O Espírito Santo tem 1.313 casos confirmados de coronavírus, segundo dados divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) nesta terça-feira (21). O número é alto e ainda vai subir mais. Em entrevista à CBN Vitória, o médico cardiologista Eduardo Castro afirmou que cerca de "70% da população deve pegar a doença" e que acredita que em três semanas o Estado deve "estourar a ocupação de leitos". Castro está desde o dia 23 de março atuando na linha de frente do combate à doença na UTI de um hospital particular na Serra.
Na longa entrevista de quase uma hora concedida à jornalista Fernanda Queiroz, o médico explicou como a doença tem sido tratada nos hospitais capixabas e sobre o medo com o qual os profissionais de saúde precisam conviver e a importância do isolamento social. Castro falou ainda da necessidade de testar mais pessoas e da perspectiva de encontrar um remédio para a doença.
Os principais pontos da entrevista você confere abaixo. Para escutá-la na íntegra, clique aqui.
"Colocamos máscara, fazemos a vedação completa, não pode vazar próxima ao olho e a boca. Colocamos óculos do tipo nadador para que haja vedação completa dos olhos, e um gorro na cabeça. Na sequência, colocamos o capote impermeável e a luva. Todo o cuidado é pouco na hora de colocar e retirar a máscara para não tocar no olho ou na boca. É um processo de treinamento diário. Nesse processo de colocar todo o equipamento e depois de retirar você gasta quase meia hora. Por conta da dificuldade que se tem hoje para conseguir material, manipulamos para de forma a não faltar. A máscara N95 que eu comprava a R$ 3,40 agora está custando R$ 20. Tem faltado nos EUA, na Inglaterra, então não tem porque pensar que vai sobrar aqui. Nos casos dos pacientes que estão positivos, entro, vejo todos, saio e temos que trocar todo o material. Com os suspeitos, ainda não confirmados, entro, saio e trocamos todo o material novamente. Já os pacientes da UTI, que antes eu demorava duas horas para olhar, agora demoro quatro horas para fazer esse monitoramento". disse o médico.
"É angustiante. Dentro da área de saúde, temos grupos de WhatsApp com profissionais de todo o país e recebemos muitos relatos de colegas. O número de casos que chega de profissionais médicos e enfermeiros que já morreram devido à Covid-19 assusta demais e nos deixas realmente instáveis. Nós nunca lidamos com isso. No mês de março morreram 111 médicos na Itália. Não tem nada na história que se assemelhe a isso. É tudo muito novo. Tudo nessa doença é novo. Esse ambiente escuro nos deixa bastante inseguros. Todos têm família, filhos. Alguns profissionais deixam os filhos com os pais para poder trabalhar, e se preocupam como vão fazer para ver o filho, levar as coisas para a família. É um cenário novo, deixa muita dúvida e medo", relatou Castro.
"São três doenças diferentes: o pouco sintomático, o que tem sintomas e tem um acometimento pulmonar mais intensivo, e aquele indivíduo que parece que vira uma chave, aonde ele faz uma tempestade de substâncias inflamatórias, e é realmente uma bomba. Quando olhamos a China, por exemplo, os pacientes que vieram a óbito, o tempo entre o primeiro sintoma e até ficar grave variou entre 8 a 15 dias, sendo que quando fica grave, o óbito ocorre em 48 horas. Ele vai levando a doença aparentemente de forma leve, até que chega e explode em um cenário muito mais grave. Isso dentro de casa ainda. O que tenho observado é que os pacientes que chegam no quarto, quinto dia de sintomas e começam a ficar cansados, esses doentes têm uma condição muito mais grave, porque vão piorar até o décimo dia. Sei que eles vão piorar e eu não tenho muito o que fazer mesmo utilizando as medicações possíveis."
"Usamos medicações baseados em critérios, daquilo que pensamo que possa ajudar, baseados em mecanismo de ação. A hidroxicloroquina ou a cloroquina foi usada no SARS 1 (Síndrome Respiratória Aguda Grave), e sabemos que ela reduz a capacidade do vírus de entrar na célula e dele replicar por lá. Será que funciona? Não sei. Acredito que funcione e tenho sugerido o uso para todos aqueles que apresentarem pneumonia pela Covid-19. Por mais que eu tenha total consciência de que não tem evidência científica nenhuma sobre isso, coloco numa balança o risco dessa medicação trazer malefício e o risco dela ser útil. Coloco para os pacientes esse cenário", explicou o cardiologista.
