As investigações do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) acabaram com parte de um esquema que movimentava milhares de reais e centenas de selos e assinaturas falsas que endossavam diplomas forjados que atestavam até pós-graduação. O órgão identificou que esses documentos, que eram vendidos por até R$ 6 mil, podem ter enganado processos seletivos de 31 prefeituras do Estado. Ao todo, 13 pessoas já foram presas no Espírito Santo, 6 empresas foram fechadas e dois funcionários de duas faculdades do Norte do Estado foram denunciados.
Mas o esquema todo pode ser muito maior. A mesma investigação, coordenada pelo MPES, deve ganhar reforço da polícia e do Ministério Público Federal (MPF). É que os dados apontam que instituições do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Roraima e Amapá estão envolvidas na emissão dos diplomas e também precisarão ser investigadas. "Por isso o MPES está compartilhando a investigação com a polícia e o MPF. Precisamos saber o grau de envolvimento de cada indivíduo nas vendas dos documentos", declara Bruno de Freitas, promotor do caso, em entrevista à TV Gazeta.
Tudo começou quando a controladora da Prefeitura de Rio Bananal, Mauriceia Dalbem, no interior do Estado, percebeu que alguma coisa estava errada em documentação entregue durante um processo seletivo.
Depois que decidiu ir a fundo, a repartição identificou 27 irregularidades em diplomas do município. "Têm casos grotescos. Professor que dá aula aqui, morador daqui e tem graduação em Virginópolis (MG), mas nunca estiveram lá. Casos em Tocantins também, mas de gente que nunca esteve lá. De faculdades presenciais mesmo", detalha.
Apesar disso, a prefeitura vai manter uma comissão especial para varrer todos os documentos que os servidores já entregaram no órgão para ter certeza de que não há nenhum mais com possibilidade de ser irregular. Documentos a que a reportagem teve acesso mostram histórico escolar de um curso de graduação em Português e Inglês de uma aluna que estava na Alemanha enquanto corriam as aulas. Outro diploma é de uma pessoa que nunca frequentou as aulas, mas recebeu o documento regularmente.
"São professores de Matemática, Português, Educação Física que iam às aulas sem preparo. Imagina se um professor desse entra em sala de aula, sem curso... Ele pode lesionar uma criança", conclui.
"SÓ MANDEI RESENHAS"
Segundo o MPES, o esquema que foi descoberto em Rio Bananal é só parte de uma organização criminosa muito maior. Até agora, já foram identificados cerca de 4 mil documentos falsos que foram entregues a pessoas que não têm qualificação, como é o caso de Maria das Graças Gava, que não frequentou cursos e possui segunda licenciatura em História. Ela, inclusive, foi sócia do esquema de venda de diplomas e chegou a ser presa entre julho e agosto do ano passado. Questionada em seu depoimento ao MPES se havia feito alguma aula, ela é enfática: "Nenhuma".
Assim ela também adquiriu certificados de pós-graduação e cursos de extensão. "Curso de extensão em Educação Ambiental? A senhora fez aula disso aqui?", questiona o promotor, que ouve em seguida: "Isso aí eu só mandei as resenhas". A resposta se repete para um curso de extensão em Alfabetização e Letramento, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial Inclusiva.
Em seu depoimento ao MPES, Maria das Graças confessou que conseguia os documentos, inclusive, para outras pessoas. Isso porque ela era sócia de um instituto de ensino. Segundo o órgão, algumas dessas entidades até organizavam aulas, mas não forneciam o conhecimento necessário aos alunos.
"Havia aulões aos sábados de matérias conjuntas de vários cursos de pós-graduação e segunda licenciatura para dar um ar de legitimidade ao esquema, mas eram aulões muito gerais que não formavam ninguém", confidencia o promotor.
DESCONFIOU DE AULAS
Após se matricular em um curso de pós-graduação, a comerciária Terezinha Bissoli achou algumas aulas estranhas e acabou se livrando de ser enganada e ter um diploma falso. As aulas, segundo ela, eram em um prédio de Rio Bananal e o que mais chamou a atenção dela na grade curricular era o fato de várias pessoas de cursos diferentes estudarem na mesma sala.
"O tempo foi dado de maio a outubro e as aulas eram feitas uma vez por mês, de 7h às 9h30. Não acho que seria o tempo suficiente, porque uma pós-graduação não dura menos que um ano e aqui bastavam seis aulas e o diploma já estava na sua mão", fala.
Para a comerciária, faltou muito para o curso oferecido poder caracterizar uma pós: "Só que a divulgação dela e do trabalho que foi feito 'passou a lábia' em muita gente, porque em Rio Bananal as pessoas são simples e se você vier aqui falar eles vão acreditar", continua.
COMO FUNCIONA A VENDA DE DIPLOMAS FALSOS?
Conforme apurou a reportagem, diplomas em branco assinados por diretores de faculdades e selos de autentificação dos documentos foram apreendidos na sede de um instituto de ensino. Para os promotores do MPES, essas são provas do esquema criminoso que funciona assim: o instituto reúne pessoas interessadas em certificados e diplomas. Depois, adquire esses documentos em faculdades envolvidas no esquema. Em seguida, o instituto vende os diplomas para os alunos e repassa parte do dinheiro para as faculdades.
Informações dão conta de que o instituto em que foram apreendidos os materiais vendia o diploma por valores que estavam entre R$ 900 e R$ 1,1 mil, mas eram repassados R$ 250 para a faculdade que emitia o documento. Para certificados de segunda graduação e outras áreas do magistério, o instituto saltava o valor para R$ 5 mil ou R$ 6 mil e o valor que repassava às escolas era de até R$ 2 mil por falsificação.
INVESTIGAÇÃO NÃO INIBIU ESQUEMA DE FRAUDES DE DIPLOMAS
Mesmo com a divulgação das investigações, a tentativa de fraude continua no Estado. Neste ano, a Prefeitura de Rio Bananal precisou contratar professores e decidiu fazer um processo seletivo para isso. 477 pessoas se inscreveram, mas 71 foram eliminadas de cara devido a irregularidades em diplomas e certificados de conclusão de cursos.
Para fazer uma vistoria em todos os documentos de todos os servidores, a prefeitura montou uma comissão especial presidida por Aparecida Oliose. Segundo ela, já foram verificados casos em que o pessoal nem sequer apresentou documentação. "Temos casos de pedagogos que não apresentaram a documentação, professores de Letras, Português, Matemática... É muito grave. Ele não é um profissional, ele não tem os pré-requisitos para o cargo que ele se efetivou", justifica.
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