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Isolamento, testes e clima podem alterar quadro do coronavírus no ES

Isolamento, testes e clima podem alterar quadro do coronavírus no ES

A Gazeta fez um levantamento junto a médicos, universidades e a Secretaria de Saúde do Estado para traçar possíveis comportamentos da doença no Espírito Santo

Publicado em 18 de abril de 2020 às 06:00

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Data: 03/04/2020 - ES - Vit?ria - Pandemia coronav?rus - Movimento no calad?o da praia de Camburi - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini
Movimento no calçadão da praia de Camburi , em Vitória. (Vitor Jubini)

A vida da população mundial parou em 2020 por conta do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Todo brasileiro, ao aderir à quarentena, viu sua rotina mudar por completo, sendo preciso criar diferentes hábitos para lidar com essa nova realidade. Agora, o que muitos se perguntam é quando ocorrerá o pico da doença e quando a rotina voltará ao normal.

A Gazeta fez um levantamento junto a médicos, matemáticos, especialistas, universidades, institutos e a Secretaria de Saúde do Estado para entender os possíveis cenários a se enfrentar.

As incertezas ainda são muitas, mas segundo eles, as respostas virão de fatores, como medidas de isolamento adotadas, realização de testes, novos hábitos de ressocialização influenciados pelo clima, além de ações econômicas e políticas.

No Brasil, o até então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apontou que o pico da doença será entre maio e junho. No Espírito Santo, as projeções apontam que o período mais crítico, em que a curva terá um crescimento acelerado, será entre a segunda quinzena de abril e a primeira de maio.

A estimativa é que, num pior cenário, o Estado poderá ter 6 mil casos nesse período, sendo que de 3% a 5% desse quantitativo dependerá de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), ou seja, até 300 pacientes.

O Estado tem trabalhado com três possíveis cenários: o pior, caso as medidas de isolamento não fossem adotadas; o intermediário, caso houvesse afrouxamento de medidas restritivas como a abertura parcial de alguns segmentos; e o melhor cenário, com escolas e comércio fechados e com o isolamento social sendo seguido com regularidade. Na projeção mais pessimista, a quantidade de infectados chegaria a 3.185 no dia 24 de abril; na mais otimista, esse número cairia para 1.775. (veja no gráfico)

As projeções são feitas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), são eles que estão norteando as ações do governo estadual em relação à infecção e ao avanço da pandemia no Estado. Os números reais indicam que o nível de contágio no Estado ainda está abaixo do projetado no melhor cenário.

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Não há dúvida de que as medidas para o distanciamento social adotadas pelo governo estadual repercutiram nesse comportamento no nosso Estado. Conseguimos reduzir a força de transmissão do vírus

Nésio Fernandes
Secretário estadual da Saúde
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ESCOLAS E COMÉRCIO FECHADOS

Data: 03/04/2020 - ES - Serra - Pandemia coronav?rus - Movimento na avenida Central em Laranjeiras - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini
Movimento na Avenida Central, em Laranjeiras, na Serra. (Vitor Jubini)

Doutora em doenças infecciosas, médica infectologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Cássia Mendes ressalta a eficácia das medidas restritivas. Segundo ela, os estudos apontam que o principal fator de contenção ou de agravamento da doença é a forma como se dá o contato social.

A maneira como o poder público e a população vão lidar com o isolamento nesses próximos dias, inclusive, vai ser determinante. Ou seja, se afrouxar as medidas de isolamento, poderá haver o pior cenários e, se as medidas persistirem, é possível que tenha o melhor cenário no crescimento da curva. 

“O mundo inteiro tem enfrentado essa epidemia de forma semelhante. Onde ela chega, o comportamento é de rápida transmissão”, destacou.

Nésio acrescenta que outro motivo que pode influenciar é o aumento de testes. O Laboratório Central (Lacen) terá capacidade de fazer 1,2 mil por dia. São submetidas a exames as pessoas que estão internadas; grávidas, idosos, trabalhadores da saúde e da segurança que tenham sintomas respiratórios; e presos que tenham síndrome gripal, com febre.

Também são examinados pacientes das unidades sentinela - unidades de saúde selecionadas para monitoramento do vírus em circulação - que chegam ao local com sintomas gripais.

TESTES NA POPULAÇÃO

Exame com sangue retirado na ponta dos dedos
Exame com sangue retirado na ponta dos dedos . (Shutterstock)

Serão feitos também 30 mil inquéritos sorológicos a partir da próxima semana. Pessoas de todas as regiões do Espírito Santo serão submetidas a exames de sangue que vão determinar se já foram ou não contaminadas. O resultado servirá para mapear os locais onde há maior concentração de infectados e, a partir dos resultados, ajudar o governo a definir medidas de contenção.

“Se a projeção se comportar com a quantidade de casos que temos hoje, ela se dará menor que 6 mil. Podem interferir também no comportamento da curva a retomada das atividades econômicas e a aglomeração de pessoas. Neste mesmo período, vamos ampliar a testagem, então é possível que a curva se comporte de maneira diferente. Isso não quer dizer que, com mais infectados, o cenário fique pior, estamos reduzindo o erro da quantidade de casos por conta da quantidade de testagem”, disse o secretário, que estima haver um número maior de pessoas com o vírus.

