Antes que as vítimas e a economia pudessem se recuperar dos traumas deixados pelo rompimento das barragens da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, no final de 2015 - que poluiu o Rio Doce e paralisou as atividades da mineradora fazendo o PIB capixaba despencar - outra tragédia semelhante preocupa o Espírito Santo.
O drama que perdura há três anos na vida dos pescadores que perderam principal fonte de sustento e os impactos persistentes no meio ambiente foram retratados em reportagem especial do Gazeta Online, publicada há pouco mais de dois meses.
No dia 5 de novembro de 2015 o tsunami de lama, com 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério (equivalente a 12.800 piscinas olímpicas), devastou os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e tirou a vida de 19 pessoas.
Mas os estragos provocados pelo maior desastre ambiental da história do Brasil não pararam por aí. Seguindo por 500 quilômetros a dentro pelo Rio Doce, os rejeitos causaram todo tipo de transtorno: morte da biodiversidade aquática, desemprego e prejuízos no comércio e no turismo das cidades ribeirinhas. Após 17 dias da catástrofe, a lama tingiu a foz, em Regência, Linhares, no Espírito Santo. Além do município, o impacto foi sentido também em Baixo Guandu, Marilândia, Colatina, Aracruz, São Mateus, Serra, Conceição da Barra e Fundão.
Por onde passou, a lama de rejeitos deixou um rastro de destruição e expulsou pescadores de suas casas. Doeu muito ter que sair de lá, a lama influenciou em tudo, a peixaria foi perdendo o número de pescadores e clientes. Foi tirado nosso ponto de trabalho e lazer, pois nos reuníamos para conversar também, lamentou o pescador Valdomiro Jesus da Rocha, de 56 anos, em entrevista concedida ao Gazeta Online há dois meses.
Dúvidas
Assim como Valdomiro, milhares de pessoas tiveram a vida transformada após a tragédia no Rio Doce. Os prejuízos persistem até hoje, mas as respostas por parte do poder público e das empresas responsáveis pelo desastre - Samarco, dona da barragem, e suas controladoras Vale e BHP Billiton ainda não chegaram.
Não se sabe, por exemplo, se o peixe está contaminado, se a água consumida traz riscos à saúde e qual o nível de contaminação do mar e do mangue. Para avaliar a extensão do dano, 25 universidades realizam um estudo multidisciplinar, com uma verba de R$ 120 milhões repassada pela Renova, fundação criada para reparar os danos do desastre ambiental.
A expectativa é de que, com esse trabalho em conjunto, surjam conclusões sobre o consumo de pescado na alimentação humana e a liberação da pesca de espécies nativas sem ameaça à continuidade da fauna local, entre outras diretrizes para preservação do ecossistema ao longo da bacia do Rio Doce.
Em matéria publicada no mês de novembro de 2018, o bispo da Diocese de Colatina, dom Joaquim Wladimir Lopes Dias, relata que nesses três anos foram vistos poucos resultados. Ele acrescenta que, somente com as respostas, é que a população terá segurança, tranquilidade e qualidade de vida.
Em três anos, vimos que a Renova preparou uma estrutura muito grande, está muito bem estruturada, mas na prática as coisas não acontecem. Acho que o dinheiro deveria ser utilizado em primeiro lugar com os trabalhadores e atingidos para entender as necessidades básicas, evitando a perda da qualidade de vida. O povo está sofrendo, conta.
Desde a tragédia, nada voltou à normalidade, nem rotina das pessoas, nem a paisagem, constatou a reportagem que percorreu 800 quilômetros, em quatro dias de viagem pelo Espírito Santo. Ao mexer nas águas do Rio Doce, a coloração alaranjada mostra que a lama não está só na memória das pessoas, continua ali, no fundo do rio.
A pescadora Ana Maria Rodrigues Seletes, de 47 anos - uma das entrevistadas pela reportagem há dois meses guarda várias lembranças da época em que podia entrar no rio as paredes das casas estão repletas de quadros de peixes. Ela vive em Mascarenhas, em Baixo Guandu, e dependia do rio tanto para fonte de renda quanto para lazer. Mas, como não tem mais o peixe do Doce para cozinhar os petiscos e revender aos bares, passou a gastar R$ 1 mil com o produto por mês e reduziu seu lucro.
Direitos
Além da tristeza de ver suas vidas mudarem de direção sem poder escolher o rumo, donos de pousadas, artesãos, marisqueiros ainda lutam para conquistar direitos. Muitos não receberam o auxílio mensal pago pela Renova por meio de um cartão. O valor é de um salário mínimo mais 20% para cada dependente.
Outros estão sem a indenização por danos morais e materiais prevista no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado entre Samarco, Vale, BHP Billiton, governo federal e governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo em 2016. Ele garante programas e ações de reparação e compensação socioeconômica e socioambiental.
Enquanto isso, as vítimas se virar como podem. Há pescador que virou dono de parquinho de diversão, outros passaram a cultivar verduras e legumes, e tem até quem precisou catar material reciclável para ter o que comer dentro de casa, como a pescadora Dermecília Moreira, de 72 anos. A fome não espera, tenho que me virar, desabafa a moradora de Colatina.
A Samarco acabou com tudo, nossa esperança era o peixe. Acredito que nunca mais vou pescar, até que o rio volte ao normal eu já morri. Depois que caiu a barragem não ganho mais nem um tostão com peixe. Ninguém dá serviço para uma pessoa da minha idade. Está difícil a vida, quando chove alaga minha casa, falta alimento, minha geladeira está vazia, não tem nada para comer, complementa o marido de Dermecília, Vilmar Acássio da Silva.
Além dos pescadores que perderam a principal fonte de sustento, a lama de rejeitos de minério também afetou outras atividades, como o comércio e o turismo. Foi assim em Regência, Linhares, onde a Aline Ribeiro Goulart da Rocha, de 45 anos, mantinha uma pousada.
Depois do desastre, ela não abriu mais o local, que teve luz e água cortadas por causa do acúmulo de dívidas. A saída foi se mudar para a casa dos pais com o marido e o filho, em fevereiro de 2016. Ao retornar, 10 meses depois, percebeu que os pisos e paredes foram invadidos por cupim.
Espero que a justiça seja feita e que nós sejamos indenizados para ter chance de voltar ao trabalho e recomeçar a vida novamente. Eu quero voltar a minha vida e ter o direito de trabalhar, desabafou durante entrevista em novembro.
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