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690 mil pessoas no ES não têm acesso a água tratada

690 mil pessoas no ES não têm acesso a água tratada

A população sem água tratada representa 17,6% dos habitantes, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento (SNS), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional

Publicado em 24 de setembro de 2019 às 21:07

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Comerciante Daniel José Rodrigues, 63 anos. (Rodrigo Gavini)

O comerciante Daniel José Rodrigues, 63, nunca teve água tratada em casa. Há 11 anos ele se mudou para o Conjunto de Chácaras Lagoa Jabaeté, em Jabaeté, Vila Velha. No início ele precisava percorrer 4,5 km, três vezes por semana, para buscar água no bairro João Goulart, também no município. A falta de água tratada é uma dura realidade, mas não apenas de Daniel: já atinge 690 mil pessoas no Estado.

O comerciante, após muito andar para buscar a água, desde 2015 passou a usar a de um poço. Daniel e todos da região onde mora. Para consumir a água, que é armazenada na caixa d'água e cai direto nas torneiras, ele faz sua filtragem e a ferve. Tudo por necessidade, porque o sonho de Daniel mesmo é que a água tratada chegue à sua torneira. “Quem não tem vontade, né? A vontade é imensa, mas a dificuldade é muito grande”, desabafou.

A população sem água tratada representa 17,6% de 3,89 milhões de habitantes, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento (SNS), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Os dados revelam ainda que o número de pessoas sem água tratada cresceu. Em 2010 eram 590 mil desassistidas, enquanto que, em 2017, ano de dados mais recentes disponibilizados, chegou-se a 690 mil, ou seja, 100 mil pessoas a mais.

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PROBLEMA

Especialistas ouvidos pela reportagem enfatizam que esse é um grave problema. Isso porque a água consumida sem tratamento pode provocar doenças a curto e a longo prazos.

O professor de Ecologia e Recursos Naturais da Ufes, Luiz Fernando Schettino, explica que a água tratada elimina microorganismos causadores de doenças, como fungos, vírus, bactérias e protozoários. “Há uma série de parâmetros adotados para que a água seja consumida”, diz.

O embaixador do Instituto Trata Brasil, Carlos Graeff, acrescenta que muitas pessoas buscam como alternativa poços e nascentes. No entanto, independentemente de sua profundidade, a água retirada desses lugares pode estar contaminada. Ele completa que a falta de água tratada atinge principalmente quem em zona rural.

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Furar um poço fundo não é garantia de que a água é própria para consumo. O lençol freático pode ser contaminado, temos uma preocupação enorme a respeito da presença de toxinas, como as liberadas pelos agrotóxicos

Carlos Graeff, Instituto Trata Brasil
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PLANO

Para tentar universalizar o acesso aos serviços de saneamento, foi criado o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), em 2016. Essa legislação estabelece diretrizes para o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações de: abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais.

O Ministério de Desenvolvimento Regional, por meio de nota, informou que todos os municípios são obrigados a elaborar seu plano de saneamento, de acordo com a legislação em vigor. No entanto, no Espírito Santo somente 19 municípios têm esse planejamento.

O órgão enfatizou, inclusive, que dá apoio na elaboração do plano,mas somente libera recursos da União, quando destinados a serviços de saneamento básico, com a existência do documento.

Schettino explicou que, apesar da Cesan ser responsável pela coleta, tratamento e distribuição de água em 52 cidades, cabe aos municípios elaborar o plano e traçar metas.

Ele acredita que existem dois motivos para que os municípios não tenham o plano: falta de recursos e de cultura em investir em ações ligadas ao meio ambiente. “Isso não é prioridade para municípios, muitos não têm nem secretaria de Meio Ambiente”, observa.

A meta do Plansab para 2033 no Espírito Santo é de uma cobertura de 100% da população. No entanto, segundo os dados divulgados, a estimativa para 2033, mantido o ritmo dos investimentos atuais, é de uma cobertura de abastecimento de água para 71% da população.

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RISCO DE MORTE

A água consumida sem tratamento pode causar doenças a curto e a longo prazos. Entre os principais problemas que ainda acometem a população estão a hepatite A, cólera, esquistossomose e febre tifoide. Algumas, inclusive, podem levar à morte.

Segundo a infectologista da Unimed Vitória, Rubia Miossi, as doenças infecciosas contraídas através do consumo da água são, em sua maioria, transmitidas por microrganismos, como fungos, bactérias, vírus e protozoários.

