Com a proposta de facilitar o acesso à educação superior para aqueles que têm dificuldades de conciliar os estudos com sua rotina, a modalidade de Educação a Distância (EAD) está crescendo a passos largos no país. Passou de 843 mil ingressantes em 2016 para 1,073 milhão no ano seguinte, um aumento de mais de 27%. No Estado, o ritmo de crescimento também é forte e está perto dos 26%. E a área que puxa para cima parte dessa oferta é a de formação de professores.
Diante desse cenário, a organização Todos pela Educação fez um estudo para avaliar se o elevado número de cursos a distância levaria a uma queda na qualidade da preparação dos futuros educadores. O resultado aponta que, nas avaliações do Ministério da Educação (MEC) após a conclusão da faculdade, o desempenho daqueles que fizeram EAD tem sido pior do que dos formados presencialmente.
Entre os que concluíram o curso a distância, 75% estão abaixo da pontuação 50 no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), em uma escala de 0 a 100. Esse índice é de 65% em relação aos concluintes de cursos presenciais.
O estudo revela também que, seis em cada 10 alunos no país que começaram cursos de graduação voltados à formação de professores em 2017 (Pedagogia e Licenciaturas) estavam na EAD, proporção duas vezes maior do que nas demais áreas do ensino superior.
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A pesquisa usou como base informações do Censo da Educação Superior, do Enade, e do Conceito Preliminar de Curso (CPC), que são coletadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo MEC.
FECHAMENTO DE VAGAS
Coordenador de projetos do Todos pela Educação, Ivan Gontijo observa que o crescimento exponencial de EAD na formação de professores se deve a três fatores: aumento na demanda, principalmente por pedagogos, com a exigência de universalização da oferta de ensino para crianças de 4 e 5 anos; fechamento de 40 mil vagas presenciais entre 2010 e 2017; e uma percepção mercadológica de faculdades de que é mais lucrativo formar a distância.
Em média, o custo é três vezes menor do que o presencial e ainda é possível colocar maior número de alunos para estudar, uma vez que não há limite físico de sala, pontua.
Gontijo ressalta que o estudo não visa desqualificar a EAD, porque em alguns contextos não é mesmo possível fazer a formação presencial, mas ele lamenta que o que deveria ser exceção tenha virado regra.
Na avaliação do especialista, e com base no resultado do estudo, o país está seguindo na contramão de outras experiências bem-sucedidas porque, para formar bons professores, são necessários estágios supervisionados, trabalho colaborativo entre eles, exercitar na sala de aula.
Apesar de o resultado ser pior entre os formandos de EAD, Gontijo admite que a formação presencial também não é de excelência. O principal desafio de ambos é a falta de prática. Nas aulas, os alunos só ouvem ou leem textos. É difícil ser um grande professor só assistindo vídeos de como se dar aulas. Ao expandir a EAD, só se aprofunda esse problema em vez de resolvê-lo, conclui.
RAIO X DO EAD
No Estado
Em 2016, 15.823 alunos ingressaram em curso de EAD. Desses, apenas dois foram na rede pública;
No ano seguinte, que reúne os dados mais recentes da educação superior, o ingresso em cursos a distância saltou para 19.896, crescimento de 25,7%. Assim como em 2016, o maior volume de alunos também era na rede privada: 95,2%
No Brasil
O ingresso em cursos voltados à docência cresceu de 443,3 mil para 638,3 mil entre 2010 e 2017, um incremento de 44%. No total de ingressantes, o aumento se dá especialmente na rede privada, modalidade EAD, que foi de 128,5 mil para 336,1 mil no período - um crescimento de 162%.
A EAD na rede privada já corresponde a 53% dos ingressantes nas graduações voltadas à docência. Em 2010, era 29%.
Considerando as duas redes - privada e pública - 61% de quem entra em curso superior voltado à formação de professores estão na modalidade EAD. Em 2010, eram 34%. Para os demais cursos, o índice é de 27%.
Pelas avaliações do MEC, há menor concentração de cursos EAD nas faixas com as maiores notas de desempenho.
Ao concluir o curso, a avaliação de desempenho de alunos EAD é pior do que a de cursos presenciais
No mundo
Nos países de maior desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), a formação inicial é feita com vivências práticas como elemento central.
O foco dos cursos visa garantir que o futuro professor não só tenha embasamento teórico, mas que esteja em salas de aula reais desde o início do curso.
No Chile, país da América Latina com melhor desempenho no Pisa, é proibido EAD na formação inicial dos professores. No Peru, país que avança mais rapidamente na avaliação internacional, novos cursos a distância serão vetados a partir de 2020.
Austrália, Canadá e Estados Unidos permitem a EAD para formar professores, mas não na dimensão do Brasil. Austrália, com maior percentual de matrículas EAD, tem apenas 25% e a carga horária dos estágios deve ser cumprida em escolas específicas e existem processos de certificação.
Rede pública apresenta bons resultados
Apesar de críticas à modalidade de ensino para a formação de professores, cursos de Educação a Distância (EAD) na rede pública, oferecidos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), têm sido bem avaliados. Alguns, até melhores do que no modo presencial.
