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Thomas Eckschmidt dá dicas de carreira e negócios para quem está começando

Thomas Eckschmidt dá dicas de carreira e negócios para quem está começando

Um dos fundadores do movimento Capitalismo Consciente no Brasil ressalta que entender quais são seus talentos e valores pessoais ajuda na construção do sucesso profissional

Publicado em 27 de julho de 2024 às 10:49

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Quem vai começar a vida profissional ou investir no próprio negócio tem muitas dúvidas. O primeiro passo é observar o que é importante para você e quais os seus valores. Qual é o seu talento? Essa e outras dicas são dadas por Thomas Eckschmidt, um dos fundadores do movimento Capitalismo Consciente no Brasil.

Ele esteve em Vitória para lançar o livro “Guia Prático de Negócios Conscientes” (Editora Voo), que tem como base quatro fundamentos: propósito evolutivo, interdependência dos stakeholders, cultura responsável e liderança de cuidar.

Segundo Eckschmidt, o segredo para quem quer ter sucesso nos negócios é ter a consciência de que não está sozinho e que precisa crescer junto aos fornecedores, colaboradores e clientes. Esse é um dos conceitos de “Negócios Conscientes”, conhecido como “capitalismo de stakeholders” (partes interessadas), que  já foi discutido pelo Fórum Econômico Mundial de Davos.

O tema aborda um novo modelo de gestão em que as organizações atuam como força para o desenvolvimento sustentável de pessoas, de organizações e do planeta. 

A Gazeta conversou com o especialista sobre esse conceito, empreendedorismo, carreira e outros temas.

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O melhor empreendedor é o 'aprendedor'. É o cara que está constantemente aprendendo. Todo negócio existe para servir à sociedade

Thomas Eckschmidt
Um dos fundadores do movimento Capitalismo Consciente no Brasil
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Confira a entrevista:

O que seria o conceito de negócio consciente?

Quando falamos de negócio consciente, parece uma coisa diferente, mas é a primeira coisa que fazemos quando vamos começar um negócio. O que significa isso? Ninguém começa apenas dizendo: "Vou ganhar muito dinheiro" ou "Não sei o que fazer, mas vou enriquecer". Ninguém diz que vai abrir um restaurante, mesmo sem saber cozinhar. Todo mundo que começa a fazer alguma coisa acredita que pode fazer algo melhor e vai atrás dessa intenção, daquilo que acredita. O que a gente chama de propósito é a sua causa. O porquê de se desenvolver e melhorar é o primeiro princípio. E à medida que você vai entendendo do negócio, o propósito passa a ser evolutivo. É preciso ter a consciência de que o negócio não é só para você, pois será necessário ter o primeiro cliente, que confia no seu trabalho; o primeiro colaborador, que acredita na sua ideia; e o primeiro fornecedor, que vai crescer junto. O seu sucesso vai ser interdependente, ou seja, quando todo mundo ao seu entorno cresce e não apenas você. A gente só consegue crescer quando alguém confia no nosso trabalho.

E como o empreendedor pode gerar essa confiança?

As pessoas confiam quando você tem uma causa. Quando você consegue expressar isso, elas vão acreditar em você e todos crescerão juntos. Com o tempo, a cultura de uma organização vai acontecer, quer queira ou não. Os valores serão desenhados com responsabilidade. Tudo isso é o comportamento coletivo a favor da sua causa, do seu propósito e a favor do seu ecossistema, de todos os que estão ali em volta. Quando o líder passa por todo esse processo de desenvolvimento, é quase uma jornada do herói. Ele volta a ser renovado e passa para o próximo desafio. A partir desse momento, ele expande a consciência, o aprendizado e, quanto mais a liderança exercer a cultura do cuidar de seu colaborador, mais esse trabalhador estará tranquilo para exercer suas atividades laborais. Vai ficar mais dedicado e, consequentemente, ele vai cuidar do cliente e de fornecedores também. Negócios conscientes são uma consequência.

E por que alguns negócios não dão certo?

Isso acontece quando a gente cai em burocracia, na expectativa de resultados a curto prazo, se depara no próprio ego. Temos uma série de coisas que atrapalham o empreendedor a se manter na rota. Quando conheci essa filosofia de negócios conscientes, pensei: nossa, eu sou um capitalista consciente inconsciente, porque percebi que praticava um pouco de cada uma dessas coisas e, quando não as praticava, percebia que o foco era só o dinheiro, perdendo a conexão humana. O melhor empreendedor é o "aprendedor". É o cara que está constantemente aprendendo. Todo negócio existe para servir à sociedade. Só que a gente cai em tanta burocracia, tanto imposto, que nos perdemos porque nunca aprendemos essa modalidade de negócio. No dia em que a gente começar a ensinar isso nas escolas, nas universidades, as pessoas vão aprender, muito além da contabilidade, a deixar o seu negócio humanizado.

