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Dondoni tem prisão decretada após condenação pelo Tribunal do Júri

Dondoni tem prisão decretada após condenação pelo Tribunal do Júri

Júri popular que definiu o futuro do empresário acusado de destruir uma família ao dirigir embriagado teve início na manhã desta segunda-feira (5); a sentença saiu às 0h15 desta terça

Publicado em 6 de novembro de 2018 às 10:42

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Dondoni não compareceu ao julgamento. (Marcelo Prest)

Após ser condenado a 24 anos e 11 meses de prisão, em regime fechado, o empresário Wagner José Dondoni de Oliveira teve a prisão decretada pelo juiz presidente do Tribunal do Júri Romilton Alves Vieira Júnior. 

"Pelo exposto, decreto a prisão do acusado Wagner José Dondoni, ostentando natureza de execução provisória da pena de prisão em razão da condenação pelo Tribunal do Júri, determinando, assim, que o réu condenado, após ser devidamente preso, se recolha à prisão, onde deverá permanecer se pretender recorrer. O réu, após devidamente preso, deverá ser conduzido à Unidade Prisional competente a fim de cumprir a prisão decorrente da condenação pelo Tribunal do Júri, com os alertas às autoridades que deverão adotar todas as providências para a segurança do réu", diz a sentença do juiz Romilton Alves .

A CONDENAÇÃO

A condenação de Dondoni foi anunciada dez anos após a tragédia na BR 101, em Viana, que destruiu a família do cabeleireiro Ronaldo Andrade. Ele, que é o único sobrevivente do carro atingido pelo empresário, perdeu a esposa Maria Sueli Costa Miranda, e os dois filhos, Rafael Scalfoni Andrade e Ronald Costa Andrade.

Dondoni não compareceu à audiência, que durou quase 15 horas no Fórum de Viana, e foi condenado pela maioria dos votos, mas pode recorrer da decisão. Ele deve responder pelos crimes de homicídio consumado, por ter causado a morte de Maria Sueli, e os filhos Rafael e Ronald, tentativa de homicídio, por Ronaldo Andrade, e uso de documentação falsa.

O promotor do Ministério Público do Espírito (MPES) Fábio Langa Dias explicou que a condenação do juiz apontou dolo eventual, quando o acusado não tem a intenção de cometer o crime. “Foi muito argumentado aqui que ele não queria praticar o crime, mas o comportamento dele desde a saída de Guarapari, até o desfecho do acidente é um comportamento de assumir os riscos de morte”, disse.

O promotor informou ainda que vai recorrer da pena porque acredita que a pena deveria ser maior. Fábio afirmou que o mandado de prisão deve ser expedido ainda nesta terça-feira (6) e Dondoni pode ser preso a qualquer momento.

Já sobre a possibilidade de recorrer a favor de Dondoni, o advogado do empresário, Rogério Pires Thomaz, disse que ainda avaliaria a situação. “Tenho que conversar com a família de Dondoni e ver o que faremos, mas possivelmente terá apelação da sentença.”

Emocionado, Ronaldo comemorou a decisão da Justiça. "Sempre acreditei na Justiça e ela foi feita. Agora eu vou começar a viver o tempo que eu fiquei parado".

VÍDEO

O DIA DO JÚRI

Fórum de Viana

O julgamento de Wagner José Dondoni de Oliveira teve início às 9h51 desta segunda-feira (5), no Fórum de Viana. A audiência foi fechada por determinação do juiz Romilton Alves Vieira Júnior, que conduziu o caso. Ele determinou que o cartório separasse 15 cadeiras para familiares da vítima e 15 cadeiras para familiares do réu, junto ao Plenário, identificando-as. Também proibiu filmagem, fotografia, gravação e uso de telefone celular ou similares no Plenário, nem mesmo pela imprensa, durante o julgamento. Por último, foi solicitado ainda reforço policial.

Ausência de Dondoni

Dondoni, que estava previsto para sentar no banco de réus, no Fórum de Viana, não compareceu ao julgamento que acontecia desde a manhã desta segunda-feira (5). De acordo com a defesa, o acusado se sentiu ameaçado e por isso não compareceu ao fórum.

Dondoni é acusado pela Justiça de ter causado o acidente. (Gustavo Louzada/Arquivo A Gazeta )

O QUE DIZ A LEI?

A ausência do acusado no júri popular causou estranheza em alguns dos presentes. Mas, afinal: é um direito ou não do acusado ausentar-se? O Gazeta Online conversou com o advogado Ludgero Liberato, que é mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua nas áreas criminais e eleitorais Ele explica um pouco mais sobre o tema.

