Faltar ou afastar-se do trabalho por motivos de doença é direito do trabalhador. Mas, quando atestados médicos são forjados para garantir mais dias de folga, a questão pode não só acabar em demissão, como também virar alvo da polícia. Ainda assim, das 100 mil declarações entregues por mês às empresas do Espírito Santo, cerca de 30 mil são falsificadas ou adulteradas. O número expressivo revela a facilidade com que se têm acesso aos falsos documentos que podem ser encontrados e distribuídos pela internet.
O serviço ilegal é oferecido por diferentes sites de internet. A rapidez com que agem os falsificadores foi comprovada por A GAZETA em testes feitos para simular a compra dos documentos. Por outro lado, a experiência mostrou também que em alguns casos o comprador pode acabar sendo enganado. Leia o relato completo na página ao lado.
A quantidade de atestados falsos entregues mensalmente em todos segmentos produtivos do Estado acaba gerando um prejuízo de R$ 20 milhões por ano às empresas. Os números fazem parte de uma pesquisa à qual os integrantes do Fórum das Entidades
e Federações (FEF) tiveram acesso.
Boa parte desses atestados têm que ser absorvidos pelas empresas, que precisam substituir a mão de obra e abonar a falta do funcionário. Isso eleva os custos operacionais, lamenta o presidente da Federação de Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Espírito Santo (Fecomércio-ES), José Lino Sepulcri.
Mas assumir o risco de entregar um atestado falso, o funcionário deve estar ciente: se descoberta, a fraude tem como consequência a demissão por justa causa, que impede o recebimento de benefícios como o seguro desemprego e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Quem explica isso é o diretor executivo-financeiro da Associalçao Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Sidcley Gabriel da Silva, que já precisou dispensar 10 funcionários por fraude. Já vimos carimbos com registros de médicos que não existem; atestados de saúde nas quais o médico não trabalha e atestados com Código Internacional de Doenças (CID) de doenças que
a pessoa claramente não possui. Em um certo caso, um homem entregou um atestado com o código de uma doença de mulheres, lembra.
O delegado Ailton Schaeffer, da Delegacia de Defraudações e Falsificações, ressalta que tanto quem falsifica, quanto quem compra atestados falsos pode ser sentenciado entre um e cinco anos de prisão. Segundo ele, não houve prisões este ano.
Para Schaeffer, quando há suspeita de falsificação, as empresas devem denunciar o caso à polícia. No entanto, acredita que muitas optam por apenas demitir os funcionários. Mas as denúncias são importantes para impedir que continuem agindo.
O mesmo indica a titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos, Cláudia Dematté. As pessoas podem denunciar por meio do Disque Denúncia 181 ou na delegacia. O crime deixa vestígios no mundo cibernético e possibilita a investigação, identificação e indiciamento desse tipo de criminoso.
Na internet, uma semana de folga sai por R$ 70
Na internet, atestados falsos são ofertados de forma escancarada em sites que vendem o documento a custos mais baixos do que o de uma consulta médica na rede particular. Os valores vão de R$ 30 para três dias de folga e chegam a R$ 150 para 15 dias. Já uma semana tem custo de R$ 70.
Os falsários oferecem até fazer a entrega entre 24h e três dias após o pagamento. Porém, eles também aproveitam para dar um segundo golpe, embolsando os valores sem entregar nenhum documento.
A reportagem entrou em contato com dois desses golpistas. Simulando estar interessada primeiro num atestado médico de sete dias para justificar faltas ao trabalho, enviamos um e-mail para dois endereços que ostentam em sites a garantia do documento com carimbo, assinatura e estabelecimento médico credenciado.
Todos os atestados emitidos por nós são verdadeiros, com direito a consulta no CADSUS. Ou seja, é registrado que você realmente esteve em um hospital. Contendo CID da doença, CRMs e carimbos autênticos, diz um trecho do e-mail de resposta ao primeiro contato.
Com tom profissional e de oferta lícita, o falsificador ainda reforça preço e formas de pagamento. Para 07 dias de atestado o valor é R$ 70,00 + frete que varia de acordo com o CEP do cliente. O pagamento é feito via deposito ou transferência bancária, explicou, por e-mail.
A reportagem, em resposta, sugeriu receber primeiro uma cópia do atestado em meio digital, o que interessou o golpista imediatamente.
Você precisa do envio apenas via e-mail? Para 07 dias de atestado o valor é R$ 70,00. O frete fica no valor de R$ 20,00. Valor total R$ 90,00. Pagamento do frete é necessário apenas se for precisar do atestado original, conclui.
A reportagem decidiu pedir um atestado, porém, de menos dias, somente três dias, o que reduz o valor para R$ 30,00.
O golpista repassou número de conta, nome do dono da conta e CPF para depósito ou transferência. A reportagem, então, fez o depósito.
Após o pagamento, foram enviados sete e-mails cobrando um retorno, mas o falsário não respondeu a nenhuma comunicação, concluindo seu segundo golpe.
A reportagem enviará os dados repassados pelo falsário para a polícia, que informou que denúncias sobre a promessa de venda de atestados falsos devem ser feitas pelo 181.
Roubo de carimbos preocupa médicos
Em casos de roubo ou de desaparecimento suspeito do carimbo, os médicos devem registrar um boletim de ocorrência na delegacia. A recomendação é dada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado (CRM-ES).
Alguém pode se apoderar deste carimbo para sair vendendo atestados. É uma forma de o médico se resguardar caso seu registro seja utilizado indevidamente em algum momento, justifica o presidente do CRM-ES, Carlos Magno Pretti Dalapicola.
De acordo com Dalapicola, cerca de 5% das denúncias mensais que chegam ao Conselho são de empresas, que desconfiam da autenticidade de atestados ou do número de dias fornecidos pelo médico. Nessas situações, o profissional é chamado para prestar declarações. Caso ele indique que houve fraude, a informação é repassada às empresas, que devem acionar a polícia e tomar medidas trabalhistas.
Atestado digital vira aposta contra fraudadores
Autoridades médicas e representantes de empresas do Estado já chegaram a um consenso: a emissão de atestados médicos digitais será o caminho mais curto para dar fim às falsificações.
O método já é adotado pelas unidades de saúde de Vitória, conforme explica o secretário municipal de Administração, Márcio Passos. Eles têm uma assinatura digital dos médicos. Através de um código, as empresas entram no site da prefeitura e verificam sua autenticidade. Nós zeramos as fraudes.
Segundo Marcos, a prefeitura repassará o sistema a outros municípios da Grande Vitória. Vila Velha está fazendo convênio conosco e a Serra já implementou em seus Pronto Atendimentos, afirma.
Tanto o presidente da Fecomércio-ES, José Lino Sepulcri, quanto o empresário do setor de Limpeza e Serviço Ambiental, Antônio Perovano, esperam que o documento digital possa ser emitido em todo o Estado. Vamos nos empenhar nesse projeto, garante Perovano.
O presidente do CRM-ES, Carlos Magno Pretti Dalapicola, também aprova a medida, mas pondera que em situações em que o paciente não quer expor sua doença, um atestado físico deve ser emitido junto ao digital para ser apresentado somente ao médico da empresa.
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