A forma mais comum de contágio dessas doenças é através da ingestão direta da água, seja por bebê-la ou pelo consumo de alimentos lavados com água infectada.

“As doenças podem aparecer ao consumir apenas uma vez essa água. Algumas doenças podem levar à morte, como a diarreia e a hepatite A, que é a inflamação do fígado causado por um vírus. Por isso é importante beber água tratada e até para lavar alimentos”, diz.

LONGO PRAZO

O embaixador do Instituto Trata Brasil, Carlos Graeff, observa que podem surgir doenças a longo prazo associadas também às toxinas, entre elas as existentes em agrotóxico. Entre elas estão doenças que atingem o rim e o fígado.

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Com a água tratada, é possível controlar as substâncias químicas encontradas na água. Com a falta de tratamento, essas substâncias podem se acumular e trazer problemas crônicos no futuro

Carlos Graeff, Instituto Trata Brasil
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Já Rubia Miossi acrescenta que, para as pessoas que não têm água tratada em casa, é importante fervê-la, pois somente filtrar não é o bastante. “Ferver a água pode ser suficiente para eliminar esses microrganismos. Somente a filtragem não elimina bactérias e vírus por serem partículas muito pequenas”, explica.

INTERNAÇÕES

Dados do Instituto Trata Brasil apontam que 4.713 pessoas no Estado foram internadas por doenças associadas à falta de saneamento, como água e esgoto não tratados. Houve ainda 97 mortes.

O estudante Mateus Petter Malavasi, 23, mora no Córrego do Almoço, zona rural de Colatina, e bebe água do poço artesiano. Ele foi construído pela família como uma alternativa para não consumir a água do Rio Doce. No entanto, isso tem afetado a saúde da família.

“Toda a minha família tem uma bactéria que, de acordo com os médicos, se pega através de água não tratada. Constantemente, alguém fica mal, com sintomas de virose: enjoo, vômito, diarreia. Sempre quando vamos ao hospital, a primeira coisa que nos perguntam é se temos água tratada”, lamenta Malavasi.

INVESTIMENTOS

A Cesan informou que nas áreas urbanas dos 52 municípios atendidos pela companhia no Espírito Santo, o abastecimento de água foi universalizado em 2009. Desde então, a empresa vem realizando investimentos para que a oferta de água tratada acompanhe o crescimento das cidades e, assim, mantenha o caráter de universalização do serviço.

“Para os próximos quatro anos estão previstos R$ 2,1 bilhões em investimentos para manter a universalização do abastecimento com água tratada e ampliação da cobertura com serviços de coleta e tratamento do esgoto”, afirmou a empresa, por nota.

Ao ser questionada sobre o abastecimento na zona rural, disse apenas que auxilia com suporte técnico, mas sem explicar como realiza a assistência.

E sobre a área urbana de Conjunto de Chácaras Lagoa Jabaeté, em Jabaeté, Vila Velha, onde vive o comerciante Daniel Rodrigues e vizinhos sem água tratada, a Cesan afirmou somente que a região possui rede de água e esgoto, sem esclarecer por que persiste o problema de falta de tratamento neste caso. De maneira geral diz que, por lei, "a companhia não pode instalar ligação de água em imóveis que não estejam devidamente regularizados junto ao município ou que estejam em áreas de invasão ou de proteção ambiental." A Prefeitura Municipal de Vila Velha também foi procurada, mas não deu explicações se esta é a situação de Daniel e de outros moradores da região.

MUNICÍPIOS

Nos municípios abastecidos pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Serviço Colatinense de Meio Ambiente, Saneamento Ambiental (Sanear) e BRK Ambiental também há a universalização de água na área urbana, mas o mesmo não acontece na área rural.

Situação de Cachoeiro de Itapemirim, Vargem Alta, Itapemirim, Marataízes, Marilândia, Jaguaré e Aracruz que responderam, por nota, que avaliam a possibilidade de ampliar o serviço até a universalização também na área rural.

 

É o quadro também de Guaçuí, Jerônimo Monteiro, Alfredo Chaves, Iconha, Sooretama, Rio Bananal, João Neiva, Itaguaçu, Itarana, Colatina, Governador Lindenberg, Baixo Guandu, São Domingos do Norte e São Mateus, mas que não têm perspectiva de ampliação.

Já os municípios de Ibitirama, Alegre, Mimoso do Sul, Ibiraçu e Linhares não responderam a demanda.

 

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*Com a colaboração de Leonardo Goliver, Beatriz Caliman e Larissa Avilez

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