NÚMERO DE CASOS 5 VEZES MAIOR

Cálculos do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), formado por cientistas da PUC-RJ, Fiocruz e Instituto D’or, estimam que o Espírito Santo pode ter cinco vezes mais casos que os já notificados. 

Segundo o estudo, o Estado tem uma taxa de notificação de 18,1% até 10 de abril - 300 casos confirmados no período. No Brasil, estima-se em mais de 235 mil casos até essa data - 12 vezes mais que os 19.638 reportados pelo governo federal.

“Nossa hipótese é que, à medida que o número de testes realizados cresce mais rápido que o avanço da doença, a taxa de notificação aumenta. O Espirito Santo tem uma taxa de notificação 10 pontos percentuais acima da média brasileira, o que corrobora a hipótese de mais testes estarem sendo feitos. A baixa capacidade de testagem fez com que o Ministério da Saúde recomendasse que apenas casos graves fossem testados. Ainda assim, nem todos os casos suspeitos deste grupo estão sendo examinados”, pontuou Marcelo Prando, pesquisador do NOIS.

TÉRMINO DO PICO

Um dos responsáveis pelas projeções que analisam o comportamento da doença no Espírito Santo, o professor de Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Etereldes Gonçalves Júnior explicou que ainda não é possível apontar, com clareza, uma estimativa de quando os registros da doença devem desacelerar.

“O protocolo de testagem muda ao longo da pandemia. Com isso, o comportamento da curva pode mudar só pela forma como você está testando e não pelo comportamento da epidemia em si. Quando a Sesa concluir o estudo epidemiológico, teremos mais informações para executar projeções a longo prazo.”

Para o infectologista Crispim Cerutti Junior, a falta de informações científicas recentes sobre o vírus dificulta a previsão do cenário a longo prazo no Espírito Santo. Já em relação aos índices do Brasil, o especialista avalia a possibilidade de haver menor incidência a partir do mês que vem.

“Tenho observado uma constância na curva do Brasil. Talvez, seja mais viável pensar numa curva dos dados gerais para meados de maio. O Brasil é um país muito grande. Mesmo que ocorra a desaceleração em alguns estados, pode ser que haja índices de aceleração em vários pontos isolados e o Espirito Santo pode ser um desses casos”, ponderou.

Nésio Fernandes acrescenta que teremos que criar novos hábitos de ressocialização, como outros países, para conviver com essa realidade por 12 a 18 meses, tempo estimado pela Organização Mundial da Saúde para a criação da vacina.

“Estamos observando que esse vírus tem uma transmissibilidade alta em ambientes quentes também, isso quer dizer que teremos que conviver com a Covid-19 no Brasil durante um bom tempo. Vamos ter que conviver nos períodos mais frios junto com outras doenças respiratórias e, em dezembro, com a dengue, zica e chikungunya.”

CLIMA

Segundo Paulo Andrade Lotufo, do Departamento de Epidemiologia do Hospital das Clínicas da USP, é nos períodos mais frios que há maior incidência de doença respiratórias, fator extra para aumentar a preocupação das autoridades de saúde.

“A gente tem percebido que o isolamento está reduzindo outras infecções. Outro fator é a redução da circulação dos carros, o que reduz poluição e, consequentemente, esse tipo de doença. Se o isolamento persistir até esse período, pode ser que tenhamos um cenário favorável, mas caso ele termine podemos piorar o cenário e o coronavírus disputaria espaço com outras doenças, piorando a situação dos hospitais”.

INVESTIMENTOS

Secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes aponta vantagens no modelo de fundação estatal
Secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes . (Tati Beling/Ales)

O Estado já gastou cerca de R$ 100 milhões para enfrentamento contra o coronavírus. Esse valor envolve Sesa, Secretaria de Educação (Sedu), Secretaria de Justiça (Sejus), Ceturb e Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi).

Só na Sesa, foram R$ 90 milhões, montante usado para aquisição de EPIs, respiradores, insumos, abertura e adequação de leitos, contratação de pessoal e obras.

Segundo Nésio, o Estado está preparado para enfrentar a pandemia no pior cenário projetado. A intenção é chegar a 339 leitos de UTI até julho, destinados a pacientes de Covid-19, podendo ainda, neste mês, atingir 290 leitos. Esclareceu ainda que a média de permanência dos pacientes internados no Hospital Jayme dos Santos Neves, por exemplo, está em torno de 9,9 dias, e não 18 dias como em Pernambuco. Dessa forma, a capacidade de oferta é ampliada.

E esclareceu que, caso o Estado não dê conta, há outros recursos emergenciais: suspender todas as atividades em hospitais públicos e privados, estatizar hospitais privados e até ter hospitais de campanha.

“A saúde vai apontar como o vírus vai se comportar se o modo de vida das pessoas não for modificado. Para que essas mudanças sejam sustentáveis por mais tempo, dependemos de medidas econômicas e politicas da União. Nese momento, a União teria que estar com um pacote econômico para garantir a manutenção das medidas de distanciamento. As medidas anunciadas até o momento são muito tímidas”, criticou.

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