No sexto ano da concessão, quando pelo menos metade da BR 101 já deveria estar duplicada o que ainda não aconteceu , surge um novo impasse. O licenciamento ambiental para o chamado trecho norte, que vai da Serra a Pedro Canário, foi negado por afetar uma área de reserva biológica. Como sem ele não é possível realizar as obras, a concessionária terá que fazer alterações no projeto, que podem incluir até mudanças no trajeto da rodovia.
As dificuldades envolvem justamente o maior trecho a ser duplicado, com 262,4 quilômetros, dos quais 244,9 são somente no Espírito Santo. O restante fica em Mucuri, na Bahia.
O motivo do impasse está relacionado à Reserva Biológica (ReBio) de Sooretama, cuja área abrange quatro municípios: Jaguaré, Linhares, Vila Valério e Sooretama. Para fazer a duplicação será necessário retirar cerca de 20 metros de cada lado da rodovia, dentro da chamada faixa de domínio, nos 23 quilômetros em que a via a percorre.
As dificuldades decorrem de se tratar de uma área natural de Mata Atlântica, instituída com o objetivo de preservação integral de todos os seres vivos daquele ambiente e demais atributos naturais. Lá não é permitido interferência humana direta ou modificações ambientais, segundo a Lei 9.985, de 2000.
Ela figura na categoria de unidade de conservação, que é uma das modalidades mais restritivas. E segundo a mesma legislação, a redução dos limites deste tipo de unidade só é possível com lei específica. E quem por ela responde é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Partiu dele, segundo informou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a negativa para a duplicação do trecho norte, o que impede a liberação do licenciamento ambiental. O ICMBio foi consultado sobre o trecho que atravessa a Reserva Biológica de Sooretama e se manifestou contrário à duplicação, informou por nota.
O processo de licenciamento do trecho norte teve início no ano de 2014, segundo o Ibama. A concessionária Eco101, responsável pela administração da via, disse que só foi informada no ano passado da negativa do ICMBio em autorizar quaisquer intervenções em trechos que estariam contemplados pela reserva.
MUDANÇAS
Diante disso, a empresa questionou ao Ibama sobre o que seria necessário para viabilizar o licenciamento. No dia 27 de dezembro do ano passado, veio a resposta. Além de informar não poder fragmentar o licenciamento prévio, o Ibama declarou não haver possibilidade em prosseguir com o processo sem a anuência do ICMBio e solicitou alterações no projeto, informou a empresa, por nota, ao explicar que não foi liberado nem mesmo o licenciamento em trechos por cidade.
De acordo com a Eco101, alternativas foram apresentadas ao Ibama para resolver o impasse já no estudo e no relatório de impacto ambiental (EIA/Rima), entregue em fevereiro de 2017, e reafirmado em abril deste ano (saiba os detalhes abaixo).
Outro caminho considerado é a apresentação de um projeto de lei no Congresso Nacional para mudar a legislação federal, permitindo a desafetação (desfazer o vínculo de pertencimento ao ICMBio) da propriedade da reserva, segundo o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Rodrigo Lacerda. A informação foi passada durante depoimentos prestado em audiência na Comissão Especial de Fiscalização da Concessão da BR101, da Assembleia Legislativa.
SAIBA MAIS
BR 101
Trecho Norte
Municípios
Serra, Fundão, Ibiraçu, João Neiva, Aracruz, Linhares, Sooretama, Jaguaré, São Mateus, Conceição da Barra, Pinheiros e Pedro Canário.
Acidentes
1.333
No trecho norte foram registrados 1.333 acidentes em 2018. Desses, 569 foram na Serra e 283 em Linhares. Em Sooretama, foram 62.
Mortes
No mesmo período, morreram 56 pessoas no trecho de um total de 101 na rodovia.
CONTORNO É OPÇÃO, MAS GERA IMPASSE
Dentre as propostas apresentadas pela concessionária Eco101 para obter o licenciamento ambiental do trecho norte negado por afetar a Reserva Biológica de Sooretama , está a implantação de contornos. Mas a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) considera a sugestão bastante ilógica, porque resultaria em aumento de pedágio.
Já entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à ANTT, duas das alternativas mudam o traçado original da rodovia, dando a volta na área verde ou pelo lado do litoral, ou contornando pelo lado do continente, sendo este último o maior percurso. O menor deles, segundo a empresa, aumentaria o trajeto da viagem em 60 quilômetros.
Na avaliação da ANTT, o custo inviabilizaria a obra. A solução do contorno seria bastante ilógica, pois aumentaria o percurso da rodovia em aproximadamente 60 quilômetros além da elevação do custo das obras, devendo, nesse caso, ser objeto de reequilíbrio contratual (provável reajuste da tarifa de pedágio), informou por nota a Agência.
