Durante o tempo em que ficou casada, a jornalista Florismara Santos, de 44 anos, foi vítima de violência psicológica e física. Em 19 anos de relacionamento, perdeu a conta de quantas vezes apanhou. O tormento terminou há quatro anos, quando conseguiu se separar do acusado, que chegou a ser preso e denunciado. Mas, depois de tudo que viveu, a aparência também mudou.
As pancadas renderam a ela três fraturas do lado direito do rosto e dentes escuros, alguns precisaram ser arrancados. Realidade que mudou quando conheceu o projeto Apolônias do Bem, que oferece tratamento odontológico integral e gratuito às mulheres que vivenciaram situações de violência e tiveram a dentição afetada durante as agressões.
No programa, o atendimento é feito por profissionais voluntários, inclusive, quem passou a atendê-la também foi vítima de violência doméstica. Há dois anos em tratamento odontológico, ela viu a transformação no sorriso e na autoestima. Hoje encaro um vídeo nas redes sociais e tenho segurança em sorrir. O programa melhorou minha autoestima não só por causa da transformação na minha boca, mas pela troca de confidências, as conversas me deram força de seguir e deixar de lado tudo que me fez mal, relatou.
A coordenadora do Apolônias do Bem em Vila Velha, Caroline Ribeiro Serrão, explica que a intenção do projeto é justamente devolver o sorriso e resgatar a autoestima das mulheres, dando a elas a possibilidade de voltarem a ser ativas na sociedade tanto emocionalmente como profissionalmente. A região mais afetada pela violência é a face da paciente, é muito comum elas terem diversas sequelas, como fraturas no rosto, nos dentes, através do projeto elas conseguem reconstruir tudo isso, explicou.
No Espírito Santo o projeto já atendeu cerca de 40 mulheres desde 2014 em sete municípios: Vitória, Vila Velha, Guarapari, Piúma, Marataízes, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares. O Estado foi o terceiro a integrar a rede Apolônias do Bem, que teve início em São Paulo e, atualmente, está presente em 14 estados e no México.
A dona de casa Beatriz*, de 27 anos, também foi uma das beneficiadas. Ela entrou num relacionamento aos 15 anos e, durante os cinco anos em que viveu com o ex-companheiro, muitas foram as brigas. Logo a violência psicológica passou a ser também física. A pior delas aconteceu em 2012 após uma crise de ciúme do ex-namorado que começou a bater nela ainda dormindo, o que deixou o seu rosto todo roxo.
Eu não conseguia o tratamento no posto de saúde. O projeto (Apolônias do Bem) foi a oportunidade que tive de reconstruir meu sorriso, fiz limpeza, restauração, implante. O resultado é surpreendente, levanta totalmente a autoestima, você volta a se interessar por outras coisas, a andar de cabeça erguida. Além disso, eu não fui tratada somente com paciente. Os profissionais acolhem, conversam bastante, relatou.
Os tratamentos são oferecidos por uma rede de voluntários, que realizam todos os procedimentos que as mulheres necessitam, independentemente da complexidade apresentada. Entre os apoiadores do projeto está a proprietária da Odonto Scan, Marcia Gabriella Barros. Ela oferece todos os exames por imagem às vítimas antes de começarem o tratamento odontológico, como radiografia, tomografia e fotografia.
O governo não disponibiliza a parte odontológica às vítimas da violência doméstica, mas devido às agressões muitas quebram o nariz, perdem muitos dentes. Por causa da aparência, algumas reclamam que não conseguem emprego quando saem de uma condição fragilizada. Após todo o tratamento, ver nas pessoas a vontade de viver, a felicidade estampada nos rostos delas não tem preço. Isso nos faz seguir nesta parceria, contou.
A principal porta de entrada para participar do projeto no Espírito Santo é pelo site do projeto ou através da triagem feita pelo Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid), do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Ao entrar em contato, será solicitado o Boletim de Ocorrência da agressão sofrida e, posteriormente, ocorrerá uma entrevista para se saber se a pessoa se encaixa no perfil: mulheres que tenham sofrido agressões físicas e que são de baixa renda.
*O nome da vítima foi trocado para preservar a identidade dela.
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