AUSENTAR-SE É UM DIREITO?

De acordo com Ludgero, sim. Havia um artigo do Código de Processo Penal que permitia a condição coercitiva do acusado. Em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal declarou que este artigo é incompatível com a Constituição Federal e ficou decidido de que qualquer réu ou acusado tem o direito de não comparecer à audiência como forma de defesa. O plenário, então, declarou a impossibilidade da condição coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, ou seja, qualquer réu tem o direito de silêncio como forma de defesa.

Os depoimentos

 O sobrevivente 

Ronaldo Andrade, que é o único sobrevivente do acidente que matou a esposa e os dois filhos, foi o primeiro a depor no julgamento de Wagner. Bastante emocionado, Ronaldo prestou depoimento por cerca de 50 minutos. Em alguns momentos, ele não conseguiu falar. Além de toda a tragédia, Ronaldo contou que os pais morreram logo após o acidente, de tristeza pela perda dos netos.

Ronaldo também comentou sobre a ausência de Dondoni ao próprio julgamento. Para ele, faltou coragem do empresário. "Não adianta ele tentar fugir da responsabilidade, não tem salvação para ele", afirmou.

Ronaldo Andrade durante julgamento no Fórum de Viana. (Ricardo Medeiros)

 Fabiano Contarato 

O senador eleito pelo Estado, à época delegado que presidiu o inquérito da Polícia Civil sobre o caso, Fabiano Contarato falou sobre a prisão de Dondoni à Justiça. Segundo Contarato, Dondoni se recusou a fazer o teste do bafômetro, mas fez o teste no Departamento Médico Legal (DML) e estava acima do limite. Fabiano ainda afirmou que, na época do acidente, Dondoni usava uma carteira de identidade falsa.

 Policial rodoviário federal 

Walber Soares de Oliveira foi o primeiro policial rodoviário federal a prestar depoimento. Na época do acidente, ele atuava no Posto de Guarapari. À Justiça, o policial contou que a equipe foi acionada por populares, que informaram sobre um carro ziguezagueando na pista, com sinais de embriaguez.

Quando chegaram ao Posto Tigrão, os socorristas relataram à PRF que Dondoni havia seguido viagem. Em Seringal, eles encontraram um carro capotado e o motorista chegou a dizer que o acidente tinha sido provocado pela S10, carro do acusado. O policial ainda disse que Dondoni tinha visíveis sinais de embriaguez, mas se recusou a fazer o teste do bafômetro.

O policial rodoviário federal Luiz Carlos Dias Quintela também foi ouvido pela Justiça. Ele foi o primeiro a chegar no local do acidente. Em depoimento, ele contou que Wagner estava em pé ao lado da S10. "Tinha um carro de popular parado e tirou a criança do carro e me entregou. Eu a levei para o Pronto Atendimento de Viana. Quando voltei a mulher tinha sido socorrido e Ronaldo teve que ser retirado pelos bombeiros", contou.

Luiz Carlos ainda disse em depoimento, que no carro de Dondoni havia uma garrada de vodka pela metade. Ele contou que o acusado estava com sinais de embriaguez e se recusou a fazer o teste do bafômetro, alegando que não faria prova contra si.

 Socorrista que viu Dondoni embriagado 

À Justiça, o socorrista Alison Rampinelli, que na época do acidente estava no Posto Tigrão, em Guarapari, relatou que presenciou Dondoni passando por cima do canteiro do posto. "Chegamos perto e vimos que ele não estava bem. Percebemos que ele estava com sinais de embriaguez e pedimos pra ele descansar".

Alison chegou a afirmar que Wagner deu ré no carro e foi ao hotel, mas depois foi embora pela contramão. "Avisamos à PRF, mas foi muito rápido. Logo em seguida recebemos a chamada do Corsa capotado e falaram que uma S10 causou o acidente". O socorrista ainda contou que enquanto atendia a ocorrência, recebeu a informação de uma grave acidente. "Quando chegamos lá, vimos que era a mesma S10. Tinha bebida caída no chão".

 Mãe de Dondoni teve piora na saúde ao saber de acidente 

Em depoimento, Rosana Piumbini, que é mãe de uma ex-namorada de Dondoni, afirmou que a mãe do acusado teve uma piora no estado de saúde após o acidente envolvendo o filho. A mulher ainda disse que a filha namorou por cerca de três meses com o acusado, mas não fazia nenhuma reclamação a respeito de Wagner. Rosana disse que conhecia Dondoni havia pelo menos 30 anos e afirmou que ele morava com o irmão e com a mãe.