Outra sugestões envolvem manter o traçado original da rodovia. Neste caso a duplicação poderia ser feita totalmente pelo lado direito ou pelo esquerdo. Outra forma seria duplicar de cada lado da via atual. Todas as opções implicam em retirada da mata.
Há ainda uma outra defesa que vem sendo feita pela concessionária, mantendo a duplicação no leito original da BR 101. O argumento é o de que a rodovia e sua faixa de domínio não estão atreladas à reserva e que o decreto que criou a última admite a coexistência entre a reserva e rodovia.
Tentam assim provar que a realização das atividades sobre o leito da pista existente é possível. É a solução técnico-jurídica encontrada a partir da análise da legislação cabível e do decreto de criação da reserva (1982), posterior à existência da rodovia, cujo interesse público não foi afastado com a criação da reserva, informou a Eco101.
O argumento é endossado pela ANTT, que informou que, junto com a empresa, continuam trabalhando com a proposta de duplicação do trecho onde atualmente está implementado.
A Agência acrescentou que têm feito esforços, para ultrapassar o desafio do licenciamento desde o início da concessão. E que, nas três últimas reuniões, tem reiterado a necessidade de que a análise seja feita com base no traçado original da via. Nessa última reunião (no mês passado), após diversas tratativas, a concessionária e ANTT reiteraram que a rodovia nunca pertenceu à reserva biológica, não cabendo portanto o impedimento para realização das obras de duplicação, solicitando o prosseguimento da análise do processo administrativo, informou em nota.
COM LICENCIAMENTO, SUL DO ESTADO SÓ TEM 10,3 QUILÔMETROS DUPLICADOS
Desde maio de 2017 que o trecho sul da BR 101, que vai de Viana a Mimoso do Sul, conta com o licenciamento ambiental para a realização das obras. Até o momento, só foram duplicados o Contorno de Iconha (7,8 quilômetros) e um trecho em Anchieta (2,5 quilômetros) dos quase 170 quilômetros que precisam ser duplicados na região até o sexto ano da concessão. Ou seja, somente 10,3 quilômetros.
O processo de licenciamento deste trecho teve início em 2011, quando a rodovia ainda estava sob a administração do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Acabou sendo assumido pela concessionária Eco101 em 2013, após a assinatura do contrato.
Segundo a empresa, ao contrário do que afirmou o Ibama em nota, a liberação para as obras neste trecho só ocorreu no ano passado. A liberação pelo Ibama só saiu em março de 2018, disse.
Após o licenciamento ser concedido, a concessionária deu início às obras no trecho entre os municípios de Viana e Guarapari (km 305 ao km 335), que atualmente estão em andamento. Com previsão de conclusão para o final deste ano, acrescentou a Eco101 em nota.
A empresa disse que antes da liberação do licenciamento já havia pedido ao Ibama, entre maio de 2013 e abril de 2014, licenciamentos simplificados, que permitiram a realização de obras em pequenos trechos. Foi assim que conseguiu duplicar áreas em João Neiva e Ibiraçu, no Norte, e Anchieta, no Sul.
Em agosto de 2016, a Eco101 recebeu a liberação para início das obras no Contorno de Iconha. Iniciada em setembro do mesmo ano e concluída em fevereiro de 2019, totalizando 17,4 quilômetros duplicados ao longo da BR 101, informou.
ÁREA É PROTEGIDA DESDE 1969
O decreto de criação da Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama área de preservação pela qual está impedido a licenciamento no trecho norte da BR 101 no Estado data de 1982. Mas segundo Aureo Banhos, biólogo, doutor em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva e professor associado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a criação da unidade com esta característica de proteção integral é ainda mais antiga, data de 1969. Quarenta e cinco anos depois foi feito o leilão de concessão da BR 101, em 2012.
Na época (1969), explica o professor, os registros eram feitos por meio de portarias. Prova disso é o Plano de Manejo da Rebio, que estabelece os objetivos da unidade de conservação e o seu zoneamento, com data de 1981, um ano antes do decreto.
De acordo com Banhos, a própria construção da BR 101, iniciada no Sudeste nos anos de 1950, foi feita à revelia da legislação ambiental, por ser tratar de uma área que era protegida pelo Código Florestal da época. Anos mais tarde, quando foi feito o termo de referência para os estudos de impacto ambiental (Eia/Rima) para o projeto de duplicação da rodovia, não estavam incluídas as avaliações das unidades de conservação, relatou, observando ainda que o trecho da rodovia que corta a Rebio foi construído em 1960.
FORA
Ele se refere aos estudos que antecederam o projeto para o leilão de concessão da rodovia, realizado em 2012. E que não incluía a principal Unidade de Conservação do Estado, a Rebio de Sooretama.
