Desde quando a escalada de casos do novo coronavírus começou na China, ainda em janeiro, o mundo inteiro se questionou: “Estamos preparados?” De lá para cá, a doença avançou pelo globo e mostrou sua força letal para pessoas idosas e com doenças crônicas, apresentando um poder ainda mais devastador na Itália, o país mais idoso do mundo.
O fato do país europeu ter virado o novo epicentro da pandemia da Covid-19, com a maior taxa de mortalidade, acendeu um novo alerta: o sistema de saúde brasileiro e capixaba terá condições de cuidar dos nossos idosos em um pior cenário?
A preocupação tem motivo de existir. O Estado tem a oitava maior população idosa do país proporcionalmente, com 636 mil idosos, que são aquelas pessoas com 60 anos ou mais, segundo projeção do IBGE de 2019. Isso representa uma fatia de 15,8% da população capixaba. Em Vitória, a proporção sobe para 19,7%, a terceira mais alta entre capitais do Brasil. A média no país é de 16,2%.
Os percentuais são bem menores que o da Itália, onde 29,3% da população é formada por idosos, mas se aproxima com o de outros países onde a taxa de mortalidade do coronavírus também é alta, como a Coreia do Sul (21%). No país europeu, 7,9% dos infectados pela doença morreram, sendo 99% das vítimas pessoas com mais de 60 anos. Na Coreia, a mortalidade chega a 4% dos casos. Na China, onde a proporção de idosos é de 16,8%, a letalidade entre os casos chega a 3,2%, também sendo a enorme maioria das vítimas idosa.
O desafio para o nosso sistema de saúde é enorme. Só no Espírito Santo, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) projeta que os casos de coronavírus cheguem a 4 mil em até 90 dias em um pior cenário, caso as orientações de isolamento e contenção não surtam efeitos. Por isso, especialistas reforçam a necessidade de evitar sair de casa desnecessariamente.
Do total de casos previstos, a Sesa estima que 80% serão leves, ou seja, cerca de 3.200 infectados devem ser atendidos na rede de atenção básica de saúde, que são os postos, unidades de saúde da família e pronto atendimentos. Devem ser mais graves os 20% restantes, o que daria 800 registros, sendo que essas pessoas precisariam de atendimento hospitalar.
De acordo com o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, Luiz Carlos Reblin, a projeção é que entre esses registros graves algo entre 3% e 5% sejam de casos críticos, sendo esses com maior risco de morte. Ou seja, algo entre 24 e 40 pessoas precisariam de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Reblin explica que o governo já reservou 120 leitos em UTIs para casos de coronavírus e vai criar mais 80 vagas, ou seja, “está trabalhando com uma margem de segurança elevada”. O Hospital Jayme dos Santos Neves, na Serra, está sendo esvaziado para abrir mais leitos de internação em isolamento voltados a pacientes com a Covid-19.
“Estamos projetando uma capacidade de leitos para atender a um volume de pessoas em estado grave muito acima do previsto”, disse Reblin, que afirmou ainda que o país deve ter mais chances no combate ao vírus. “O Brasil tem uma rede de saúde diferente dos demais países e um sistema de vigilância de saúde forte, em todos os municípios, e com laboratórios estruturados e capacitados em todos os Estados”.
Se seguirmos os percentuais mundiais de casos críticos que evoluíram para morte, porém, o número seria bem maior. Se a proporção for similar a da Itália, o Estado pode chegar a registrar mais de 300 mortes. Se for próxima a da China e a do Japão, ficaria perto de 130 óbitos.
Na avaliação dos especialistas, o Espírito Santo estaria preparado para dar assistência à população de risco mesmo em um pior cenário, mas no limite da capacidade. Por isso, é necessário agir agora para evitar chegar nessa situação.
O presidente da Sociedade da Infectologia do Espírito Santo (Sies), Alexandre Rodrigues da Silva, diz que no pior quadro projetado pela Sesa o Estado terá 200 pessoas em estado crítico, ou seja, que precisarão de leito em UTI. Até agora, o Estado atua para reservar exatamente 200 vagas em UTIs, número que pode chegar a 300 contando leitos de internação em isolamento.
“A Covid-19 é uma doença que se o paciente apresentar piora vai ficar internado por mais tempo: duas, três semanas ou mais. A estruturação dos serviços deve ser feita para que consiga atender o máximo de pacientes num determinado período e a Sesa vem se estruturando para ampliação de leitos. Isso é importante porque além dos futuros casos que vão precisar de internação, ainda temos um número grande de pacientes com outras doenças que necessitam de UTI”, explica.
Alexandre ressalta que as medidas de isolamento adotadas pelo governo são para que não haja um aumento brusco da doença, ou seja, com muitas pessoas infectadas ao mesmo tempo. Dessa forma, o contágio da Covid-19 se espalharia ao longo de meses e atingiria um pico entre junho e julho, mas sem sobrecarga do sistema de saúde, permitindo que o atendimento possa ocorrer de forma eficiente.
Há uma preocupação também com os municípios - sobretudo aqueles com maior proporção de idosos -, que acabam sendo uma porta de entrada de pacientes no sistema de saúde através unidades básicas e postos. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES), Celso Murad, acrescenta que todos os municípios devem ofertar a assistência básica e monitorar o grupo de risco. A alta complexidade, entretanto, pode estar segmentada por regiões, sendo necessário apenas preparar o esquema assistencial para quem apresentar complicações.
“A assistência é regional, entretanto, precisamos estar preparados para oferecer aquilo que os municípios pequenos necessitam e não têm, como o serviço de remoção de um centro maior e colocação em leitos de UTI. Em muitos casos haverá agravamento e precisamos estar preparados para acolhê-los e até, se possível, atender as pessoas de outros Estados que procuram ajuda médica no Espírito Santo”, esclarece.
Para o infectologista e professor da Ufes Crispim Cerutti Júnior, o grupo de risco precisa ser atendido de forma eficiente porque além de transmissores, correm maior risco de evolução desfavorável que pode evoluir para morte. Em sua avaliação, para um bom trabalho é necessário ter organização do serviço desde o momento que o paciente chega para receber atendimento até a infraestrutura para acolhê-lo caso a situação venha a se agravar.
“Temos uma doença altamente transmissível com um número de casos ainda pequeno e nenhuma evolução desfavorável. Nesse nível são duas formas de enfrentamento: proteção ao grupo de risco e a proteção individual, como lavar as mãos e não ter contato físico. Somente quando a epidemia aumentar que o foco deixa de ser a contenção para ser a assistência de boa qualidade, mas o sistema já deve estar preparado para isso.”
A infectologista Rubia Miossi completa que principalmente os idosos podem apresentar quadro grave porque a imunidade diferente de um jovem e a resposta do organismo é enfraquecida. “Há um tempo as pessoas não viviam tanto tempo. O organismo de um idoso é mais fraco e, geralmente, ele já possui doenças associadas, como diabetes, hipertensão e outras doenças crônicas que agravam o risco dessa pessoa.”
A aposentada Maria Madalena Saleme do Vale, 66, está com medo do novo vírus. Moradora de Vitória, além de idosa é hipertensa e teve câncer de mama há 10 anos, o que afetou seu sistema imunológico. Por conta disso, ela passou a tomar uma série de medidas para tentar evitar o contágio. “Não vou sair de casa, dispensei duas funcionárias, fiz uma compra razoável no supermercado e quando eu precisar de remédio peço para entregar. Meus filhos moram em São Paulo, mas não vou visitá-los”, comenta.
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