O discurso de um coronel da Polícia Militar, defendendo melhores condições de salário para a tropa, gerou uma crise na cúpula da segurança estadual. A fala aconteceu na última quinta-feira (13), durante solenidade em comemoração ao aniversário de 30 anos de fundação do 7º Batalhão de Cariacica, e trouxe a lembrança da greve dos policiais, em fevereiro de 2017, motivada pela insatisfação salarial.
O autor do discurso foi o coronel José Augusto Picolli de Almeida, atual diretor de Comunicação da Polícia Militar. Ele foi indicado para ser o chefe do Estado Maior da corporação na próxima administração. Será o terceiro homem mais forte no comando da PM a partir de 2019, responsável por todas as ações estratégicas que envolvem a tropa. A ele, assim como ao subcomandante e ao comandante, vão se reportar todos os demais coronéis.
No evento, o coronel Augusto estava representando o atual comandante da PM, o coronel Alexandre Ramalho, que participava na ocasião de outra solenidade. Em sua fala ele pontuou que o maior patrimônio da PM não são os equipamentos e as viaturas. Na dia anterior a fala, na última quarta-feira (12) foram apresentadas as 40 novas Bases Comunitárias Móveis, com tecnologia de monitoramento, compradas e apresentadas pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp).
Destacou ainda que o maior patrimônio da Corporação, a partir de janeiro do próximo ano, quando assume a novo governador do Estado, Renato Casagrande, serão as pessoas e que a briga será pela valorização do policial. Disse ainda que é inadmissível um soldado ter um salário irrisório de R$ 2.400. Foi aplaudido pela tropa presente, que chegou a interrompê-lo em alguns momentos.
A preocupação com a repercussão do discurso junto à tropa foi demonstrada por diversos oficiais ouvidos pela reportagem, que temem que ela gere uma expectativa por reajuste salarial. O fato motivou até um encontro da cúpula da Segurança, que reuniu, na tarde desta sexta-feira (14), o governador Paulo Hartung, o secretário de Segurança Pública, coronel Nylton Rodrigues, e o comandante-geral da PM, coronel Alexandre Ramalho.
Na avaliação de Ramalho, a fala do coronel Augusto, que assumirá posição de destaque no comando da PM em 2019, só da uma indicação: "A impressão que nos passa é de que ela está alinhada com o futuro governo", ponderou, sem dar mais detalhes do que foi discutido.
SEM REAJUSTE
Mas o fato foi descartado pelo futuro comandante da corporação, coronel Moacir Leonardo Vieira Barreto Mendonça. Ele relatou que não estava presente no evento e garantiu que o discurso do coronel Augusto não tinha o seu aval. "Não há garantias de aumento em 2019. A expectativa real no futuro governo é de um tratamento com muito respeito, acompanhando o cenário econômico nacional e local para fazer uma gestão financeira com responsabilidade. O comando estará aberto ao diálogo respeitoso com a tropa, mas reajuste não há garantias".
Na avaliação dele as afirmações do coronel Augusto não reacendem na tropa as lembranças da greve de 2017. "Houve lições, com tudo o que aconteceu, para todos, e acredito na maturidade, no entendimento e na união da tropa. E estamos projetando o futuro de um novo cenário de tratamento, de diálogo, porque isso é importante. Vamos abrir um canal de contato com as associações, com os policiais, visitar os batalhões. O próximo governo quer atuar com transparência e respeito. E na medida em que os cenários econômico e financeiro possibilitarem algo no futuro, o governo estará aberto a dialogar. Mas volto a afirmar, para 2019 não há garantias de reajuste", destacou.
O coronel Barreto fez ainda questão de assinalar que seria temerário, antes de assumir a gestão, o comando da PM fazer promessas que possam não ser cumpridas. "Nossa intenção é a melhor possível. Queremos trabalhar, promover a coesão do grupo, valorizar o trabalho policial no dia a dia", finalizou.
O coronel José Augusto Picolli foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o assunto.
ASSOCIAÇÕES
O futuro presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo (Clube dos Oficiais/Assomes), o coronel da reserva Marco Aurélio Capita, descarta a possibilidade de um novo movimento grevista. "Isto está descartado. A demonstração de insatisfação pode ser feita de várias formas. A busca de melhorias é feita com responsabilidade. Agora, insatisfação existe sim, mas será tratada com responsabilidade e contamos com a colaboração do futuro governador em manter o diálogo com a categoria", assinalou.
Ele assumirá a Assomes em meados de janeiro. Vai contar na sua gestão com o apoio de um dos conselheiros eleitos, o coronel Augusto Picolli. Na avaliação de Capita a necessidade de se investir em recursos humanos, na PM, é uma realidade. "Temos hoje o pior salário do país, mas o Estado não é o pior do país na questão orçamentária", pondera.
Ele adianta que irá buscar, junto ao comando da corporação, através do diálogo e de proposta viável para o orçamento, alternativas para a atual situação. "É uma situação constrangedora. Temos o pior salário do Brasil mas, em paralelo, temos um histórico de projetos tanto da PM quanto dos Bombeiros, que são referências nacionais", disse.
Já o atual presidente da Assomes, o tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, informou que desconhece o teor do discurso, mas assinala que o coronel Augusto é um oficial que compõe o alto comando da PM e que é preciso analisar os desdobramentos do seu discurso. "Ninguém quer o fevereiro de 2017 de novo, mas que o diálogo prevaleça e que as conquistas para a categoria aconteçam, sem prejudicar a sociedade e os policiais. Nos últimos três anos, a Associação sempre buscou a via do diálogo e do entendimento com o governo", ponderou.
O sargento Renato Martins, presidente da Associação de Cabos e Soldados (ACS), considera o discurso do coronel como "inteligente", no sentido de identificar o que é hoje a maior necessidade da tropa e que toca no aspecto motivacional. "Em relação ao desdobramentos deste discurso, minha leitura, pelo contato que tenho, é que os policiais capixabas tornaram-se céticos, insensíveis a discursos", destacou.
Para o sargento, somente medidas efetivas vão ser vistas com segurança. É claro que o aumento representaria algo indescritível na atual conjuntura, visto que desde 2008 passamos por sucessivos desgastes em nossa renda, mas asseguro que o aumento, se não for precedido de anistia para os militares, não vai atingir o escopo que tal reconhecimento promove em qualquer setor", pondera.
Ele relata que a PM vive hoje um conflito interno: de um lado policiais que se defendem e de outro, policiais encarregados de procedimentos de acusação, o que tem gerado profunda desmotivação e que só se reverterá, avalia, a partir de um processo de anistia. "Não temos outro caminho para melhorar a segurança pública no tocante a PM a não ser pela anistia, que voltaria a motivar-se. Todas as quintas, dia de publicação de boletim interno, policiais de todo o estado ficam angustiados por não saberem se vai ser publicado a sua exclusão ou seu processo demissionário, o que não colabora com a motivação e moral da tropa capixaba", assinala Martins.
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