Esse conceito vale para todos os tamanhos de empresa?

É mais fácil ter esses critérios por perto quando ainda se é pequeno, para, quando houver desvio de rota, o empreendedor perceber o porquê dessa mudança e saber como voltar ao foco. A gente já vê grandes empresas trabalhando nisso. Como exemplo, podemos citar o Paul Polman, que, ao assumir a presidência da Unilever, verificou que a empresa tinha muitos programas ambientais e sociais, mas que estavam fora do dia a dia da organização. Ele percebeu que as pessoas saíam da companhia para participar dessas atividades e voltavam a trabalhar pelo dinheiro. Por não terem propósitos claros, os programas foram revistos. Não adianta estender a mão para algo do outro lado do mundo, sem resolver a sua situação interna. É a mesma coisa de a gente, em Vitória, plantar árvores na África. É necessário botar a máscara primeiro em você e depois ajudar alguém. Se você atende o cara que está longe, quando volta para casa, se desconecta com a sua essência, com o seu negócio e com a comunidade do seu entorno. Vira apenas uma tarefa, não um impacto. Polman percebeu que não estava fazendo um trabalho social associado ao negócio. Então, ele propôs crescer de forma sustentável, dobrando o faturamento e diminuindo pela metade o impacto ambiental, alinhando todos os quesitos. É uma ferramenta de solidificação do caminho mais consciente e de recuperação de empresas que se perderam. É muito bonito quando você entende que a qualidade antecede a quantidade. Sem qualidade, ninguém consegue crescer por muito tempo, a não ser que você esteja fingindo.

Existe algum modelo de gestão novo? 

O modelo de gestão é muito mais de manter um equilíbrio entre o econômico e o social. No mundo corporativo, houve uma mudança com a prática do ESG (governança ambiental, social e corporativa). Antes, os pilares eram o lucro, as pessoas e o planeta. Como a Terra é muito grande, agora passou para o meio ambiente. As pessoas eram muito genéricas. Então, alterou para o social. E o lucro não é mais a qualquer custo. Por isso que entra a governança, que é a mudança de modelo mental, que diz que não se deve pensar apenas no dinheiro. A prosperidade só vai existir quando todo mundo subir junto. Se só uma instituição fica próspera, rica e acumula às custas dos outros, cria-se um problema social naturalmente. De certa forma, grandes grupos econômicos no Brasil acumularam riquezas e o pessoal ficou para trás e, hoje já não funciona mais assim. O modelo ESG estimula o equilíbrio de valores humanos e econômicos. Se a gente desconsiderar o humano e olhar só para o dinheiro, criamos um desequilíbrio. É por isso que falamos sobre liderança de cuidado. Tudo tem que começar pelo líder. Ele tem que ter uma bússola moral muito mais apurada, porque coisas que a gente fazia no passado não são mais aceitas. O que fazíamos há cinco e dez anos não é mais aceito hoje em dia, da mesma forma que, daqui um tempo, também não serão. Quem acaba ditando isso é o jovem. Quanto mais alta a posição de liderança, mais tem que conversar com os mais novos, até para se atualizar na perspectiva do que é certo do que é errado ou do que vai ser errado logo.

Quais são os benefícios que as empresas podem oferecer que vão muito mais além do salário?

No Revolução Industrial (1760), os trabalhadores trocavam seu tempo e uma tarefa repetitiva por salário. As relações continuaram evoluindo até que, na década de 1980, as empresas passaram a contratar talentos e, por sua vez, esses profissionais passaram a querer também oportunidades de crescimento. Não adianta pagar uma alta remuneração ao colaborador e deixá-lo um longo tempo na mesma função, porque ele vai acabar indo embora. Saímos da relação de dinheiro por tempo para talento e por oportunidade de crescimento, com as organizações exigindo mais comprometimento e os profissionais querendo continuar se desenvolvendo. Essas relações são multiníveis agora, não só financeiras. O que o colaborador mais quer é ter um sentimento de pertencimento e isso ocorre quando os valores são compartilhados. Caso contrário, ele acaba saindo. O que é bonito dessa evolução das relações é que são mais valores que a gente compartilha, não é só aquele tempo por dinheiro. A gestão das pessoas é mais complexa e mais elaborada, requer mais atenção dos líderes, do coletivo e da cultura. E quando alguém oferece um dinheiro a mais para aquele colaborador e aceita, o coração já foi embora, ele já desapegou. O pertencimento não dá para comprar. Não é só o dinheiro que conta. A gente precisa de mais troca nas relações.