O professor reconhece que a rodovia é um vetor de desenvolvimento socioeconômico. Mas destaca que, em paralelo, é ainda as estradas são uma das maiores causas no mundo de perda biodiversidade de forma direta e indireta. A rodovia provoca uma alta mortandade de fauna por atropelamentos, atingindo animais de pequeno, médio e grande porte, de hábitos terrícolas (que vivem no solo), arborícolas (que habitam árvores) e voadores, destaca.
Segundo Banhos, a rodovia funciona também como barreira física para o movimento desses animais, impedindo o acesso a comida e parceiros sexuais, por exemplo, isolando as populações e impedindo o fluxo genético. A limitação na movimentação dos animais acarreta limitação na dispersão de sementes e polinização de plantas, diz sobre alguns dos vários problemas já identificados.
Observa ainda que a rodovia leva a uma perda de habitat maior do que apenas a área coberta pela própria estrada, pois promove perda de qualidade da floresta a partir da borda da estrada. Ocorre devido à incidência maior de luz solar, calor, poluição sonora, do ar, do solo e da água. Além do que vem pelas vias de escoamento de águas pluviais, como os contaminantes tóxicos como metais pesados dos automóveis e que causam danos a vida silvestre.
Em 1999, relata Banhos, a Rebio de Sooretama e a vizinha Reserva Nacional da Vale (RNV) foram destacadas como parte das Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, que vai do Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo. Foram declaradas como Patrimônio Natural Mundial da Humanidade pela Unesco.
Ele destaca que a área está entre as mais ricas em biodiversidade do mundo e é uma das poucas que ainda possui exemplares na Mata Atlântica de grandes animais, como a onça-pintada, a anta, o tatu-canastra e o gavião-real, e árvores majestosas como o jequitibá-rosa. Está ainda entre as que guardam maior número de espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção no Brasil. Área que presta relevantes serviços ecológicos em nível regional e global, principalmente na manutenção do clima, pontua.
A RESERVA DE SOORETAMA
Criação
Proposta
Surge com o esforço do naturalista e pesquisador Álvaro Aguirre, servidor público da antiga Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura. Em 1942, Aguirre foi designado para realizar um estudo sobre a criação de uma reserva de animais silvestres no Espírito Santo, em uma área doada pelo governo federal ao Estado. Ele se preocupava com o processo de uso e ocupação do solo no Norte do Estado, já na época.
Processo legal
1941 - Criada a Reserva Florestal de Barra Seca, pelo Estado.
1943 - Criado o Parque de Reserva, Refúgio e Criação de Animais Silvestres Sooretama, pelo governo federal, em uma área doada pelo governo do Estado, adjacente à Reserva Florestal de Barra Seca.
1955 - O Estado doou ao governo federal a Reserva Florestal de Barra Seca.
1969 - O Parque de Reserva, Refúgio e Criação de Animais Silvestres Sooretama foi denominado como Reserva Biológica de Sooretama.
1971 - A área da Rebio de Sooretama foi ampliada, com a anexação da Reserva Florestal de Barra Seca.
1981 - O Plano de Manejo da Rebio de Sooretama foi elaborado.
1982 - Decreto delimita área da Rebio de Sooretama.
2015 - Foram estabelecidos os novos limites para a Zona de Amortecimento (entorno de unidade de preservação, sujeito à normas específicas) da Rebio de Sooretama.
Importância
Tamanho
A Rebio de Sooretama possui 27.858,68 hectares. (são 27 mil campos de futebol no padrão Fifa). É a mais antiga área protegida no Estado e é uma das maiores Unidades de Conservação de proteção integral na Floresta de Tabuleiro da Mata Atlântica.
Localização
A Rebio de Sooretama abrange os municípios de Jaguaré, Linhares, Sooretama e Vila Valério, mas a maior parte está em Sooretama. Cerca de 40% da área do município faz parte da Rebio.
Patrimônio Mundial
Em 1999, a Rebio de Sooretama e a Reserva Nacional da Vale (RNV) foram destacadas como parte das Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, do Sul da Bahia e Norte do Estado, e declaradas Patrimônio Natural Mundial da Humanidade pela Unesco.
Extensão
As Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento possuem aproximadamente 112 mil hectares, sendo que as duas reservas capixabas compõem cerca de 44% da área e a outra parte (56%) é composta por seis reservas baianas.
BR 101
Construção
As informações são de que no Sudeste as obras foram iniciadas nos anos de 1950. Segundo o professor Aureo Banhos, o trecho que corta a Rebio de Sooretama foi feito nos anos de 1960.
Fonte: Informações do professor Aureo Banhos
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