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Coronavírus, ansiedade e angústia: desafios para psicólogos e sociedade

Coronavírus, ansiedade e angústia: desafios para psicólogos e sociedade

Psicólogos têm recebido mais relatos de angústia e ansiedade em decorrência do distanciamento entre as pessoas, bem como têm sido desafiados na prática da profissão

Publicado em 26 de março de 2020 às 20:20

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Coronavírus: psicólogos falam de isolamento e dos desafios nos atendimentos
Coronavírus: psicólogos falam de isolamento e dos desafios nos atendimentos. (Amarildo)

Os primeiros dias de isolamento social impostos pela pandemia do novo coronavírus transformaram também as sessões para tratamentos psicológicos. Neste período de exceção, a orientação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) é a de flexibilização dos atendimentos online, sem que haja a necessidade de aprovação prévia de cadastro específico. Nesta modalidade, alguns psicólogos têm recebido mais relatos de angústia e ansiedade em decorrência do distanciamento entre as pessoas, bem como têm sido desafiados na prática da profissão.

Neste sentido, a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), Maria Carolina Fonseca Barbosa Roseiro, afirmou que o primeiro movimento feito pelos profissionais da área é o de organizar a demanda já existente. “Nesses primeiros dias acho que todos aqueles que não encontraram condições para o isolamento, por exemplo os profissionais da saúde, são os primeiros a se sentirem mais afetados pela ansiedade e pela insegurança relacionada aos riscos da pandemia”, relatou.

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A sensação da quarentena vai aumentando com o tempo de isolamento social. Alguns estudos mostram que nos primeiros dias as pessoas se organizam ainda de forma singular. Quem tem filho, organiza atividades com ele, quem precisa colocar a leitura em dia, vai fazer isso. O que afeta a todos nesse início é a expectativa constante de receber notícias. Todas as nossas interações sociais direcionadas para os dispositivos online, ao mesmo tempo que mantêm as relações, também aumentam a ansiedade das pessoas. Então é um momento de adaptação

Maria Carolina Fonseca Barbosa Roseiro
Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES)
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“AINDA NÃO ESTAMOS VIVENDO TODOS OS IMPACTOS”

Ainda de acordo com Roseiro, o quadro atual ainda não corresponde a todos os impactos que virão. “Este contexto é semelhante ao que acontece quando há crises por calamidades e desastres. Nessas situações existe um agravamento das condições de ansiedade, principalmente. Mas nesta situação atual o diferencial é que o dispositivo que é protetivo, que é o relacionamento direto entre as pessoas, não tem como ser utilizado. Ainda não estamos vivendo todos os impactos. Agora devem ser organizados os quadros já existentes para que não se agravem ainda mais”, explicou.

Segundo Andrea dos Santos Nascimento, psicóloga e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), uma preocupação é com as notícias falsas, que acabam gerando mais angústia em quem recebe. “Essa informação distorcida gera ansiedade. Algumas pessoas estão próximas dos familiares, outras distantes e isso também aumenta a preocupação neste momento”, disse.

“Cada caso é um caso. A gente orienta a que as pessoas criem uma rotina, mesmo dentro de casa. Tenham horário para acordar, meditar se gostar, ver filme, preparar o almoço. Estamos tentando diminuir o sofrimento, mas cada um reage de um jeito. Quem tem ansiedade fica preocupado com o futuro”.

“AINDA NÃO É PERCEPTÍVEL O AUMENTO DOS CASOS DE SOFRIMENTO MENTAL”

Espetáculo
Espetáculo "Ruah", da companhia capixaba Anchor Cia de Dança aborda o tema depressão. ( Bernardo Firme)

Para Pedro Henrique de Oliveira Carvalho, psicólogo clínico, conselheiro do CRP e professor universitário, a avaliação inicial ainda não traz uma resposta exata sobre aumento dos casos de distúrbios, transtornos e sofrimentos mentais. “A avaliação que eu tenho, pelo SUS, que é onde eu também trabalho, é de que o isolamento está muito no início ainda, não deu para perceber o aumento dos quadros clínicos de sofrimento mental”, iniciou.

“Os profissionais do sistema público foram orientados a suspender consultas eletivas e a ficar com os casos graves ou urgentes, que envolvam risco à pessoa. Na semana passada ainda havia atendimento. Em médio e longo prazo, o isolamento contribuirá para o agravamento de quadros mentais. Para os que já estão em estágios mais graves, isso tudo merece uma atenção, é recomendável que não deixemos um intervalo muito grande no atendimento dessas pessoas. O isolamento traz prejuízo psicológico, a gente vai se sentindo cada vez mais privado e os quadros podem se intensificar. Mas as mudanças são pouco significativas ainda”.