 Família de Dondoni recebeu ameaças, diz amigo 

Leonardo Salvador Boldrini, que é vizinho e amigo de Dondoni, disse que após o acidente não teve mais contato com o acusado. Ele afirmou que Wagner gostava de frequentar boate, mas nunca viu ele bebendo. Em depoimento, Leonardo contou que o acusado quem sustentava a família. "Ele era representante comercial. Tinha casa boa, carros bons. Ele devia ser um bom vendedor". 

O irmão de Leonardo, Fernando Salvador Boldrini, que também era amigo de Dondoni há 30 anos, afirmou que nunca viu o acusado bebendo. À Justiça, Fernando afirmou que o padrão de vida de Wagner mudou após o acidente e que a família do acusado recebeu ameaças.

Alegações finais do Ministério Público

Na alegações finais do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), como prova, o promotor Fábio Langa Dias apresentou laudos cadavéricos e de lesões de Ronaldo Andrade, único sobrevivente do acidente. Bastante emocionado, Ronaldo chorou durante apresentação dos vídeos que mostravam o acidente e o enterro dos filhos. Ele chegou a tapar o rosto para não ver as cenas. Vera, que é mãe de uma das crianças, também ficou bastante abalada com as imagens.

O promotor ainda mostrou à Justiça a carteira de identidade falsa, com alteração na data de nascimento do acusado. Fábio afirmou que seis pessoas que foram ouvidas relataram que, próximo à entrada de Xuri, viram Dondoni em alta velocidade. "Não há controvérsia sobre a embriaguez do réu. O acusado estava embriagado dez horas após acidente. Garrafas foram encontradas no veículo".

O MPES acusa Dondoni de ter cometido pelo menos cinco crimes, sendo três homicídios consumados, além de homicídio tentado contra Ronaldo e uso de documento falso. "Não há nenhuma dúvida sobre a autoria dos crimes. Não há como negar que ele seja o autor dos crimes", disse Fábio. O promotor ainda defendeu que a pena de Wagner deveria ser aumentada pela prática de crime contra duas crianças menores de 14 anos.

O representante do MP ainda afirmou que a acusação não é somente pela embriaguez, mas pelo conjunto de fatores que causou o acidente. "No Posto Tigrão, com quatro entradas, quase bateu nos socorristas. E entra o terceiro fator, quando o socorrista faz o alerta de que ele não estava em condições de dirigir. Ele não aceita o conselho, pega o seu carro e sai na contramão. E só pegou a sua mão de direção quando se depara com uma carreta. O comportamento dele mostra que assumiu o risco, mostra indiferença com a vida humana e segue viagem. Em xuri provoca o primeiro acidente, quinto fator ao não socorrer as vítimas. E segue até atingir Ronaldo", disse.

Alegações finais da defesa

Ao dar início à defesa de Dondoni, o advogado Rogério Pires Thomaz pediu para que o júri popular 'abrisse o coração' ao julgar o acusado. "Ao verem a foto das crianças mortas, corta o coração, é forte. Mas não estamos aqui julgando tristeza causada pela tragédia. Só peço atenção que vou mostrar o contrário. Não existe um conjunto de provas que comprovem o dolo".

O advogado ainda alegou que Fabiano Contarato, que presidiu o inquérito da Polícia Civil sobre o caso, teria 'contaminado' o inquérito com 'a sua visão de vida'. Ele ainda pediu para que os jurados não sejam 'contaminados' e que não pensem na opinião pública. "Não julguem na expectativa do cidadão". A defesa 

Reta final do julgamento

Após a defesa do advogado de Dondoni, houve um intervalo de 20 minutos no julgamento. Às 20h40, o promotor do MP deu início à réplica, fez acusações a Wagner e alegou que a defesa do acusado tentou destruir a participação de Dondoni no primeiro acidente.

"O que incomoda é a impunidade. Dondoni não é um vítima. A mãe dele está viva. E os filhos do Ronaldo? A mãe de Dondoni está com os filhos. E Ronaldo? Dizer que o acusado é vítima? Como? O que se tem é sede de Justiça. Hoje Ronaldo vai poder dormir. Nada vai reparar. Tenho certeza que ele preferia ter morrido a viver sem a esposa e os filhos", disse o promotor.

Por volta das 21h35, o advogado de Dondoni realizou a tréplica e afirmou que o MP não tem provas suficientes no processo, além de dizer que não sabe se a documentação da boate seria confiável. "Esse rapaz (Dondoni) não é um monstro. Parece que defender ausência de prova nesse processo é indiferença ao sofrimento alheio", disse.

