Com valorização de quase 40% desde janeiro, o dólar elevado tem encarecido os eletrônicos de modo geral. Em meio à crise, uma nova redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deve deixar videogames mais baratos. A mudança foi anunciada nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro, que autorizou a redução de 40% para 30% a carga tributária incidente sobre consoles e máquinas de videogame e também reduziu impostos para acessórios, entre outros.
O mesmo não ocorre com outros itens, como celulares e notebooks, cujos preços têm disparado em meio à crise, e se tornaram ainda mais essenciais diante da necessidade crescente de utilização para estudos e trabalho em casa.
O decreto que autorizou a mudança da carga tributária surge pouco antes da chegada da nova geração de consoles ao Brasil, prevista para acontecer ainda em 2020.
Empresas internacionais preveem lançar até o final do ano o novo Xbox Series S, da Microsoft, e o novo PlayStation 5, da Sony. Neste ano, esses produtos ficaram mais caros com a desvalorização do real, conforme observou o economista e professor da Fucape, Felipe Storch Damasceno.
"São produtos importados, em sua grande maioria, então a queda do real e a valorização do dólar acabaram influenciando nos preços. Com a redução do imposto, o valor deve ter uma leve redução.
Essa redução, num primeiro momento, pode, inclusive, levar a uma migração na intenção de consumo e fazer com que mais pessoas, principalmente os jovens, invistam em videogames, a depender do patamar da redução. Damasceno observa, entretanto, que, se o dólar continuar a subir, os produtos podem encarecer novamente.
O economista chama ainda a atenção para o fato de que, longe de ser prioritário, o setor de jogos eletrônicos que já vinha em crescimento constante, impulsionado ainda pelo período de isolamento social foi privilegiado em um momento de crise sem precedentes.
Embora também gerem renda e empregos, a finalidade maior dos games é o lazer. É diferente, por exemplo, de computadores e celulares. Chama a atenção, então, que um segmento que atende a uma finalidade tão específica tenha sido beneficiado com a redução de impostos.
Não que a mudança não seja positiva, mas o momento, segundo especialistas, não poderia ser pior.
Para alguns setores, fala-se, inclusive, em aumentar a carga tributária. Vale lembrar, por exemplo, que a reforma tributária pretendida pelo governo pode tornar os livros mais caros. Um golpe a mais no setor, que agoniza. Livrarias e editoras conhecidas vêm decretando falência nos últimos anos. As mudanças previstas levarão ao fim de isenções para o segmento, e farão com que incida sobre os livros uma tributação de 12%.
A questão tributária no Brasil é sempre muito delicada. O padrão de impostos é muito alto, e é sempre legal ter uma redução, mas isso quando vale para diversos setores, e não simplesmente um em detrimento de outros. É uma escolha muito estranha de se fazer, ainda mais considerando que o país vive um momento de muita dificuldade fiscal, observou Damasceno.
Para o economista Eduardo Araújo, membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), o momento não permite que o governo faça tais concessões. Gastos não previstos, como o pagamento do auxílio emergencial, do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), entre outros, fizeram com que o endividamento público disparasse.
A previsão é de que a dívida da União se aproxime de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) do país ao final de 2020. Ou seja, o Brasil deve quase tanto quanto ganha.
Araújo destaca que algo em torno de R$ 37 milhões e R$ 39 milhões ao ano que é o impacto fiscal estimado para a mudança é uma quantia pouco significativa para os cofres públicos em uma situação considerada normal, mas, para um país endividado como o Brasil, passa, no mínimo, uma imagem ruim.
Não apenas pega mal, como cria precedentes para que outros setores comecem a demandar reduções, desonerações, vantagens que, por conta da situação fiscal, a gente não tem condições de dar. É positivo para o consumidor, claro, mas não é o momento para se fazer essa mudança.
É a segunda redução em pouco mais de um ano. Em agosto de 2019, o IPI para consoles e máquinas de videogames caiu de 50% para 40%. Ao antecipar a nova redução, durante transmissão ao vivo no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro esclareceu que a mudança foi motivada pelo fato de que a "molecada" voltou a "chiar" novamente sobre os preços de jogos eletrônicos. Ele afirmou ainda que há havia conversado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o assunto.
A garotada ano passado resolveu reclamar do preço de jogos eletrônicos, chips, etc. E tinha um degrau de imposto, e nós conseguimos passar o maior degrau de 50% para 40%. E agora a molecada voltou a chiar novamente e com razão, declarou o presidente.
Com o novo decreto, o IPI passa:
O impacto previsto na arrecadação será de R$ 2,7 milhões por mês este ano, ou seja, algo em torno de R$ 5,4 milhões. Já para 2021, o impacto anual previsto é de R$ 36 milhões, e para o exercício de 2022, R$ 39 milhões, segundo informações do Ministério da Economia.
O anúncio ocorre cerca de um mês antes da Black Friday, e bem a tempo das vendas de Natal. O governo diz que a medida incentivará o desenvolvimento do segmento no país. Um ponto que não foi destacado, mas cabe mencionar, é que a medida beneficia não apenas o setor, mas também o filho de Bolsonaro, Jair Renan, que atua no ramo de jogos eletrônicos.
Em agosto, inclusive, o filho 04, como também é chamado, se reuniu com o secretário especial da Cultura, Mario Frias, para tratar dos chamados eSports (esportes eletrônicos).
Segundo a Confederação Brasileira de eSports (CBeS), tratam-se de competições disputadas em games eletrônicos em que os jogadores atuam como atletas profissionais de esportes tradicionais e são vistos por uma audiência presencial ou on-line, através de diversas plataformas de stream on-line ou TV.
Uma dessas plataformas de stream é a Twitch, da qual Jair Renan Bolsonaro foi banido em maio, após ironizar a pandemia da Covid-19, e dizer que a doença com a qual seria infectado dois meses depois da fala era uma invenção da mídia.
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