"Vai levar uma AR-15 (fuzil) logo?". A resposta chega em seguida: "Graças a Deus dessa eu não preciso". O diálogo continua e termina com a oferta de duas pistolas de calibres 9mm e uma arma ponto 40. A 9 vc leva por 7000 (R$ 7 mil) e a 40 por 8 (R$ 8 mil). A troca de mensagens feita pelo aplicativo de celular WhatsApp, com direito à exposição de várias fotos dos "produtos", mostra uma negociação de armas com alto grau de letalidade que se tornou comum no mercado ilegal e surpreende pela facilidade com que elas são adquiridas.
Nesse submundo é possível encontrar armas de uso permitido, desde que o cidadão tenha o registro de posse, e de uso restrito, exclusivo das Forças Armadas, de instituições de Segurança Pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército. São submetralhadoras e fuzis de calibres diferentes, sendo o último capaz até de derrubar um avião. No linguajar desse mercado, vários são os nomes dados aos objetos negociados: "canetinha", "peça", "brinquedo" e "vassoura".
A reportagem trabalhou por quatro meses para entender como acontece, na prática, esse tipo de comércio e teve acesso a conversas que revelam essa negociação via WhatsApp. Foram dezenas de contatos com pessoas ligadas ao comércio ilegal de armas. Três delas aceitaram falar, desde que a identidade dos entrevistados fosse mantida em sigilo.
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COMÉRCIO
Armas de uso restrito, as de cano longo e as mais caras são, em sua maioria, vendidas por traficantes de armas e que têm como público-alvo membros do crime organizado, ou seja, são usadas no tráfico de drogas e em roubos a bancos. Mas o que chama a atenção é que as de cano curto, como revólveres e pistolas, estão a todo momento sendo negociadas por cidadãos comuns, sejam elas roubadas, extraviadas, com numeração raspada ou que nunca tiveram registro. Algo que é proibido porque a lei considera crime ceder ou emprestar uma arma a outra pessoa, mesmo que possua posse ou porte.
As negociações são realizadas pessoalmente nos morros, mas também próximo a supermercados, bancas de jornais e em festas, como o baile do Mandela e raves. Uma das principais formas de venda é pelo WhatsApp. O cardápio é variado. No Estado, é possível achar armas de diversos modelos e calibres. Se a opção é por uma mais sofisticada, de uso restrito, basta ter dinheiro e procurar a pessoa certa. Caso um modelo desejado esteja em falta, é só questão de dias ou no máximo semanas para a chegada da encomenda. A reportagem também apurou que quando o valor das armas é maior, a entrega dos materiais chega ao Estado em carros diferentes para evitar prejuízos no caso de uma apreensão policial.
A NEGOCIAÇÃO VIA APLICATIVO
SEGURANÇA
O aplicativo de celular é a forma mais escolhida para negociações, e isso não é à toa. Para traficantes, essa seria a forma mais segura porque a criptografia (sistema que deixa a escrita cifrada) de mensagens entre remetente e destinatário garante que apenas as duas pontas da comunicação tenham acesso ao conteúdo, dificultando a investigação.
O especialista em segurança da informação e perito em computação forense Gilberto Sudré explica que a criptografia garante que quem interceptar as mensagens no meio do caminho não terá acesso ao que foi escrito. Ao contrário de uma ligação em que a operadora de telefonia pode monitorar o que é falado.
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Mesmo interpelado judicialmente, o WhatsApp informa que não tem acesso às conversas, apenas sabe quem enviou mensagem para quem, em que dia e hora. Resta às autoridades uma alternativa que seria introduzir um aplicativo de monitoramento em um dos aparelhos envolvidos na negociação, mas é complexo e bastante sensível porque a polícia deverá ter acesso físico ao aparelho. Outra forma é convencer o traficante, por meio de uma mensagem falsa, a clicar em um link ou fazer o download de um arquivo, disse.
INVESTIGAÇÃO
As negociações pelo WhatsApp são de conhecimento da Polícia Civil, no entanto, o delegado titular da Delegacia de Armas, Munições e Explosivos (Dame), Diego Yamashita, avalia que há casos pontuais no Estado. Já recebemos informações sobre esses tipos de condutas e confirmamos isso em investigações, mas não é algo tão rotineiro e não são feitas (negociações) de maneira tão descarada, afirma.
Os dados de apreensões comprovam que existem armas com alto grau de letalidade no Estado. Das 3.073 retiradas de circulação em 2018 por se encontrarem em situação irregular, seja pela falta de registro, porte ilegal ou apreendidas em situação de crime, há fuzis, metralhadoras e pistolas. No entanto, não há dados que possam comprovar quantas armas existem circulando nesse mercado. Estimativas do Mapa da Violência indicam que, no Brasil, existem cerca de 15 milhões de armas de fogo, sendo 7 milhões legais e 8 milhões ilegais, dentre essas últimas, 4 milhões se encontram nas mãos de criminosos.
Enquanto isso, sejam legais ou ilegais, as armas têm deixado muitas vítimas em latrocínios (roubo seguido de morte), bala perdida, confrontos e outras situações.
O uso irresponsável de arma de fogo pode causar grandes estragos. É preciso saber manuseá-la, uma arma que é colocada na mão de uma pessoa despreparada traz riscos para toda a população, aponta o consultor e assessor em armamento Eduardo Aguiar.
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