Um ambiente hostil, onde não havia regras, poucos aceitavam trabalhar e crianças e adolescentes conviviam, diariamente, com a violência. Assim, era a Escola Jones José do Nascimento, em Central Carapina, na Serra, lugar de muitos conflitos e quase nenhum aprendizado. Até 2016. Foi naquele ano que Juliana Rohsner assumiu a direção da unidade, em caráter emergencial, e promoveu, com o apoio da equipe e da comunidade, a transformação daquele espaço. Em três anos, praticamente zerou as ocorrências de atos infracionais e o desempenho dos estudantes - a maioria estava abaixo do básico - está melhorando gradativamente.
Todos os desafios enfrentados ao longo desse tempo, e os resultados alcançados, levaram Juliana a ganhar o prêmio nacional "Educador Nota 10", entregue na última terça-feira (1º). Mas, para a diretora, o trabalho está longe de ser finalizado. É um processo de construção que pretende prosseguir para que a escola seja também reconhecida pela excelência na aprendizagem.
Juliana chegou à escola em abril de 2016, por solicitação da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), quase que para "apagar um incêndio". A Jones estava em vias de ser fechada dado o grau de vulnerabilidade em que se encontrava. Juliana dirigia outra unidade de ensino na Serra e o trabalho próximo à comunidade que realizava havia chamado a atenção do Ministério Público, que recomendou à Jones alguém com o mesmo perfil. A Sedu nem procurou por outro educador e convidou Juliana mesmo para a função. "Aceitei para ficar por três meses. Era só um período de intervenção. Hoje, não tenho a menor pretensão de sair", ressalta.
A primeira atitude de Juliana foi suspender um dia letivo para reunir a equipe pedagógica e falarem abertamente sobre os problemas que havia na escola. A partir das manifestações, foram criadas três listas: uma com as situações que a própria unidade poderia resolver, outra que precisaria do apoio da Sedu e de parceiros diversos, e mais uma em que eles, naquele momento, achavam que não tinham como atuar como o fato da escola ser diariamente apedrejada.
A diretora reconhece que, no início, houve bastante resistência porque muitos não acreditavam que aquele ambiente ainda tinha solução. Mais do que ficar sem uniforme, alunos não usavam camisa. Professores colocavam mesa e cadeira na porta da sala para que estudantes não saíssem e, ainda assim, havia aqueles que passavam por cima para ir embora. E esses não eram os maiores problemas: consumo de drogas, jovens armados e brigas violentas faziam parte da rotina. Diante disso, Juliana ouviu muito: "você é nova, chegou agora. Não vai dar certo!". Mas, entre os que não acreditavam, a diretora encontrou pessoas dispostas a enfrentar com ela o desafio.
Um deles foi o de estabelecer regras rígidas sobre conduta na escola, como uso de boné, uniforme e celular. Por outro lado, a escola promovia atividades, algumas das quais nunca tinham sido vivenciadas pelos estudantes. Juliana lembra que um grupo de cerca de 170 alunos do 1º ano do ensino fundamental, na faixa de 6 e 7 anos, foi para o cinema e, quando a luz se apagou, começou uma choradeira. A sessão foi interrompida momentaneamente e, naquela hora, descobriram que 90% deles nunca tinham assistido filme naquele ambiente. Essas ações começaram a despertar nos estudantes o prazer de ir para a escola.
Questionada se em nenhum momento sentiu medo de enfrentar tantos problemas, sobretudo em relação à violência, Juliana reconhece que sim. Foram várias situações difíceis, como a de ter que abaixar junto com os alunos na quadra por conta do tiroteio no bairro, mas ao mesmo tempo se apegou à disposição que professores, equipe administrativa, vigilantes e a comunidade demonstraram de trabalhar junto. "Isso vai enchendo a gente de coragem e esperança", ressalta.
Ainda em 2016, foram promovidas melhorias na estrutura da escola, inclusive a conclusão da quadra esportiva cuja obra estava parada havia seis anos, foi feito mutirão de limpeza durante o qual foram retirados três caminhões de inservíveis (materiais danificados), e regularizadas questões administrativas, como a liberação de 683 históricos escolares pendentes. A partir de 2017, com alunos e famílias mais comprometidos com a escola, o foco voltou-se para a aprendizagem.
No Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes), 67% dos alunos do 9º ano tinham nível de conhecimento abaixo do básico, em 2016. No ano passado, esse índice havia caído para 13%. Em Língua Portuguesa, passaram de 47% para 3%.
Juliana faz questão de dizer que tudo que a escola vive hoje é uma conquista coletiva. Fabíola Nunes Santos foi uma das parceiras que a diretora encontrou pelo caminho. Professora de Matemática, ela havia entrado na Jones José do Nascimento em 2014 e enfrentou todo o tipo de problema. "Quando minha família soube que a escola para onde eu iria era em Central Carapina, considerado um dos bairros mais violentos da Serra, não queria deixar que eu fosse. Mas a gente não tem muita opção: ou aceita, ou fica sem trabalho."
Ela diz que foram dois anos bastante difíceis até a chegada da nova diretora. Era, segundo Fabíola, uma escola negligenciada e muito insegura. Houve um episódio em que entraram armados na instituição e quatro professores foram embora e não mais voltaram. A professora de Matemática também cogitou a hipótese, mas desistiu de desistir. E conta isso entre lágrimas.
A professora se sente feliz com a nova realidade da escola, e por fazer parte do processo, e ressalta que é importante ter um gestor com quem se possa contar para o trabalho. "No cenário anterior, podia ser o melhor professor do mundo, mas não se consegue trabalhar, os resultados não aparecem. Para definir se uma escola é boa ou não, é preciso avaliar a equipe pedagógica como um todo", frisa.
Já a coordenadora Françoise Santos de Oliveira chegou à Jones José do Nascimento junto com Juliana, mas a parceria só se formou ali na escola. Logo perceberam que tinham o mesmo objetivo e se identificaram no projeto de mudar àquela realidade. "Eu vinha de quatro anos de experiência de coordenação em Vila Velha, também na periferia, mas nunca tinha visto nada como o que encontramos. Mas a gente se identificou e foi amarrando as coisas, traçando metas, começando a definir uma proposta para aqueles alunos que envolvessem regras, mas também muito afeto, brincadeiras, sonhos."
Françoise conta que o regimento da escola foi feito em parceria com os alunos e até o desenho que hoje está no uniforme foi criado por meio de votação entre eles.
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