O mestre de obras Célio Leite, 35 anos, mal teve tempo de se recuperar da perda da mulher, em novembro passado, e na quarta-feira (01) recebeu a notícia da morte do irmão, um sargento da Marinha de 40 anos, uma das vítimas do novo coronavírus (Covid-19) no Espírito Santo. Ele ressalta o perfil solidário do irmão, e faz críticas ao fato de a família ainda não estar sendo monitorada.
"Ele servia à Pátria e era capaz de morrer por qualquer um", destaca Célio. O nome do sargento não será divulgado para preservar a esposa e os dois filhos, além dos pais que são idosos. Mas o mestre de obras faz questão de dizer: "Ninguém teria nada para falar contra ele, era uma pessoa carinhosa, que se preocupava com todos."
Ao falar da família, Célio ainda se refere ao sargente no presente e conta com ele ao mencionar o número de irmãos. "É porque ele vai ficar para sempre na nossa memória", afirma.
Além de lembranças, Célio diz que a morte do irmão também está marcada por indignação entre os membros da família. Ele conta que a notificação sobre a causa do óbito só foi feita nesta sexta-feira (3), depois de o caso ter sido informado pelo governo do Estado, primeiramente, para o público por meio dos veículos de comunicação. Além disso, segundo ele, mesmo após a confirmação do que levou à morte do sargento, até as 17 horas não havia sido procurado para ser monitorado junto aos parentes.
A comunicação às famílias cabe à Vigilância Epidemiológica dos municípios. Em Vila Velha, a coordenadora do setor, Giovana Ramalho, relata que também tomou conhecimento do caso do sargento pela imprensa no final da tarde desta quinta-feira (2), e somente conseguiu confirmar que o teste dele havia dado positivo para a Covid-19 na manhã de sexta, quando fez a notificação oficial aos familiares.
Para ela, houve falhas de procedimento tanto de um hospital particular de Vila Velha, onde foi feita a coleta de material biológico para analisar se o quadro era de infecção por coronavírus, quanto da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) que não registrou a informação assim que saiu o resultado do teste.
"Se não somos comunicados, não temos como atuar. Eu preciso saber que tem um caso positivo para poder procurar a família", ressalta Giovana Ramalho.
A coordenadora da Vigilância conta que, assim que surgiram os primeiros casos confirmados de Covid-19 no município, costumava ser surpreendida com a informação na imprensa. Depois, em um alinhamento com a Sesa, a notificação passou a chegar primeiro a seu setor. Até agora, no episódio envolvendo o sargento da Marinha. Ela diz que o grande problema é que, quando não é notificada, a equipe de vigilância não consegue fazer a abordagem com o paciente e os familiares da maneira mais adequada.
Giovana Ramalho diz que a vigilância não tinha nem mesmo a ficha do sargento porque o hospital não fez a notificação compulsória, assim que suspeitou da doença e pediu o exame. Esse é um procedimento obrigatório a qualquer unidade de saúde que identifica algum caso suspeito para Covid-19.
"Soube do caso pela rádio, quando voltava de uma reunião para o trabalho no final da tarde. Pedi a minha equipe para verificar no sistema do Laboratório Central (Lacen) e ainda não constava o resultado do exame", afirma.
A coordenadora da Vigilância Epidemiológica diz que foi feito contato com o hospital, ainda na noite de quinta, mas a informação repassada, segundo ela, foi de que não era possível encaminhar nenhum dado naquele momento. Já nesta sexta, Giovana voltou a se comunicar com o hospital e, então, cobrou a notificação. Somente então pôde ligar para a família.
Giovana ressalta que o monitoramento da família já está em curso. "Dos números de telefones que chegaram ao nosso conhecimento, contatamos a sogra do paciente que nos respondeu o inquérito sobre os contatos residenciais dele, e também conversamos com a cunhada."
A Sesa informa que o resultado positivo do sargento entrou no sistema do Lacen na noite de quinta-feira, e que só não foi liberado mais cedo pelo erro da falta de comunicação do hospital que coletou o exame. Inclusive, segundo o secretário Nésio Fernandes, o estabelecimento será notificado por descumprir a lei, e pode ser penalizado.
"O óbito ocorreu na rede privada. A amostra do paciente foi coletada e transportada por um laboratório privado e chegou ao Lacen no final do dia 1º de abril e, às 18h40min do dia 2, o resultado foi liberado no sistema. A notificação do caso é obrigatória a todas as entidades públicas e privadas", pontua o secretário.
Nésio Fernandes acrescenta: "O monitoramento dos casos confirmados compete à Vigilância em Saúde Municipal. No entanto, o estabelecimento privado omitiu a notificação do caso à autoridade. A Secretaria da Saúde ressalta que a omissão de comunicação de doença de notificação compulsória é crime passível de pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa conforme prevê o artigo 269 do Código Penal."
A responsabilidade de informar a morte e suas implicações aos familiares, ressalta Nésio Fernandes, é do hospital privado que atendeu ao paciente. "Para que as autoridades sanitárias municipais e estaduais realizem o bloqueio de transmissão e deem a resposta rápida, as notificações devem ser realizadas em tempo oportuno", argumenta.
Por isso, segundo o secretário, o Estado implantou nesta semana um sistema de notificação via web para registro dos casos suspeitos de Covid-19, permitindo acesso em tempo real pelas vigilâncias municipais, regionais e estaduais.
O sargento da Marinha, segundo informações da Vigilância Epidemiológica de Vila Velha, mudou-se havia pouco tempo para o município. Os primeiros sintomas apareceram em 23 de março, quando ainda morava em São Paulo. Chegou ao município no dia 26, e procurou o hospital particular no dia 30. Recebeu atendimento e foi liberado.
No dia seguinte, voltou à unidade, segundo a coordenadora Giovana Ramalho, já com o quadro agravado com sintomas respiratórios. Neste dia, o laboratório do hospital coletou o material ao desconfiar que pudesse se tratar de Covid-19, porém não fez a notificação compulsória.
Depois, o sargento foi transferido para um hospital na Serra, também particular, onde foi registrada a morte. Num primeiro momento, o secretário da Saúde informou que a unidade poderia ser notificada pela falta de comunicação ao paciente. Contudo, como o exame foi coletado no hospital de Vila Velha, Nésio Fernandes esclareceu que a responsabilidade caberia à unidade onde o sargento deu a primeira entrada, e vai notificá-lo.
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