Que tipo de valores as empresas estão esquecendo de oferecer para dar mais bem-estar aos colaboradores?

As empresas estão sempre atentas aos valores de eficiência, aqueles mais de processos, mais mecânicos, dando a impressão que a organização é uma máquina. Enquanto a gente não equilibrar esses valores com valores humanos, vai dar essa impressão. É necessário dar valor a tudo o que está ao seu redor, desde os equipamentos até as pessoas. As máquinas precisam de manutenção para funcionar bem, assim como as pessoas.

As relações de trabalho estão mudando?

Isso acontece porque cada vez mais as pessoas querem algumas outras coisas e as empresas não estão entendendo como oferecer. Não só as relações de trabalho estão mudando, as relações de emprego também estão mudando. Trabalho tem bastante, emprego tem pouco. Temos que aprender a olhar o mundo com o que a gente aprende e identificar trabalho. Emprego é uma relação passiva, de espera de alguém oferecer. Trabalho é relação proativa de achar que ela puxa que tem uma coisa. Cada vez mais as empresas estão procurando pessoas que façam trabalhos e que não sejam empregados o tempo todo. O que gera uma oportunidade enorme de você trabalhar para outros países, para outras regiões, competir com outras pessoas. Isso traz uma coisa que é muito poderosa para as empresas e para pessoas que trabalham: a concorrência está muito mais longe da gente hoje. O concorrente não é mais o nosso vizinho. É algo diferente. É uma pessoa que está muito mais longe, que pode estar me ameaçando aqui, se eu não estiver olhando lá e se eu não estiver trabalhando coletivo aqui ou a interdependência. Se eu não for forte aqui, não vou conseguir combater o meu concorrente que está mais longe.

Que dica você daria para quem está começando a empreender ou uma carreira?

Quando eu comecei a trabalhar, fiz uma lista das coisas que nunca mais queria fazer na vida. Trabalhei nos 10 primeiros anos em oito empresas diferentes. Isso atrasou um pouco a minha vida profissional. O primeiro passo é começar a olhar o que temos de bom. Porque, no mundo dos esportes, tem os olheiros e um deles viu um menino na Argentina jogando a várzea e o levou para o Barcelona com 13 anos. Ele não estreou com 17 anos no gol. Fez sua estreia aos 17 anos com a camisa 10. É o Messi. No mundo corporativo, a gente tem que contar com a ajuda um do outro. Tem que começar a olhar para dentro, o que que eu faço bem, o que eu gosto. Quando você entende o seu talento, os seus valores e o que é importante, começa a desenhar um caminho e descobre onde é a sua melhor posição de jogo, tendo como resultado pessoal a satisfação. Com o seu talento, você acha a melhor posição de jogo. Às vezes, se você vai empreender, percebe no que é bom, passa a identificar que precisa de alguém para ajudar com o negócio, e procura talentos complementares para criar uma equipe forte. Essa sugestão vale para o profissional que vai começar a trabalhar e para os que vão empreender. Começar de dentro para fora para entender o que você pode oferecer para o mundo, olhar o que você aprendeu e usar isso como ferramenta para achar trabalho.

Fale um pouco mais sobre o livro “Guia Prático de Negócios Conscientes”.

No primeiro livro [volume 1], a gente falou de propósito, o porquê que as empresas existem. Nesse [volume 2], reconhecemos que não somos uma cadeia de valor, que é uma visão do século passado, composto por fornecedor, colaborador e cliente. Quando a gente fala de ecossistema de interdependência, é uma ideia que vem da natureza. Você não vê uma árvore competindo com a outra. Tudo meio que se ajuda, colabora. No mundo dos negócios, das sociedades, a gente tem que se olhar mais como a natureza, entender que a gente é interdependente. Se a empresa está instalada em um lugar que incomoda os vizinhos, eles não vão cuidar dela. Agora, se eles sabem o que eu faço e mostro isso, eles vão se interessar e me ajudar quando algo acontecer. Posso ter meus vizinhos como amigos ou inimigos. Tudo depende de como eu me relaciono, sem esquecer que, sem ele, eu não vendo nada. Quando a gente fala de interdependência, que é exatamente o que trata esse livro, a gente reconhece que existem muito mais atores no mercado que a gente influencia com a nossa presença comercial e que eles influenciam a forma de a gente trabalhar. A ideia é falar da interdependência de todos esses stakeholders.

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