Famílias que buscaram atendimento médico para as crianças no Pronto Atendimento (PA) Infantil de Alto Lage, em Cariacica, neste sábado (20), deram de cara com as portas fechadas. O problema é que não há médicos para os atendimentos. Segundo a prefeitura, o município tem mais de 30 pediatras efetivos, mas não foi possível montar a escala.
Na porta de vidro trancada, uma mensagem colada: "Não haverá atendimento na pediatria no dia 20/04/2019. Retornaremos com atendimento normal no dia 21/04/2019 às 7:00 da manhã". Mas a pensionista Maria do Carmo não acredita.
"Não tem médico, não tem médico em lugar nenhum. Amanhã é domingo, a gente vai vir aqui e não vai ter ninguém", opinou a idosa, que tentou levar a neta para se consultar.
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Em cinco dias, essa é a segunda vez que os pacientes encontram a porta do PA Infantil fechada. A operadora de caixa Priscila Hilário, que tentou levar o filho doente para se consultar, disse que já presenciou a dificuldade de muitas famílias sem atendimento no local.
"Eu acho uma falta de consideração. Tem muita gente que vem pra cá com o dinheiro contado de passagem, chega e encontra as portas fechadas, e não tem nem condições financeiras pra ir pra outro hospital. Poderia ter pelo menos uma ambulância para pegar as crianças e levar para outra unidade, mas nem isso tem. É o mínimo que deveriam fazer", falou.
Também há pouco mais de uma semana, a demora no atendimento no PA Infantil causou revolta e a polícia teve que ser chamada para apartar a confusão entre familiares de pacientes e funcionários.
Pelo levantamento da Prefeitura de Cariacica, a cada dois dias pelo menos um médico não vai trabalhar. Em 180 dias foram 115 faltas.
A secretária de Saúde de Cariacica esteve no PA Infantil de Alto Lage na manhã deste sábado. Ela explicou que, apesar de ter mais de 30 pediatras efetivos no município, não foi possível fechar a escala deste fim de semana.
"Não foi possível por diversas questões. Primeiro porque segunda-feira é o dia de mais demanda, então o maior número de profissionais se concentra na segunda. Nos outros dias, reduz o número de profissionais e nem sempre todos querem trabalhar final de semana e à noite", disse a secretária Elizabeth Pinheiro de Albuquerque.
A secretária também explicou que já está buscando uma solução para esse problema.
"Nos últimos seis meses, desde outubro, a gente vem trabalhando com editais de chamamento de profissionais médicos, mas as respostas a esses editais têm sido muito pequenas. Nós estamos tentando construir outras estratégias para não termos mais problemas nessa escala de final de semana", falou.
O SINDICATO DOS MÉDICOS
O Sindicato dos Médicos do Espírito Santo enviou uma nota para se posicionar sobre o problema e informou que o desrespeito com a população é por parte da Prefeitura de Cariacica.
"A situação de hoje estampa a realidade da gestão municipal do município de Cariacica. Muitas mentiras para encobrir a negligência, incompetência e omissão da realidade da saúde pública de Cariacica", diz a nota.
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O sindicato ainda pede que o Ministério Público Estadual (MP-ES) faça uma intervenção na Saúde de Cariacica e que há um problema de gestão.
"Fechar a unidade de Alto Lage não resolve o caos. Colocar a responsabilidade no médico servidor é covardia", diz a nota.
ESCALA DE MÉDICOS
A secretária de Saúde explicou explicou sobre as faltas não justificadas de médicos e as dificuldades em fazer as escalas de trabalho: em 180 dias deste ano foram 115 faltas.
"O que dificulta é que temos dias de maior demanda e dias de menor. Muitas vezes não conseguimos fechar a escala porque nem sempre o profissional tem disponibilidade para atender todas as nossas necessidades. Ele tem um conjunto de outros compromissos que precisa dar conta. Estamos nos organizando cada vez mais para que não haja furo nas planilhas de escala. Vamos continuar trabalhando para que todos assumam essa responsabilidade coletivamente", afirmou.
