O grave derramamento de óleo na costa brasileira, que já atingiu as praias do Nordeste e chegou ao litoral do Espírito Santo no último dia 8, trouxe à superfície uma preocupação conhecida pelos capixabas: os acidentes ambientais. Embora algumas dessas tragédias fiquem na memória pela gravidade e pelas perdas humanas, muitas outras acontecem sem tanto alarde. Segundo dados do Ibama, só em 2019 foram registrados 33 ocorrências de derramamento de materiais, inclusive de petróleo, no mar do Estado.
Desde 2007, quando começam os registros de acidentes ambientais do órgão, foram registrados 175 incidentes na costa do Espírito Santo. Desse total, 110 tiveram origem em plataformas de petróleo. Os demais aconteceram em portos ou embarcações. O ouro negro já vazou 17 vezes na costa do Estado ao longo dos últimos 12 anos. Em outras 24 ocorrências foi informado apenas derramamento de óleo, sem especificação. Para especialistas do setor, a palavra geralmente corresponde também ao petróleo.
Há ainda registros de escape para o mar de fluido hidráulico (lubrificante), além de metanol (um tipo de álcool) e fluido de perfuração (estabilizador). Como o registro de acidente ambiental é preenchido pela empresa proprietária da embarcação onde ocorreu o problema, os dados, muitas vezes, são inconsistentes ou incompletos. Apenas alguns têm uma informação importante: a quantidade de poluente que escapou das cidades flutuantes.
Quando existe o detalhamento sobre o volume de agentes liberados na natureza, não está especificada a unidade de medida - litros, metros cúbicos, barris ou outra - o que impede o cálculo da quantidade de materiais que fica espalhada no oceano.
Dentre as ocorrências em que consta a quantidade de material derramado, grande parte das companhias notificou um volume de menos de mil litros. No entanto, alguns incidentes maiores chamam a atenção. Um deles ocorreu em fevereiro deste ano, quando vazaram 251,8 m³ de petróleo cru - o equivalente a 251,8 mil litros - da plataforma P-58, uma das principais da Petrobras no campo de Jubarte, no Litoral Sul do Estado.
Segundo o registro, houve falha na transferência do petróleo da plataforma para o navio de apoio. Outra ocorrência também registrada em 2019 foi o derramamento de 3,3 mil litros de fluido de perfuração no campo de Baleia Franca, também no Parque das Baleias, próximo aos municípios de Presidente Kennedy, Marataízes e Itapemirim. Chama a atenção neste caso que, embora o registro tenha sido feito em junho deste ano, na descrição do incidente consta que ele ocorreu em abril de 2013, ou seja, seis anos antes.
Em novembro do ano passado, a petroleira Shell notificou dois derramamentos consecutivos de metanol, somando 566 litros de produtos jogados ao mar. No documento, a empresa descreve o incidente como descarga significante de material com alto potencial de dano ao meio ambiente.
Para o professor de oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em gestão do litoral, David Zee, não existe atividade petroleira sem poluição. É inexorável haver acidente ambiental. Eles vão ocorrer. O que podemos fazer é controlar melhor a extensão do dano ao meio ambiente, explica.
Esses derramamentos, mesmo que pequenos, são cumulativos, ou seja, vão se somando ao longo do tempo e provocando dano ao ambiente marinho. O presidente do Grupo Cepemar, que trabalha em projetos de meio ambiente na área de óleo e gás, Nelson Saldanha, explica que o petróleo derramado afeta toda a cadeia alimentar.
O óleo pode contaminar camarões, peixes, penetrar em pedras, corais, algas. É uma contaminação de altíssimo risco e até pequenas partículas podem fazer muito mal quando ingeridas.
Especialistas afirmam que é impossível mensurar exatamente o estrago provocado, mas eles apontam que o impacto vai depender primeiramente das medidas tomadas pela empresa logo que o vazamento é identificado.
A quantidade e o tempo necessário para recuperar a região vai depender muito das condições com que vão ser realizadas as medidas de contingência que, se bem planejadas, auxiliarão na retirada do material do mar com rapidez, explica David Zee.
O mercado utiliza atualmente uma série de meios para conter os produtos derramados, que vão desde boias, até meios para dispersar ou sugar o óleo para fora da água. A medida utilizada depende da quantidade e do tipo de petróleo que caiu na água. O óleo mais leve, boia na água, então ele é mais simples de ver e de recolher. Já o óleo mais denso se move abaixo da linha da água e só é visto quando chega na praia. Por conta disso, o dano é muito maior, explica Saldanha. Segundo ele, é possível encontrar os dois tipos na costa do Estado.
David Zee esclarece que a lei brasileira obriga a empresa a notificar esses incidentes. Aquelas que notam o poluente, mas não notificam cometem crime ambiental e os responsáveis podem até ser presos. Temos uma das melhores legislações ambientais do planeta, mas só funciona no papel. Na hora do acidente, infelizmente, pouco funciona, critica.
O especialista também levanta a suspeita de que o número de ocorrências pode ser ainda maior, uma vez que as empresas são as responsáveis pela notificação. Quem diz que isso não acontece com mais frequência que a gente tem notícia?, questiona.
Essa também é uma preocupação do sociólogo Marcelo Calazans, que coordena a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Espírito Santo e que acompanha populações atingidas pela atividade petroleira. Segundo ele, há uma subnotificação desses acidentes.
Ele aponta ainda os impactos no mar que não necessariamente envolvem derramamento de poluentes. As ocorrências notificadas são aquelas que não podem ser escondidas. Certamente há uma subnotificação. No período das pesquisas sísmicas na costa do Estado há cerca de 10 anos (para identificar potenciais reservas), o peroá desapareceu do mar do Espírito Santo por anos. Esse impacto não dá para ver a olho nu, diz.
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