A União foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a restituir ao Estado do Espírito Santo a metade dos ganhos – acrescido de juros de mora e correção monetária – que tenham excedido o total de royalties previsto em contrato firmado entre o governo federal e estadual. A previsão é que o Espírito Santo receba ao menos R$ 624 milhões do governo federal.
A decisão a favor do Espírito Santo foi por 11 votos a 0 na sessão virtual do último dia 16 de dezembro. A Ação Cível Originária (ACO) 2178 envolve disputa de royalties de petróleo e gás natural com base em contrato firmado em 2003 entre o Estado do Espírito Santo e a União.
Na época, o Espírito Santo cedeu R$ 350 milhões em créditos que receberia nos anos seguintes. Esse crédito tinha estimativa de gerar R$ 650 milhões para a União, e acabou gerando R$ 1,4 bilhão (em valores corrigidos pelo IPCA).
Na ação, proposta em 2013, o Estado alegou que isso ocorreu em razão da grande valorização do barril do petróleo no período (275%) e de um suposto erro conceitual na fórmula de cálculo das parcelas, o que fez com que as quantias pagas à União já tivessem chegado a R$ 1,4 bilhão.
Sustentou, ainda, que haveria um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, pois os “lucros” do governo federal seriam maiores do que os que teria se os R$ 350,7 milhões tivessem sido aplicados em Certificados de Depósitos Interbancários (“100% CDI”).
Com esses argumentos, o governo estadual pediu a revisão judicial do contrato para limitar o valor devido à quantia paga pela União, acrescida de juros e correção monetária (R$ 940,1 milhões), com a devolução do excesso recebido (R$ 521,8 milhões) e suspender os pagamentos referentes a esse contrato.
Dessa forma, após a decisão do STF, a previsão é que o Espírito Santo receba ao menos R$ 624 milhões do governo federal. Esse é o valor calculado pelo STF em 2016 segundo explicou o procurador-geral do Estado Jasson Hibner Amaral. Com a correção da inflação do período pode superar os R$ 850 milhões. Mas os valores ainda vão ser calculados.
O governador Renato Casagrande (PSB) explicou que entrou com a ação em 2013, quando o Estado já estava acabando de pagar as parcelas referentes ao recursos, que eram mensais, pedindo a revisão do contrato e questionando a taxa de juros.
Segundo Casagrande, os R$ 350 milhões foram passados para o Estado em 2003, no início do primeiro governo Lula e também de Paulo Hartung, quando o Espírito Santo estava numa situação que precisava de injeção de recursos. Assim, Lula antecipou o recurso para o Estado para que o governo pudesse fazer frente a seus compromissos.
“Só que a taxa de juros cobrada pelo governo federal ao governo do Estado era muito alta. Então, quando chegamos no governo em 2011, começamos a analisar aquilo que a gente estava pagando, e a gente pagou um custo muito elevado, então questionamos a correção desse valor”, explica.
Ainda não há prazo para o ressarcimento ser feito, visto que o processo ainda precisa transitar em julgado e passar pelos demais procedimentos de execução. Segundo o governador, ainda não se sabe se o valor poderá virar precatório ou ainda ser usado para abatimento da dívida pública.
O procurador geral do Estado explicou que o próximo passo será consultar a União já na mudança do governo para saber se há interesse de fazer uma composição disso.
"Vamos à Secretaria do Tesouro Nacional e mostramos que a decisão foi tomada em dezembro e o histórico dos valores. Eles e a Advocacia Geral da União certamente vão sentar à mesa para conversar e vamos propor o abatimento no estoque da dívida pública. Não sendo possível, faz a formação do precatório e recebe no ano seguinte ao ano em que ele for formado", detalha.
Caso a decisão seja de recebimento por precatório, se ele for inscrito até 2 de abril de 2023 o Espírito Santo recebe o montante total em dezembro do ano seguinte, no caso 2024. Se não for possível finalizar até abril, o recebimento vai ficar para dezembro de 2025, explicou o PGE.
Em contrato celebrado em 2003 e aditado em 2005, o governo capixaba cedeu à União um crédito referente aos royalties futuros de 62,9 milhões de metros cúbicos de petróleo e 6,2 bilhões de metros cúbicos de gás natural, a ser pago em parcelas mensais. O crédito total foi avaliado em R$ 615,9 milhões e adquirido pelo governo federal por R$ 350,7 milhões.
Em novembro de 2013, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a suspensão de descontos sobre royalties. O julgamento do mérito do processo teve início na Primeira Turma em fevereiro de 2020, mas, após questão de ordem apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi remetido ao Plenário virtual.
Ao votar pela parcial procedência do pedido, o ministro Barroso concluiu que houve desequilíbrio econômico e financeiro na atual relação contratual, com vantagem excessiva para a União e ônus desmedido para o Estado.
Ele observou que o contrato não envolveu meramente uma operação comercial de compra e venda de ativos: ele visou ao interesse nacional, com referência nominal ao ajuste fiscal do Estado, ao fortalecimento da Federação e à manutenção da política de estabilização. Ou seja, ainda que fosse legítima a previsão de ganhos financeiros razoáveis em favor de alguma das partes, não era essa a finalidade do ajuste.
Na avaliação do relator, os entes federativos não são competidores ou oponentes. Ao contrário, devem atuar como parceiros na realização do interesse público. “Isso torna no mínimo questionável que o ente central e maior se comporte como se fosse um agente econômico em um mercado competitivo, em busca do maior ganho possível, às expensas do ente menor”, disse.
Ele pontuou, no entanto, que a entrega de todo o excedente ao Estado não corrigiria o desequilíbrio, mas apenas o faria recair sobre o lado oposto. Nesse sentido, entendeu que a União deve restituir a quantia correspondente à metade dos ganhos que excederam o total dos royalties cedidos contratualmente, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
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