Com ajustes, o famoso verso musical que diz medo que algum dia o mar também vire sertão poderia ser usado para resumir o cenário do Rio Doce, retratado em um trabalho do fotógrafo colatinense Renilton Kirmse, de 29 anos. Com fotos tiradas semanalmente desde 23 de abril, ele tem captado o avanço do assoreamento no curso do rio mais importante do Espírito Santo.
A ideia surgiu de uma curiosidade que eu tinha porque quem passa pela Ponte Florentino Avidos, no Centro da cidade, tem notado o crescimento desses bancos de areia. Conversando com a minha professora, fui orientado a monitorar essa situação, conta. As fotografias fazem parte da tese de conclusão do curso de Arquitetura, do qual Renilton é estudante do oitavo período.
Para efeito de comparação, ele tira as fotos sempre do mesmo ângulo e em três pontos específicos do Rio Doce: no deságue do Rio Santa Maria e em duas estações de captação do Sanear, autarquia da Prefeitura de Colatina responsável pelo abastecimento de água da cidade. Todas elas são feitas com drone, a 200 metros de altura.
O acompanhamento fotográfico deve continuar até o final de 2020, mas os mais de 30 retratos já tirados trazem preocupação a Renilton. De abril para cá, a situação só piorou e isso é grave! Afinal, o Rio Doce é o principal de Colatina e do Espírito Santo. Se ele acabar, acaba a nossa principal fonte de água, alerta.
O AVANÇO DO ASSOREAMENTO
Diretor-presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH), Fabio Ahnert explica que dois fatores principais contribuem para o aumento dos bancos de areia no Rio Doce. O primeiro é que nos últimos cinco anos, por causa de mudanças climáticas globais, choveu menos do que se esperava. Como consequência, a vazão cai mais rapidamente nos períodos de seca.
O segundo fator é o alto nível de degradação do solo da bacia, que não tem mais o nível de cobertura florestal de antes. Sem a vegetação, a água da chuva acaba transportando sedimentos da erosão para dentro do rio, disse. Para se ter uma ideia, no caso do Rio Doce, há uma perda de 160 toneladas de solo por km² por ano. É um valor muito alto, completou.
VESTÍGIOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE MARIANA
Além da fragilidade do solo e da menor média de chuva, há indícios de que rejeitos da barragem de Mariana, rompida em 2015, contribuam para o cenário atual. Câmaras técnicas têm apontado que alguns parâmetros, relacionados a minérios, aumentam no período de chuva, o que pode indicar o movimento dos materiais depositados no fundo do rio, explicou Ahnert.
PROBLEMAS NA CHEIA E NA SECA
As consequências do maior assoreamento no Rio Doce se apresenta como dois problemas, ambos visíveis para quem convive perto do leito. No período mais chuvoso, o acúmulo de sedimentos contribui para que aconteçam alagamentos, como os que Colatina já viveu. Na estiagem, eles podem dificultar, do ponto de vista operacional, a captação de água, esclareceu Ahnert.
MENOR VAZÃO SOB MONITORAMENTO
Segundo informações da Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH), a vazão média do Rio Doce nos últimos 365 dias foi de 830 m³/s; enquanto a atual se encontra em 604 m³/s. Apesar da queda, Ahnert garantiu que a redução está coerente com o período de estiagem, que começa entre abril e maio.
Essa alteração faz parte da dinâmica natural do rio. As vazões estão caindo, mas não chegaram ao nível crítico de comprometer as demandas humanas. Apesar de visivelmente apresentar pouca água, o Rio Doce é o maior rio do Espírito Santo e, por isso, seguiremos acompanhando para ver se essa tendência de queda irá continuar, disse.
É POSSÍVEL REVERTER O QUADRO?
Segundo o diretor-presidente da AGERH, sim. Para reverter esse quadro, porém, é necessário investir rapidamente, e de forma intensa, no reflorestamento; principalmente nas áreas mais ingrimes e de recarga da Bacia do Rio Doce. As plantas aumentam a infiltração da água no solo e a retêm processos erosivos, explicou.
No entanto, o desafio é grande e não depende apenas disso. Precisamos de uma ocupação mais inteligente do território. A simples abertura de estradas de terra ou trabalhos de patrolamento podem agravar o quadro, já que o novo caminho pode funcionar como um canal para que materiais e sedimentos cheguem aos rios, concluiu Ahnert.
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