"Em Portugal, não estão usando hidroxicloroquina, eles estão investindo pesado para testar as pessoas. Enquanto o Brasil testa 260 pessoas por milhão, Portugal testa 23 mil pessoas por milhão de habitantes, a Alemanha testa 21 pessoas por milhão de habitantes, e os EUA testam 8 mil por milhão de habitantes. Como Portugal consegue material e reclamamos que aqui não tem? É planejamento. Eles estabeleceram cinco níveis de abordagem, onde fazem testagem ampla para toda a população e com isso eles identificam os eventuais pacientes que vão ter complicação e estes são colocados em unidades de maior capacidade de observação. São estratégias diferentes. Todos os caminhos podem levar a Roma, mas se você tentar andar por todos ao mesmo tempo, não chega a lugar nenhum. Não tenho dinheiro para andar no mesmo caminho da Alemanha, que investiu em muita tecnologia. Mas eu poderia andar no mesmo caminho que Portugal, se tivesse me planejado antes. A China divulgou na internet o genoma do vírus no dia 12 de janeiro para que todos pudessem se planejar, criar testes, fazer uma programação e conseguir enfrentar a situação. No meio do mês de abril foi quando descobrimos que precisávamos de testes. Era para ter chamado todas as universidades, essa mobilização era para ter acontecido lá em janeiro".
"Quando os pacientes chegam ao pronto-socorro, o que é feito é avaliar a saturação do oxigênio. A saturação de oxigênio normal é maior que 92%, tivemos dezenas de pacientes que chegaram se sentindo bem e estavam com a saturação de oxigênio em 85%. Sempre fazemos tomografia desse paciente e divide a tomografia em 4 níveis: leve, que é quem tem 10% do pulmão acometido; moderado, que é de 10 até 25%, o moderado grave, que é quem fica entre 25% a 50%, e acima de 50% é o muito grave. Esses pacientes com quadro moderado grave e muito grave, independe de qualquer outro sintoma, vão para UTI direto. Os pacientes que têm um quadro iminente de insuficiência respiratória também vão para a UTI. Os outros ficam na enfermaria para observação, isolados. Não recebem visitas. Os familiares ficam extremamente angustiados. É muito ruim. Os pacientes ficam confinados pelo período de uma semana."
"Ainda que estejamos fazendo todo o possível, o necessário é dar o suporte para que a pessoa passe por essa fase. Então se o paciente precisar ser entubado, vai ser entubado. Na hora de entubar, alguns pacientes ficam com muito medo, pensando que vão morrer. E tem aqueles que pedem, por favor, para serem entubados quando não conseguem ficar na posição que pedimos, como de bruços, por exemplo. Essa posição pressiona menos o pulmão, melhora a oxigenação de áreas menos afetadas. Os pacientes que chegam e a oxigenação começa a cair, colocamos de bruços no oxigênio. Em 30 segundos a oxigenação vai de 85 para 94%."
"Quanto mais aglomerado você estiver, mais você vai ter complicações. Os que não têm sintoma nenhum, os que têm poucos sintomas e os muito graves têm a mesma quantidade de vírus na saliva. Daí é possível ter uma noção do grau de contaminação que pode ocorrer, a depende do nível de intervenção social que você faz. O Brasil não tem condições de sustentar um Lockdown (confinamento) fechado. O que temos que discutir com a sociedade civil e com empresários é quanto custa isolar as pessoas, testar todo mundo e deixar tudo fechado."
"Na Grande Vitória, você não consegue mais identificar quem foi a fonte de transmissão do vírus. Temos um nível de gravidade e disseminação cada vez maior. Sintomáticas ou não, as pessoas começam a gerar uma densidade de contaminação cada vez maior. Você precisa de cerca de 15 minutos em contato com um ambiente contaminado para que você se torne um portador do vírus. A medida que você tem um número de pessoas assintomáticas, gerando essa densidade, você começa a aumentar muito o risco de pegar e se contaminar dentro de casa. Isso gera uma espiral. Se o vírus tiver na sua camisa e você colocar a mão na camisa e não colocar a mão no olho, você não vai pegar. Mas você vai transmitir o vírus para outras pessoas enquanto não lavar a sua camisa."
"Temos que sair desse cenário como pessoas melhores. A luz que vai nos tirar dessa situação é a ciência. Não tem como fazer isso com pressa. É preciso que todo mundo se empenhe em dar o seu melhor agora. Faça o que você puder. Se você puder ficar em casa, fique em casa", afirmou Eduardo Castro.
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