Sessenta e um menores apreendidos no complexo Uninorte que reúne as unidades de internação de adolescentes em situação provisória e definitiva em Linhares, Norte do Estado começaram a ser liberados na tarde desta terça-feira (4). Outros 200 vão ter o mesmo destino até o próximo dia 21, totalizando 261 menores que cometeram atos infracionais retornando a seus municípios de origem.
Dentre os que estão sendo liberados estão jovens que foram internados por cometerem atos infracionais variados, como os que envolvem latrocínio roubo seguido de morte , homicídio, estupro, roubos qualificados.
As liberações estão ocorrendo após o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão inédita, determinar, em agosto, que a superlotação nas unidades de internação do Norte do Estado seja reduzida a 119% da capacidade. A decisão implica em retirar do complexo um total de 261 adolescentes. Há anos, a Uninorte vem atuando com superlotação, em três vezes a sua capacidade.
Os menores vão retornar para as suas cidades de origem, 31 municípios do Norte do Estado, cujas internações são executadas no complexo Uninorte, em Linhares.
O juiz da 2ª Vara da Infância de Linhares, Carlos Abad, informou que vai cumprir a determinação do STF dentro dos 30 dias estabelecidos, iniciados no dia 21 de agosto. Antes, solicitei informações sobre a situação das unidades de internação do Estado, para ver se tinham capacidade de receber jovens de Linhares. Mas também estão com suas capacidades esgotadas. Existem poucas vagas nas casas de semiliberdade de Vila Velha e Serra que também não podem ficar superlotadas, explicou.
Em decorrência disso ele começou, na tarde desta terça-feira, a liberar os alvarás de soltura dos jovens internados em Linhares. Os trabalhos na unidade foram acompanhados de perto pelo próprio juiz. Parte dos que estão sendo liberados já estava próximo ao término do cumprimento de sua medida de internação. Os outros vão cumprir o restante da medida em meio aberto, na chamada liberdade assistida ou prestando serviços para a comunidade.
Para liberar os jovens internados, o juiz se pautou nas avaliações feitas pelas equipes socioeducativas das unidades da Uninorte definitiva e provisória. Eles fazem, regularmente, avaliações ordinárias destes jovens. Solicitei que fizessem avaliações extraordinárias dos que estivessem em condições de serem liberados. É nelas que vou me pautar para a concessão dos alvarás de soltura, explicou o juiz Abad.
FUTURO
O acompanhamento destes jovens em suas comunidades ficará a cargo das administrações municipais, por intermédio dos Centros de Referência em Assistência Social, (Cras) ou similares municipais. Serão estes órgãos que vão traçar o planejamento individual para os menores, no cumprimento das medidas, que incluem ainda a obrigação de frequência escolar.
Os casos de descumprimento das medidas vão ser comunicados ao juizado de cada cidade, que informará ao juiz Abad, responsável pela execução das medidas. Nestas situações eles voltam a enfrentar uma audiência para avaliar a sua situação, que pode culminar em uma nova internação por até 90 dias.
ENTENDA
2015
Construção
Decisão do juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares determinou a construção de novas unidades de internação em Linhares. O motivo é a superlotação do complexo que atende a todos os municípios do Norte do Estado. O Tribunal de Justiça suspendeu a decisão.
2017
Superlotação
Levantamento realizado por A GAZETA mostrou que das 13 unidades de internação de menores no Estado, só em quatro não havia superlotação. O pior caso era o da Unis Norte, em Linhares, onde viviam 243 jovens, num espaço com apenas 90 vagas.
Agosto de 2018
STF
Em decisão inédita, o Supremo Tribunal Federal determinou, em recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado, que a superlotação nas unidades de internação do Norte do Estado seja reduzida a 119% da capacidade.
Setembro de 2018
Liberação
O juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares decidiu liberar um total de 261 jovens internados para cumprir a decisão do STF.
"MEU FILHO VAI SER UMA NOVA PESSOA"
Na tarde desta terça-feira, o servidor municipal João Henrique dos Santos, de 56 anos, era só alegria. O filho dele, internado no complexo Uninorte, em Linhares, é um dos que será beneficiado pela decisão judicial que determinou a liberação de 261 menores lá apreendidos.