O presidente do CRM-ES, Celso Murad, declarou que o Conselho identificou somente um atestado entregue na unidade em 2019.
GASTO COM SAÚDE PÚBLICA EM CARIACICA
Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontou que Cariacica gasta R$ 139,61 ao ano com saúde para cada morador do município. O valor investido na cidade é muito menor em comparação com a média nacional, que é de 403,37 por pessoa.
Os números referentes ao município, segundo o conselheiro do CFM, Paulo Gouvea, indicam que falta investimento na saúde básica de Cariacica, uma vez que ele considera o valor abaixo do ideal.
"A falta de investimento básico na saúde e a falta de infraestrutura básica na saúde faz com que as pessoas adoeçam mais e isso vai refletir lá no Pronto Atendimento. Onde tem rede de esgoto, urbanização e qualidade melhor de vida, incluindo o lazer, as pessoas adoecem menos e vão sobrecarregar menos as unidades básicas. A média nacional já é baixa e Cariacica consegue superar isso. Cariacica, cronicamente, vem investindo pouco na atenção básica na saúde", explicou.
A Prefeitura de Cariacica, por sua vez, declarou que o valor é baixo porque tem a menor arrecadação do Espírito Santo, mas que investe acima do mínimo obrigatório pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
"A nossa população cresceu muito e já estamos chegando a quase 400 mil habitantes. Isso faz com que haja uma pressão na demanda, aliado que 92% dos moradores de Cariacica dependem exclusivamente do SUS, e esse é um dado do próprio Ministério da Saúde", justificou a secretária de Saúde.
Em resposta à crítica feita pelo conselheiro federal Paulo Gouvea sobre a ausência de uma boa infraestrutura na saúde básica do município, a prefeitura informou que pretende reformar e informatizar as unidades de saúde.
'FALTA DE GESTÃO'
Na segunda-feira (15), a reportagem da TV Gazeta mostrou que o atendimento médico no Pronto Atendimento de Alto Lage, em Cariacica, foi interrompido durante a noite. penas dois profissionais atendiam no setor de Urgência e Emergência, prejudicando o atendimento de pessoas que apresentavam casos menos emergentes, conforme classificação do SUS.
Na terça-feira (16) o problema voltou a se repetir na unidade. Pessoas aguardavam do lado de fora do PA na expectativa de que o local fosse reaberto, o que só aconteceu por volta das 7h30.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Celso Murad, a escala médica do PA de Alto Lage é cheia de buracos por falta de gestão.
Ele ainda criticou o salário oferecido pelo município de Cariacica aos médicos. Pelo edital da prefeitura, para 20 horas semanais o médico recebe R$ 2.576, além de insalubridade e produtividade, o que é condenado pelo CRM-ES.
"No PA de Alto Lage são atendidos 1 mil pacientes por dia e quem atende são os médicos. O salário de lá é R$ 2.576, mais R$ 399 de insalubridade, e eles recebem uma gratificação, que pela média de atendimento, extrapolando o atendimento dele para se conseguir no horário, atinge R$ 600, o que durante o mês dá R$ 2.400. Isso aí dá um pouco mais de R$ 5 mil por mês de salário bruto para atender uma média de mil pacientes por dia. Essa remuneração não existe, não bate com os dados. A carga horário deles é de 20 horas semanais e eles dão mais quatro horas semanais por produtividade quantitativa, que é quando mais atender mais ganha. Isso pode prejudicar o atendimento", pontuou Celso Murad.
A Prefeitura de Cariacica, mais uma vez, rebateu as acusações. A Secretaria de Saúde informou que pelo Portal da Transparência uma médica que atua no PA de Alto Lage, por exemplo, recebeu no mês de março R$ 10.270,90 já com descontos, para trabalhar 20 horas semanais.
"A gente tem que entender que a composição salarial não é só o salário base. Mas, além disso, na composição entra a gratificação de produtividade, insalubridade, auxílio alimentação e os médicos que trabalham no turno noturno ainda têm o adicional de noturno. Mas o valor é muito maior do que R$ 5 mil", disse a secretária de Saúde de Cariacica, Beth Albuquerque.
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