, de acordo com Sérgio Rabello, se a comparação for feita a partir de 2015 os números melhoram: entre 2015 e 2018, a despesa com pessoal da Cesan cresceu 25,88% enquanto os investimentos subiram 30,38%. A inflação do período medida pelo IPCA foi de 25,64%.
Já estendendo a base de comparação até 2019, segundo números da Cesan (uma vez que os dados do ano ainda não disponibilizados pelo Snis), o crescimento dos investimentos desde 2015 chega a 41,4% ante a 31,6% de elevação no gasto pessoal e uma inflação de 31,05%.
Rabello ainda destacou outros dois indicadores presentes no Snis, que comparam os gastos com a receita realizada. Em 2014, 24% da receita da Cesan foi para custear pagamento com pessoal. Em 2015, o indicador chegou a 25,1%. Esse percentual vem sendo reduzido desde então e, em 2019, chegou a 20,7%.
A outra comparação mostra que 30,7% da receita da estatal em 2014 foi para realizar investimentos. Esse percentual esteve em queda até chegar a 23,9% em 2016. Em 2019, o indicador fechou em 25,5%.
É com base nesses dados que Sérgio Rabello afirmou que a Cesan é uma empresa pública enxuta e que, em outros Estados, há companhias de saneamento que comprometem até 60% da receita anual com pessoal. Ele também disse que a companhia está acelerando os investimentos e em um caminho avançado para a universalização de água e esgoto.
"A Cesan é uma empresa que está indo muito bem, tanto que é cobiçada por bancos que querem entrar como parceiros ou abertura de capital. A universalização vamos alcançar antes da nova meta, que é 2035, e chegar lá entre 2025 e 2030 com os quase R$ 2,2 bilhões em investimentos já contratados até 2024. Não temos medo de concorrer com o setor privado nem de ser parceiro dele porque somos uma empresa enxuta, bem organizada e que dá resultado", disse o coordenador de Planejamento da estatal.
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