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Nova tragédia com barragem de rejeitos de minério preocupa o ES

Nova tragédia com barragem de rejeitos de minério preocupa o ES

Antes que as vítimas e a economia capixaba pudessem se recuperar dos traumas, desastre ambiental se repete

Publicado em 25 de janeiro de 2019 às 21:03

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"Trabalhei a minha vida toda como pescador e aqui na peixaria. A lama mudou tudo. Até o ponto de lazer acabou. Sentávamos aqui para conversar", comentou o pescador Valdomiro Jesus da Rocha. (Carlos Alberto Silva)

Antes que as vítimas e a economia pudessem se recuperar dos traumas deixados pelo rompimento das barragens da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, no final de 2015 - que poluiu o Rio Doce e paralisou as atividades da mineradora fazendo o PIB capixaba despencar - outra tragédia semelhante preocupa o Espírito Santo.

O drama que perdura há três anos na vida dos pescadores que perderam principal fonte de sustento e os impactos persistentes no meio ambiente foram retratados em reportagem especial do Gazeta Online, publicada há pouco mais de dois meses.

No dia 5 de novembro de 2015 o “tsunami” de lama, com 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério (equivalente a 12.800 piscinas olímpicas), devastou os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e tirou a vida de 19 pessoas.

Mas os estragos provocados pelo maior desastre ambiental da história do Brasil não pararam por aí. Seguindo por 500 quilômetros a dentro pelo Rio Doce, os rejeitos causaram todo tipo de transtorno: morte da biodiversidade aquática, desemprego e prejuízos no comércio e no turismo das cidades ribeirinhas. Após 17 dias da catástrofe, a lama tingiu a foz, em Regência, Linhares, no Espírito Santo. Além do município, o impacto foi sentido também em Baixo Guandu, Marilândia, Colatina, Aracruz, São Mateus, Serra, Conceição da Barra e Fundão.

Por onde passou, a lama de rejeitos deixou um rastro de destruição e expulsou pescadores de suas casas. “Doeu muito ter que sair de lá, a lama influenciou em tudo, a peixaria foi perdendo o número de pescadores e clientes. Foi tirado nosso ponto de trabalho e lazer, pois nos reuníamos para conversar também”, lamentou o pescador Valdomiro Jesus da Rocha, de 56 anos, em entrevista concedida ao Gazeta Online há dois meses.

Dúvidas

Assim como Valdomiro, milhares de pessoas tiveram a vida transformada após a tragédia no Rio Doce. Os prejuízos persistem até hoje, mas as respostas por parte do poder público e das empresas responsáveis pelo desastre - Samarco, dona da barragem, e suas controladoras Vale e BHP Billiton – ainda não chegaram.

Brasil, Mariana, MG, 07/11/2015. Populares observam destruição causado pelo rompimento da barragem da Mineradora Samarco no subdistrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana (MG). - Crédito:MÁRCIO FERNANDES/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Código imagem:193631. (MÁRCIO FERNANDES)

Não se sabe, por exemplo, se o peixe está contaminado, se a água consumida traz riscos à saúde e qual o nível de contaminação do mar e do mangue. Para avaliar a extensão do dano, 25 universidades realizam um estudo multidisciplinar, com uma verba de R$ 120 milhões repassada pela Renova, fundação criada para reparar os danos do desastre ambiental.

A expectativa é de que, com esse trabalho em conjunto, surjam conclusões sobre o consumo de pescado na alimentação humana e a liberação da pesca de espécies nativas sem ameaça à continuidade da fauna local, entre outras diretrizes para preservação do ecossistema ao longo da bacia do Rio Doce.

Em matéria publicada no mês de novembro de 2018, o bispo da Diocese de Colatina, dom Joaquim Wladimir Lopes Dias, relata que nesses três anos foram vistos poucos resultados. Ele acrescenta que, somente com as respostas, é que a população terá segurança, tranquilidade e qualidade de vida.

“Em três anos, vimos que a Renova preparou uma estrutura muito grande, está muito bem estruturada, mas na prática as coisas não acontecem. Acho que o dinheiro deveria ser utilizado em primeiro lugar com os trabalhadores e atingidos para entender as necessidades básicas, evitando a perda da qualidade de vida. O povo está sofrendo”, conta.

Desde a tragédia, nada voltou à normalidade, nem rotina das pessoas, nem a paisagem, constatou a reportagem que percorreu 800 quilômetros, em quatro dias de viagem pelo Espírito Santo. Ao mexer nas águas do Rio Doce, a coloração alaranjada mostra que a lama não está só na memória das pessoas, continua ali, no fundo do rio.

A pescadora Ana Maria Rodrigues Seletes, de 47 anos - uma das entrevistadas pela reportagem há dois meses – guarda várias lembranças da época em que podia entrar no rio – as paredes das casas estão repletas de quadros de peixes. Ela vive em Mascarenhas, em Baixo Guandu, e dependia do rio tanto para fonte de renda quanto para lazer. Mas, como não tem mais o peixe do Doce para cozinhar os petiscos e revender aos bares, passou a gastar R$ 1 mil com o produto por mês e reduziu seu lucro.

Direitos

Além da tristeza de ver suas vidas mudarem de direção sem poder escolher o rumo, donos de pousadas, artesãos, marisqueiros ainda lutam para conquistar direitos. Muitos não receberam o auxílio mensal pago pela Renova por meio de um cartão. O valor é de um salário mínimo mais 20% para cada dependente.

Outros estão sem a indenização por danos morais e materiais prevista no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado entre Samarco, Vale, BHP Billiton, governo federal e governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo em 2016. Ele garante programas e ações de reparação e compensação socioeconômica e socioambiental.

Enquanto isso, as vítimas se virar como podem. Há pescador que virou dono de parquinho de diversão, outros passaram a cultivar verduras e legumes, e tem até quem precisou catar material reciclável para ter o que comer dentro de casa, como a pescadora Dermecília Moreira, de 72 anos. “A fome não espera, tenho que me virar”, desabafa a moradora de Colatina.

“A Samarco acabou com tudo, nossa esperança era o peixe. Acredito que nunca mais vou pescar, até que o rio volte ao normal eu já morri. Depois que caiu a barragem não ganho mais nem um tostão com peixe. Ninguém dá serviço para uma pessoa da minha idade. Está difícil a vida, quando chove alaga minha casa, falta alimento, minha geladeira está vazia, não tem nada para comer“, complementa o marido de Dermecília, Vilmar Acássio da Silva.

A pescadora Aline Ribeiro Goulart da Rocha foi um das atingidas pelos rejeitos da lama da Samarco . (Carlos Alberto )

Além dos pescadores que perderam a principal fonte de sustento, a lama de rejeitos de minério também afetou outras atividades, como o comércio e o turismo. Foi assim em Regência, Linhares, onde a Aline Ribeiro Goulart da Rocha, de 45 anos, mantinha uma pousada.

Depois do desastre, ela não abriu mais o local, que teve luz e água cortadas por causa do acúmulo de dívidas. A saída foi se mudar para a casa dos pais com o marido e o filho, em fevereiro de 2016. Ao retornar, 10 meses depois, percebeu que os pisos e paredes foram invadidos por cupim.

“Espero que a justiça seja feita e que nós sejamos indenizados para ter chance de voltar ao trabalho e recomeçar a vida novamente. Eu quero voltar a minha vida e ter o direito de trabalhar”, desabafou durante entrevista em novembro.

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