Rogério ainda disse que Wagner afirma que não viu o carro de Ronaldo. "Ele fala o tempo todo que o carro do Ronaldo invadiu a pista dele. Seria coerente ele afirmar isso e procurar a vítima? O Wagner também teve a vida dele destroçada", disse.

Às 22h35, os jurados se reuniram com o juiz, antes de determinarem a sentença de Dondoni. Às 0h15, o juiz condenou Dondoni a 24 anos e 11 meses de prisão.

Ronaldo comemorou a decisão da Justiça. (Ricardo Medeiros)

O ACIDENTE

O anúncio de que Dondoni finalmente seria julgado saiu dez anos após a tragédia, já que o último recurso por ele apresentado não foi aceito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas a marcação da data em que deveria ocorrer o júri popular teve novos capítulos, quando oito juízes da Comarca de Viana se declaram impedidos de julgar o caso. O TJES teve que designar um juiz para assumir o caso.

Motorista embriagado em uma S10 atingiu um Fiat Uno e matou três pessoas. (Gustavo Louzada/Arquivo A Gazeta )

O último recurso feito por Dondoni foi destinado ao STJ e já transitou em julgado - quando não há mais recursos a serem feitos -, no dia 7 do mês de junho. 

No dia 20 de abril, a família de Ronaldo Andrade, 35, seguia para Guaçuí, no Sul do Espírito Santo. No carro estavam a esposa, Maria Sueli Costa Miranda, 29, e os filhos Rafael Scalfoni Andrade, 14, e Ronald Costa Andrade, 4 anos. Na altura do quilômetro 304, próximo ao posto Flecha, em Viana, o carro em que viajavam, um Fiat Uno, guiado por Ronaldo, foi atingido pela S10 de Dondoni. Rafael morreu no local. Ronald, horas após ser socorrido. E a mãe, três dias depois. Ronaldo ficou muito machucado. Dez horas após o acidente, Dondoni foi submetido ao teste etílico, que apontou 6,7 decigramas de álcool por litro de sangue. 

Dez quilômetros antes do acidente que matou três pessoas, Dondoni já havia provocado outra ocorrência, ao jogar a S10 contra o carro de uma família de turistas na altura de Seringal, que teve que desviar e acabou capotando. Ele fugiu do local sem prestar socorro. Um pouco antes, ele havia entrado descontrolado em um posto de gasolina, em Guarapari, e quase colidiu contra uma ambulância. Chegou a ser alertado pelos socorristas a não seguir viagem. No dia do acidente que matou a família, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já tinha sido acionada sobre um motorista que estava 'ziquezagueando' pela pista, mas não chegou a tempo de impedir a tragédia.

Ronaldo, único sobrevivente do Fiat Uno, durante velório dos filhos. (Nestor Müller | Arquivo | A Gazeta)

O acidente

A caminhonete S10 guiada por Wagner Dondoni e o Fiat Uno dirigido por Ronaldo Andrade colidiram por volta das 7 horas do dia 20 de abril de 2008, no km 304 da BR 101, próximo ao posto Flecha, em Viana.

As vítimas

A família de Ronaldo seguia para Guaçuí, no Sul do Estado. Seu filho, Rafael Scalfone Andrade, de 13 anos, morreu no local. O caçula, Ronald, 3 anos, morreu horas depois. A mulher do cabeleireiro, Maria Sueli Costa Miranda, 29, ainda ficou internada por três dias, mas não resistiu aos ferimentos.

Reprodução da foto da esposa e dos filhos de Ronaldo Andrade, que os perdeu em um acidente na BR 101, provocado por um motorista embriagado. (Arquivo A Gazeta)

Embriaguez

A embriaguez do empresário foi comprovada por meio de um exame feito com a coleta de sangue: o resultado foi 6,7 decigramas de álcool por litro de sangue. O teste foi realizado 10 horas após a colisão. Na hora do acidente, esse índice deveria ser ainda maior, já que estudos mostram que o corpo humano começa a eliminar o álcool depois de seis horas do consumo.

A prisão

Dondoni foi detido após o acidente e foi levado para o DPJ de Cariacica, mas foi liberado após pagar fiança de R$ 2,1 mil.

Liberdade

Em setembro de 2008, Dondoni saiu da cadeia. Meses depois, sem carteira de motorista, tentou retirar uma nova habilitação, em Minas Gerais, mas foi descoberto.

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