Circula nas redes sociais a cartilha divulgada pelo professor Gilberto Fachetti Silvestre, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), na qual são feitas exigências de comportamento aos alunos do primeiro período de Direito. Dentre elas estão a proibição de atrasos, a determinação das vestimentas adequadas e o tratamento formal ao professor, que não deve ser chamado pelo nome. Uma observação feita no documento chama à atenção: Em caso de descumprimento dessas regras a aula será encerrada e o conteúdo será considerado como dado. O professor afirma que as exigências servem para preparar o estudante para o universo jurídico.
De acordo com a advogada e ex-aluna do professor, Carla Magnago, de 28 anos, a postura é antiga e comum a outros docentes, embora não tenha recebido um documento formal enquanto esteve na instituição. Isso é abusivo, inclusive devido à universidade ser pública e destinar metade das vagas para cotistas. Quem se gradua na Ufes sabe que existem alunos que não têm condições financeiras para o material, muito menos para roupas formais, iniciou.
Estas regras de conduta não encontram respaldo em lei alguma. Isso pode afetar a saúde mental dos estudantes, inclusive. Como pode não permitir a saída do aluno durante a aula, em especial se ela for geminada? Exigir que todos se adequem a estas condutas em uma universidade pública não é razoável. E tem mais, moramos em uma capital quente, nem sempre é razoável exigir calça e camisa. A Ufes enfrenta momentos de contingência de energia elétrica, o que acaba deixando salas sem ar condicionado! Penso que uma coisa é o professor dialogar com o aluno, outra é abusar do poder catedrático para que os alunos se adequem a condutas impraticáveis.
Uma ex-aluna do curso de Direito, que preferiu não ser identificada, relatou que já foi alvo de comentários negativos por parte do professor. Anos atrás não existia ainda a cartilha, mas as imposições sim. Eu ia de short, reclamava de frio e ele dizia que também, você parece ter vindo para a praia. Na minha visão, isso serve para reforçar padrões e tira nossa identidade e liberdade de expressão. Não influencia em nada no aprendizado de alguém a forma como esta pessoa se veste e o que ela calça, desabafou.
É um abuso de autoridade e deve ser combatido. Dentro do Direito a gente sabe que juízes muitas vezes repetem essas exigências, como a necessidade de usar gravata ou salto, como se isso influenciasse no trabalho. Para mim isso é secundário. Mas o Direito historicamente replica essa postura de querer ser superior a outras pessoas ou outros cursos, em uma diferenciação de castas. E é um exagero enorme no primeiro período já ser exigido esse tipo de conduta.
Para a jurista, dentre os aspectos traçados na cartilha, o que mais incomoda é não poder chamar o professor pelo nome, já que, segundo ela, isso vai contra os próprios métodos pedagógicos. O professor ensina, mas não deve estar em patamar de superioridade, isso está ultrapassado. Hoje o ensino é encarado como sendo compartilhado, o pensamento retrógrado reforça a estrutura hierárquica que não é benéfica, deixa o aluno em condição de constrangimento. Existem exigências que são desproporcionais, são uma verdadeira violência com a identidade do ser humano que está ali na condição de aluno, finalizou.
Segundo o professor Gilberto Fachetti Silvestre, as exigências feitas por meio do documento divulgado por e-mail servem para preparar o estudante para o universo jurídico. É uma preparação, faz parte do ensino jurídico. Nós temos uma tradição muito forte com relação a posturas. É muito comum, em certas circunstâncias, que advogados não sejam recebidos pelo magistrado em decorrência da vestimenta que estão trajando. O ambiente escolar também requer certos comportamentos, esclareceu.
Essas regras sempre foram encaminhadas de forma escrita, por e-mail. Dei aula para o primeiro período pela manhã e não recebi nenhuma reclamação. Pode ser que tenha sido um mal-entendido, devido ao trote que receberam do segundo período, que os deixou assustados. O trote trouxe alguns exageros, como se os estudantes precisassem, por exemplo, levantar quando o professor entra em sala. Isso não existe. As exigências de comportamento estão dentro do meu direito, justamente para preparar o aluno para as formalidades da carreira.
De acordo com o professor, apesar de a cartilha sugerir encerramento das aulas, isso nunca ocorreu. Simplesmente acabo sendo tolerante. Coloco a observação para mostrar que regras devem ser respeitadas. O que está em discussão não é que certas roupas atrapalham o aprendizado, mas apenas a ideia de preparar o aluno para o exercício da vida jurídica, explicou.
Não chamar o professor pelo nome também faz parte do Direito, trabalhamos com direcionamento adequado à autoridade, em um ambiente de formalidade, não de intimidade. Isso não é feito por me achar algum deus, mas é o ambiente do dia a dia da carreira, faz parte da formação que quero dar ao aluno, é uma questão pedagógica.
Por meio de nota, a Ufes se posicionou no sentido de que o professor tem autonomia. A Administração Central da Ufes informa que não há regulamentação sobre o assunto, de modo que o corpo docente tem autonomia para estabelecer regras a serem cumpridas durante o período de suas aulas. Essa autonomia decorre da liberdade de cátedra, diz a nota.
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