A professora Mariella Berger Andrade, diretora do Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância (Cefor) do Ifes, diz que há uma preocupação permanente com a qualidade da oferta, que começa com a preparação dos que vão dar aulas a distância. No instituto, há dois cursos na modalidade: licenciatura em Letras-Português e em Informática. Ambos receberam nota 4 na avaliação mais recente do Ministério da Educação (MEC), numa escala que vai até cinco.
Mariella aponta que, um dos diferenciais da oferta no Ifes, é que o professor de EAD atua também em curso presencial correspondente. A gente dá uma formação para trabalharem na modalidade a distância, utilizando tecnologias educacionais diferentes, com mídias diversificadas, e garantir um bom aprendizado.
O professor Júlio Francelino Ferreira Filho, diretor acadêmico da Superintendência de Educação a Distância (Sead) da Ufes e coordenador adjunto da Universidade Aberta do Brasil (UAB), destaca que todos os cursos não-presenciais são bem avaliados pelo MEC. Recentemente, dois deles tiveram até nota maior - Filosofia e Educação Física - do que os presenciais. A UAB é um programa do MEC, ao qual a Ufes aderiu desde 2006, para a oferta de cursos na modalidade a distância e abertos. Ao todo, são 136 unidades de ensino superior (federais e estaduais) vinculadas e que podem fazer oferta nos polos pelo país.
Assim como no Ifes, os cursos oferecidos a distância nos 27 polos da universidade também têm correspondente no presencial para a formação de educadores. Além disso, a Ufes tem professor tutor para dar assistência aos alunos que estudam fora do espaço universitário. Se tiverem dificuldades, o professor tem horários para atendimento.
Para ele, um conjunto de fatores contribui para a desqualificação da modalidade, sobretudo pelo forte teor mercantilista. Julio Francelino lembra que, recentemente, o Congresso Nacional aprovou mudança na legislação permitindo que uma instituição de ensino superior ofereça EAD sem ter o mesmo curso na modalidade presencial.
O secretário estadual da Educação, Vitor de Angelo, disse, em nota, que não há elementos para individualizar por professor o seu desempenho e associar, por meio dessa individualização, uma performance ruim com a formação em EAD.
Política de financiamento é apontada como problema
O fenômeno que aponta para o crescimento acelerado na oferta de Educação a Distância (EAD) é considerado, entre outras razões, reflexo da falta de política pública adequada de financiamento no país.
A avaliação é da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). Segundo o diretor-executivo da entidade, Sólon Caldas, mudanças recentes no Fies fizeram com que muitas pessoas deixassem de ingressar em curso superior, ou tivessem dificuldades para se manter. Uma opção foi se voltar para o ensino a distância, que tem custo mais baixo.
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No último censo, de 2017, a EAD teve incremento de 17,6% e o presencial caiu 0,4%, aponta Caldas. Para o levantamento de 2018, ainda não concluído, ele estima que a situação vai se agravar.
O presencial depende de financiamento público. O governo tentou fazer um modelo que transferia a responsabilidade do Estado para bancos privados, e não funcionou. Da parte pública, ofertou 100 mil vagas, mas fez tantas restrições que todo ano sobra um monte de vagas e a conta não está fechando, ressalta.
Se o ritmo de crescimento se mantiver, o diretor da Abmes projeta que, a partir de 2023, o país já contará com mais cursos a distância do que presenciais.
Mas, apesar das críticas ao modelo de financiamento estudantil que levou a um aumento da oferta de EAD, Caldas sustenta que não há problemas com a qualidade dos cursos a distância na rede privada, tanto porque o setor de educação superior é um dos mais regulamentados do país, quanto pelo fato de haver grande dedicação dos estudantes.
Foi essa facilidade que levou Filiane de Araújo Corrêa, 40 anos, a voltar a estudar. Ela trabalhava na área de Educação como auxiliar de escola, mas sempre desejou fazer Pedagogia. Recentemente, conseguiu conciliar trabalho, estudos e cuidados com o filho e, agora, está nos preparativos da formatura.
Eu aprendi sim na EAD. Quando a pessoa tem foco e realmente quer aprender, não importa se o curso é a distância ou presencial, valoriza.
ANÁLISE
A modalidade de Educação a Distância (EAD) cumpre um papel importante de dar oportunidade, principalmente àqueles alunos que tinham deixado de estudar, já estão inseridos no mercado e precisam de outros tempos e rotinas de estudo.
Mas a EAD não pode ser transformada em plataforma digital, um monte de módulos e pouco espaço de interatividade, de mediação pedagógica. Só uma série de apostilas e textos. A EAD funciona quando tem bom aparato para as tutorias, boa plataforma que oportunize diferentes meios de interatividade.
Um bom ensino a distância tem que ter, inclusive, profissionais habilitados para atuar nessa modalidade. É preciso conhecer uma série de ferramentas para fazer uma mediação qualificada.
Optar por sistemas apostilados, com teorizações já prontas, mediadas só por tecnologia sem investimento no profissional, fragiliza o processo de formação do professor."
Cleonara Schwartz, doutora em Educação e professora da Ufes
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