Desabafo: Parecia que a gente era bandido e eles eram a polícia fazendo justiça. A frase é da tia da jovem Thaís de Oliveira, 22, morta após o carro em que as duas estavam com a família ser atingido por tiros de criminosos em Morada da Barra, Vila Velha, na noite de sábado. Os bandidos não eram policiais, mas agiram como autoridades criando suas próprias regras e punições, que incluem assassinatos. As leis impostas pelo tráfico estão presentes em outros bairros, apavorando moradores da Grande Vitória.
Na Avenida Brasil, onde a jovem foi assassinada ao ir buscar um bolo de aniversário, as normas do tráfico estão escritas nos muros: Retire o capacete. Abaixe o farol e o vidro do carro. A tia de Thaís, que dirigia o veículo, estava com os vidros abertos, mas a luz interna estava apagada, o que possivelmente resultou no ataque dos criminosos. Thaís morreu com um tiro nas costas e a avó dela foi baleada.
Por conta dessas regras, outra família também foi atacada na mesma avenida onde Thaís foi morta. No dia 15 de julho deste ano, um casal teve o carro atingido por balas quando estava com duas crianças, de 7 anos e 1 ano, dentro do veículo. Segundo a polícia, três criminosos ordenaram que o carro parasse. Como o motorista não obedeceu, eles atiraram. Por sorte, ninguém se feriu.
Moradores e prestadores de serviço da Grande Vitória contaram que traficantes criam regras como a lei do silêncio, a proibição em chamar a polícia e a obrigatoriedade de comunicar ao tráfico sobre visitas. Os moradores que as descumprem são punidos com agressões, expulsões de casa e até a morte.
Na segunda-feira (20), um telespectador da TV Gazeta denunciou, enviando fotos para o aplicativo, regras de criminosos que foram expostas na caixa de eletricidade e numa placa de trânsito em poste no bairro São Domingos, na Serra.
Já no bairro Carapina Grande, na Serra, o controle de traficantes sobre o cotidiano da comunidade vai além. Pela internet, através das redes sociais, a facção criminosa do Ponto Final monitora as conversas e mensagens trocadas pelos moradores, através do WhatsApp.
Os bandidos ficam na praça do bairro e, se desconfiam do morador, param e obrigam a entregar o celular para ver se estão passando alguma informação para a polícia ou rivais. Eles vigiam tudo, até o que as vítimas curtem, postam ou compartilham no Facebook. Quem descumpre as leis é expulso de casa e espancado em via pública.
PODER PARALELO
Para especialistas, as regras importas pelo tráfico mostram a presença de um poder paralelo que não pode ser ignorada. Alexandre Domingos, especialista em segurança pública e privada, afirma que traficantes do Estado copiam o que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo.
É o Estado perdendo poder e o paralelo comandando. É um absurdo. Eu poderia falar para as pessoas não obedecerem, mas quem não obedece morre. Não existe efetivo suficiente de policiais, nem uma polícia integrada com a Guarda Municipal. Onde as comunidades são carentes e abandonadas pelos poderes públicos, o crime manda. O que aconteceu com essa jovem (em Morada da Barra) não foi uma mera fatalidade. Foi um crime onde o bandido quis mostrar a sociedade que ele é mais poderoso que as leis. Somos reféns do crime, afirma.
Já Pablo Lira, professor do mestrado em Segurança Pública, acredita que essas regras ainda são impostas porque os criminosos possuem a sensação de impunidade. Os criminosos tentam impor regras porque as leis penais são excessivamente brandas. Eles cometem crimes bárbaros e continuam em circulação, pois as leis os favorecem. Nas esferas legal e jurídica, temos uma série de fragilidades. São leis que foram pensadas em um contexto em que a violência não era tão grave. A Constituição é de 1988. O Código Penal é da década de 40. Mudar isso é urgente. É a banalização da vida, como se o crime compensasse, sentenciou.
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