Com quase 30 anos de atuação nas periferias, o novo vigário para ações sociais, políticas e ecumênicas da Arquidiocese de Vitória, Kelder Brandão, quer levar as demandas da periferia para o cerne da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, mobilizar a estrutura da instituição no atendimento destas demandas. Queremos sensibilizar a Igreja para que ela volte o seu olhar para estas realidades e que compreenda o que esta acontecendo, efetivamente, nas periferias, destaca o padre que, desde 2017, vive em uma das regiões de maior vulnerabilidade da Grande Vitória, o Complexo da Penha.
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Um trabalho que passa pela redescoberta de como ser presença no meio dos pobres, o que ainda segue uma orientação do papa Francisco, que tem insistido em uma igreja pobre e para os pobres.
Como vai funcionar o novo vicariato?
O vicariato vai assumir as pastorais, a questão ecumênica, e as questões políticas, que antes eram ligadas diretamente a Comissão Justiça e Paz (CJP) e a Cáritas Arquidiocesana, ambas extintas. Será uma ampliação dos trabalhos históricos delas. Contará com um conselho ecumênico que trabalhará a partir de três comissões: Comissão para ação social, que orientará os trabalhos das Pastorais Sociais e dos projetos da Cáritas; uma Comissão Política Institucional, que cuidará das pautas que eram ligadas à CJP; e uma Comissão ecumênica, que cuidará do diálogo com as igrejas cristãs e religiões não cristãs.
É a retomada da presença e atuação dos movimentos sociais na Igreja?
Não acho que houve intenção de se afastar dos movimentos sociais. Fui coordenador de pastorais durante quatro anos no último governo e acho que foi um dos períodos em que os movimentos mais participaram das atividades da Igreja. O que acontece é que conjunturalmente, no país, os movimentos sociais, as instituições, meio que hibernaram com as pautas sociais. Houve um afastamento por parte das instituições, e não só a Igreja, mas também dos sindicatos, das periferias. Tanto que o papa tem chamado a atenção disso. A esquerda está se perguntando: O que aconteceu com a gente? O que aconteceu é que se afastou das periferias e isso não foi diferente com a Igreja.
O que motivou este afastamento?
Avalio que o padrão econômico que se adquiriu no Brasil, nas últimas décadas, fez com que a questão do pobre ficasse adormecida, com todo mundo achando que era da classe média para cima. As questões sociais foram muito relativizadas e em muitas situações, desprezadas. Em 2004 e 2005, quando eu falava da violência, achavam que eu era um louco, porque a pauta era o pleno desenvolvimento e que se deveria ter governança. A minha leitura é de que em nome de uma pseudogovernança, de um falso desenvolvimento, as instituições, e não só a Igreja, deixaram as periferias e foram tratar dos problemas da classe média. E agora estamos vivendo esta loucura no Brasil de uma maneira geral, e em particular, no Estado.
Como levar demandas destas áreas para a Igreja?
Queremos sensibilizar a Igreja para que ela volte o seu olhar para estas realidades e que compreenda o que esta acontecendo, efetivamente, nas periferias. Hoje as pautas da Igreja, as suas preocupações são outras e isto precisa ser retomado, como ser presente no meio dos pobres. O papa Francisco insiste nisso ao dizer: Desejo uma igreja pobre e para os pobres. E a gente precisa ter a sensibilidade necessária para ser a igreja do pobres.
O senhor permanecerá na paróquia?
Sim. Não vejo sentido nesta nova função se não for para se inserir ainda mais nestas realidades. Porque isto, inclusive, legitima o discurso. Quando falo da criminalização da periferia por parte do Estado não é por ouvir dizer, mas porque sinto na pele, como morador de região de periferia, e é assim que a sociedade me vê, como alguém que mora no território do crime, no Complexo da Penha. Não falo de um lugar qualquer, mas de um lugar que vive no dia a dia estas situações de violência.
São regiões de extrema vulnerabilidade.
São regiões que precisam ter projeção, visibilidade, onde as pessoas precisam ter voz. Não se trata de falar em nome de, mas ouvir o que as pessoas falam. Agora estou aqui para falar como um morador, que vive imerso, que vive os dramas que as pessoas da periferia vivem, inclusive com os riscos, porque a violência é, de fato, muito presente. Precisamos viver com o povo para poder falar deste lugar em que estamos, onde nem os serviços públicos chegam. No alto dos morros, por exemplo, não tem limpeza, saneamento, unidades de saúde, escolas, área de lazer, estrutura social para a população. Lá, se alguém passa mal, tem que descer o morro.
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