DESAFIOS DOS PSICÓLOGOS

Os atendimentos não presenciais não desafiam apenas os pacientes, como também demandam adaptações dos psicólogos. Neste sentido, o vínculo terapêutico mantido é de alguma forma alterado, segundo Carvalho. “Tenho feito atendimentos online também, no consultório particular. Foi a minoria que aceitou continuar as consultas online, a maioria vai aguardar voltar à normalidade e isso já era esperado. A questão presencial, do vínculo terapêutico, contribui muito para isso”, disse.

“Se o isolamento permanecer por muito tempo, acredito no movimento natural de mudança do comportamento, com atendimentos online como tendência. Para os psicólogos isso vem sendo muito debatido. Existem especificidades que devemos considerar. E como avaliar a interação do outro? É um modo diferente, mas é possível e pode ter resultados positivos. A questão é que o profissional compreenda isso e saiba se está apto”.

De acordo com o psicólogo Gleison Pessoa, o que vem sendo observado é também uma dificuldade de manter a privacidade nas consultas online. “No primeiro momento as pessoas estão em uma situação nova e tentando se organizar de alguma forma. Mas as casas estão mais cheias e a privacidade para terapia online não é possível para todos, então isso dificultou o atendimento. Tento dar um suporte mais rápido para alguns pacientes devido a isso”, contou.

ATENDIMENTO ONLINE TAMBÉM NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Para a presidente do CRP, as primeiras preocupações que apareceram foram da regulamentação de como seria o atendimento online nas várias áreas da psicologia. “Psicólogos que são autônomos têm um impacto, os dos serviços de saúde têm outro. Na psicoterapia o direcionamento do online foi praticamente imediato. O número de cadastros para atendimento online aumentou muito e aqui no Espírito Santo não foi diferente. No caso do serviço de saúde, já foi um outro processo, a demanda pelo atendimento online não está vindo do próprio serviço, mas dos usuários, que tentam acessar o psicólogo de forma online, mesmo que estejam presencialmente nas unidades”, explicou.

O QUE ESPERAR

Para a professora da Ufes Andrea dos Santos Nascimento, o conteúdo dos relatos que chegam dos pacientes também não mudou significativamente até o momento. “Para mim não chegou alguma novidade. Mas agora estamos descobrindo outras formas de acolhimento, de formas de viver, de autoconhecimento. Só teremos acesso a esta transformação daqui a um tempo. As coisas ainda estão acontecendo. Enquanto profissão ainda tem muita coisa para ser produzida após este período, em estudos”, disse.

“O que tem chegado é a preocupação com o futuro. Me questionam como será daqui para frente, como vai ser quando as portas forem abertas e se viveremos com medo. Isso tem chegado muito para mim. ‘Será que vou poder abraçar e beijar as pessoas na rua como antes?’, dizem alguns”.

ATENDIMENTO VOLUNTÁRIO

Neste momento, além dos diversos cursos online gratuitos que vêm sendo distribuídos por profissionais de diversas áreas, além de produtos para baixar, como e-books, são vistas também muitas iniciativas realizadas por psicólogos, que se solidarizam às novas demandas.

Para Pessoa, este movimento é positivo. “São lives, dicas, publicações no instagram, grupos de interação. Eu mesmo tenho uma experiência com um grupo, que acontece de forma mais interativa e grátis. Acho que estamos ainda no começo dessa pandemia. Quando olhamos lá fora, cresce o número de casos de ansiedade, depressão. Esta será uma demanda que ainda virá com mais força. É importante criar esses canais de apoio, de solidariedade, permitir que as pessoas compartilhem emoções e que sejam validadas no que sentem”, expressou.

Andrea dos Santos Nascimento relatou a importância de novas ferramentas que dão suporte psicológico, desde que, é claro, estejam pautadas na ética dos profissionais. “Um exemplo disso é o Instituto Acalanto, que tem feito atendimentos por uma linha telefônica para quem precisar. Os profissionais estão adaptando a forma de funcionar, até mesmo adaptando suas casas, para que mantenham sigilo e tranquilidade. E fica o alerta: é importante que as pessoas procurem o CRP para verificar se o profissional por quem tem sido atendido na internet é realmente um psicólogo”, finalizou.

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