Para o pai que vivenciou uma verdadeira saga para retirar seu filho da unidade, há um só certeza: Meu filho vai ser uma nova pessoa, garante. Sua preocupação era de que ele não sobrevivesse ao período de internação exatamente em decorrência dos riscos que a superlotação impõe à unidade. Meu medo é de que ele morra em um motim, declarou João à reportagem em abril deste ano.
Na tarde desta terça-feira ele foi até o complexo, assim que viu no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) a liberação do alvará de seu filho. Mas hoje (terça) começaram a liberar os da unidade de internação provisória. Amanhã (quarta) ele será solto, relata, animado.
A luta de João pelo jovem que hoje está com 18 anos é antiga. Ele o conheceu quando tinha dez anos e já fazia uso de drogas. Se encantou com a criança e foi na casa dele que a mãe praticamente o abandonou. Um dia ela me ligou e falou: Leva ele para sua casa. Estava com problemas com o novo marido.
Desde então começou a saga para obter a guarda, mas o máximo que João conseguiu foi uma guarda provisória. Quando o prenderam não me deixavam vê-lo. Diziam que eu não era parente. Mas ele conseguiu provar o contrário. É o único que sempre visitou o adolescente. Vou duas vezes por semana. Não falto um dia, para poder dar força. É o único amigo que tenho. Há dez meses estou preso, junto com ele, diz, desolado.
E no mês de abril João obteve sua primeira vitória. A partir de uma mudança na legislação, conseguiu mudar a certidão do jovem e incluir seu nome como pai socioafetivo. Agora posso representá-lo em qualquer canto do Brasil, diz com orgulho, mostrando a nova certidão do filho.
E é com o poder e o carinho de pai que pretende mudar a vida do jovem que se perdeu na caminhada. Ele me falou que quando sair não vai mais andar com más companhias, relata.
Para se certificar disso, João já está providenciando os documentos do filho para fazer a matrícula na escola. Ele vai estudar no mesmo colégio em que estudo. Vai concluir os estudos, conta o pai que a voltou a estudar a pedido do filho, o mesmo que vai agora levar de volta à sala de aula.
Pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a superlotação no complexo Uninorte, em Linhares, não pode superar aos 19%. Em decorrência disso é que 261 jovens lá internados estão sendo liberados.
A preocupação agora é com as internações futuras, uma vez que a unidade ficou em seu limite máximo. O juiz Carlos Abad, da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares, já adiantou que vai manter o limite determinado pelo STF. A lotação não ultrapassará os 110%, conforme foi estipulado, destacou.
Os casos futuros, segundo o juiz, vão ser avaliados individualmente. Quando um novo adolescente precisar ser internado, outro terá que sair. Mas farei a liberação seguindo o relatório das equipes socioeducativas do Iases, relatou.
Ele não descarta a possibilidade até de fazer um recurso, em casos extremos, ao próprio STF, para os casos em que for necessário liberar um menor e os relatórios da equipe socioeducativa não for favorável à soltura. São dilemas futuros que vão ser analisados no momento adequado, informou.
DEFENSORIA
De acordo com Renzo Gama soares, do Núcleo da Infância da Defensoria Pública do Estado, a maioria dos jovens liberados já estavam com na fase final do cumprimento de suas medidas. Houve uma progressão da medida. Antes estavam internados, agora vão para uma liberdade assistida ou prestar serviços a comunidade. Tudo sendo acompanhado. Vão continuar sob os olhos do Estado, destacou.
Ele explica ainda que os jovens vão ter horário para chegar em casa, não poderão cometer novas infrações, e vão ser obrigados a estudar. Tudo fiscalizado pelos órgãos sociais dos municípios de cada um deles, onde ocorreu o ato infracional.
Caberá aos municípios, por exemplo, decidir onde os jovens devem prestar serviços para a comunidade, em quais locais e horários. São os centros de referência em assistência social que vão acompanhar os jovens e informar, em relatórios, a situação de cada um deles para a Justiça estadual, explicou.
Ele avalia ainda que a maioria dos 31 municípios do Norte do estado, atendidos pelo complexo Uninorte, estão preparados para receber os jovens. Serão poucos jovens que retornam para cada cidade. Não haverá um grande impacto, por exemplo, no setor educacional, relata.
Na avaliação de Renzo, muitas das medidas de internação aplicadas para a Uninorte poderiam ser substituídas por outras, em meio aberto. A opção pela internação deve ser o último caso, pondera.
Por nota o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases) - responsável pela gestão do complexo Uninorte informou que irá cumprir as decisões judiciais.
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