O novo coronavírus tem levado a uma série de ações trabalhistas. Funcionários demitidos pertencentes ao grupo de risco, principalmente, têm recorrido à Justiça do Trabalho em busca do pagamento de danos morais, por discriminação, ou mesmo pedindo reintegração ao cargo.
Foi o que ocorreu com uma técnica de enfermagem de 60 anos que atuava em um hospital da Grande Vitória. A trabalhadora foi dispensada em meio à pandemia, mas entrou com uma ação na Justiça alegando discriminação após saber que outros profissionais foram contratados para ocupar a vaga. Ela conseguiu o direito à reintegração ao cargo.
Ao analisar o caso, a juíza Lucy de Fátima Cruz Lago considerou que embora a empresa seja livre para escolher se deseja manter ou não um contrato de trabalho, as condições apontavam para um tratamento não isonômico, isto é, desigual, que poderia ser considerado discriminatório.
Na decisão, a juíza afirmou ainda que a dispensa de trabalhadora em situação de vulnerabilidade e cujo conhecimento pela empregadora é incontroverso, como no caso em análise, com dificuldades de reinserção no mercado de trabalho (em função da idade), viola o comando constitucional de valorização do trabalho humano e da busca do pleno emprego.
Procurada pela reportagem, a juíza informou brevemente que não é um caso isolado. Outros magistrados disseram que o surgimento de ações ainda é tímido, mas tende a aumentar em meio à crise.
No país, outra decisão recente é de um caso julgado pela 12ª Vara do Trabalho de Manaus. Uma empresa de segurança foi condenada a pagar R$ 10 mil de danos morais a um vigilante por dispensa discriminatória.
Ele foi demitido após contrair a Covid-19 e ficar afastado por 15 dias. Ao questionar o gerente sobre o motivo, recebeu, segundo o processo, a resposta de que se não tivesse ficado doente, provavelmente não teria o contrato de trabalho finalizado.
Embora não tenha tomado conhecimento de casos de quem foi dispensado após a doença no Espírito Santo, o advogado empresarial João Eugênio Modenesi Filho conta que o escritório em que atende tem sido procurado por empresas sobre como proceder em caso de trabalhadores com suspeita de contaminação pelo coronavírus.
O trabalhador apresenta um sintoma gripal e vai no posto de saúde, ou mesmo no plano, e porque tudo agora configura suspeita, já consegue o afastamento. E os empresários têm considerado injusto esse afastamento antes que a pessoa saiba se está contaminada.
Trata-se, porém, de uma orientação das organizações de saúde, e o advogado explica que tem orientado os empresários a custear o exame dos funcionários se o afastamento é problemático. Se der positivo, não tem o que fazer. A pessoa realmente tem que ficar afastada.
O advogado empresarial Victor Passos Costa destaca que a demissão de pessoas contaminadas, em afastamento do trabalho, é ilegal, mas, em tese, nada impede que a empresa desligue um funcionário já recuperado da doença, se não houver sequelas e o trabalhador for considerado apto para a demissão.
Ele chama a atenção, entretanto, para duas situações que podem interferir na legalidade da decisão. Uma delas é o fato de que, em algumas ações, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Covid-19 poderia ser enquadrada em doença ocupacional.
A tese é aplicada geralmente a trabalhadores em áreas de risco, como profissionais da área da saúde, em que a chance de contaminação pelo vírus é grande. Neste caso, o trabalhador teria direito a um período de estabilidade após o retorno ao trabalho.
A segunda hipótese são casos de empresas que não estão fornecendo equipamentos de proteção pessoal, não cumprem as normas estabelecidas pela Secretaria de Saúde (Sesa) e o Ministério da Saúde, e, em função disso, o trabalhador é infectado. Mas a pessoa vai ter que buscar a Justiça para comprovar a situação, da mesma forma que vai ter que acionar se achar que a demissão foi discriminatória.
O juiz Marcelo Tolomei Teixeira, da 7ª Vara do Trabalho de Vitória, disse que a tendência é que o número de casos de ações trabalhistas ligadas a demissões envolvendo a Covid-19 aumente nos próximos meses.
Apesar da necessidade, as empresas não estavam conseguindo demitir porque não tinham como arcar com as verbas rescisórias. Na medida em que a situação vai progredindo, deve haver um aumento de reclamações, complementa.
O juiz explica que é preciso analisar cada caso concreto, para ter certeza de que houve discriminação, e se não era um profissional que a empresa já estava pretendendo mandar embora.
Demitir só porque o trabalhador está com a Covid, ou teve a Covid é uma coisa problemática. Se for comprovado que o trabalhador se infectou dentro da empresa porque a empresa não toma os devidos cuidados, pior ainda.
Por outro lado, ele explica que, se a empresa conseguir comprovar que o trabalhador foi infectado porque não se preveniu contra a doença, é possível que a empresa consiga até demiti-lo por justa causa.
O número de ações trabalhistas tem disparado no Estado desde o início da pandemia com 3.454 queixas abertas até 11 de novembro. O assunto Covid-19 é o principal motivo de reclamação, representando 21,4% dos casos, com 740 pedidos relacionados exclusivamente ao tema, segundo o Data Lawyer Insights, plataforma de jurimetria.
O sistema conta com robôs que fazem a leitura das publicações dos processos distribuídos na Justiça do Trabalho para estabelecer os pontos centrais dessas demandas.
A doença, além de levar a relatos de descaso com a saúde do trabalhador, como a não entrega de EPIs e a falta de medidas preventivas, também tem impacto nos outros requerimentos que chegam às Varas do Trabalho, ainda que de forma indireta.
A crise provocada pelo novo coronavírus atingiu em cheio as finanças das empresas, que enfrentado dificuldades para pagar verbas trabalhistas, como o aviso-prévio, multa de 40% do FGTS, liberação dos recursos do Fundo de Garantia e pagamento da multa do artigo 477 da CLT, quando a empresa atrasa ou não quita a rescisão do contrato.
Do total de processos abertos no Estado desde o início do ano, 3.152 foram movidos individualmente, enquanto que 302 foram ações coletivas. Contando todas as ações, as disputas judiciais representam R$ 168,77 milhões, com um valor médio de R$ 48,8 mil por causa.
O comércio varejista, um dos segmentos mais afetados pelas medidas de proteção à vida adotadas pelo Estado, foi alvo do maior número de ações. Foram 745 registros até a data de publicação desta reportagem.
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