Com a liberação dos últimos 63 adolescentes, que visa reduzir a superlotação das unidades de internação do complexo Uninorte, em Linhares, ganha corpo outra preocupação: como manter o limite máximo de 119% que foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma dificuldade que o próprio Estado admite. Em resolução publicada no Diário Oficial desta segunda-feira (17), da Secretaria de Trabalho e Assistência Social (Setades), é dito: As demais unidades de internação do Estado não possuem taxa de ocupação inferior a 119%, impossibilitando a transferência dos adolescentes de Linhares para outras unidades, diz o texto.
Por outro lado, não há intenção do governo em construir novas unidades de internação, como relatou o secretário de Estado de Direitos Humanos, Leonardo Oggioni. A ideia não é aumentar o número de vagas, mas trabalhar as desinternações, disse.
Em entrevista concedida em agosto, quando foi divulgada a decisão do STF, Oggioni ponderou ainda que a internação deve ser a última medida a ser aplicada. Queremos incentivar os outros meios, em especial o meio aberto, assinalou.
SOLTOS
Com os 63 alvarás de soltura que vão ser assinados até a próxima quinta-feira, chega-se a um total de 261 menores liberados das unidades de internação provisória e definitiva do complexo Uninorte, em Linhares. Nos últimos anos, elas chegaram a alcançar três vezes o seu limite de ocupação.
Em decorrência disso, o STF, em decisão inédita, em agosto, estabeleceu um limite de superlotação. Desde então o juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares, Carlos Abad, começou a liberar os adolescentes internados no complexo.
O critério de liberação por ele adotado tem sido o de acompanhar as avaliações feita as equipes socioeducativas. Solicitei que fizessem avaliações extraordinárias dos que estivessem em condições de serem liberados. É nelas que tenho me pautado para a concessão dos alvarás de soltura, explicou o juiz.
São estas mesmas avaliações, assinala Abad, que vão respaldar as liberações que tiverem que ocorrer no futuro para que as unidades do complexo Norte não ultrapassem o limite estabelecido pelo STF. Tenho que ser justo e usar o mesmo critério para todos. Mas é fato que a demanda é frequente, pondera.
É uma situação que preocupa também o promotor Fabrício Admiral, de Linhares. Ele destaca que a decisão do STF está ancorada em uma regra simples: para cada menor que for internado, outro tem que sair.
O promotor acrescenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que pelos atos infracionais mais graves os menores sejam internados. Como escolher tirar os menos graves? E são situações que vão continuar acontecendo, assinala.
Para Renzo Gama Soares, defensor público que coordena o Núcleo da Infância da Defensoria Pública, a solução deve passar por uma mudança de comportamento dos magistrados das comarcas do Estado.
Ele relata que os juízes que concedem a internação para os menores, em geral, estão distantes da cidade onde a medida é cumprida. Muitos não acompanham a lotação das unidades. E acaba o juiz que faz a execução da medida de internação ficando em uma situação complicada. Todos vão precisar acompanhar de perto o limite de vagas para evitar a superlotação. Vão ter que considerar esta variável em suas decisões, pondera.
Pelo que já ocorreu em outras unidades do Estado, na Grande Vitória e no Sul, Renzo avalia com o tempo haverá uma estabilidade no complexo Uninorte. É um padrão que esperamos alcançar. Nesse limite a unidade terá condições mínimas de oferecer uma ressocialização ao menor, o que é difícil com níveis elevados de superlotação, observou.
MAIORIA DOS INFRATORES SOLTOS ROUBOU OU MATOU
Uma análise da situação jurídica dos primeiros 62 adolescente liberados das unidades provisória e definitiva do complexo Uninorte, em Linhares, demonstra o desafio que será manter o limite de superlotação estabelecido em 119% em decisão do Supremo Tribunal Federal.
A análise foi feita pelo promotor Fabrício Admiral, da Promotoria de Linhares. Pelas mãos dele passam todos os casos de liberação dos menores da Região Norte.
O levantamento aponta que, dos primeiros 62 internos que receberam alvará de soltura, a maior parte cometeu ato infracional grave ou gravíssimo. Um total de 42 praticaram roubo, quase todos com arma de fogo o que se chama normalmente de assalto à mão armada.
Outros 12 cometeram homicídio, cinco traficaram drogas com a utilização de armas de fogo e os outros 3 praticaram reiteradamente diversos atos infracionais de média gravidade, como tráfico de drogas, porte de arma de fogo e furtos.
Os números afastam, assinala o promotor, a afirmação de que se interna por qualquer motivo no Espírito Santo. Os atos infracionais citados acima são gravíssimos e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como adequada para esses casos a medida de internação. Portanto, a lei foi aplicada corretamente e os infratores deveriam ser mantidos em privação de liberdade, assinala Admiral.
Outro detalhe importante, destaca o promotor, é que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina que deveriam receber medida socioeducativa em meio aberto os adolescentes que praticam atos infracionais sem violência ou grave ameaça. O nosso levantamento revela que 54 dos 62 internos que já foram liberados, praticaram atos com violência ou grave ameaça (roubo e homicídio), disse Admiral.
É neste cenário que vão ser feitas as novas avaliações para que as unidades estaduais não fiquem superlotadas. Se fossem liberados os atos infracionais leves, sem violência ou grave ameaça, seria aceitável, destaca Admiral, que avalia estar faltando gestão pública.
O problema fica ainda mais sério, observa o promotor, em decorrência da falta de vagas ou do limite de superlotação. Daqui pra frente pode ser que não se consiga internar nem os adolescentes que praticaram os atos gravíssimos - como homicídio ou latrocínio -, como determina a legislação, por falta de vaga. É um problema seríssimo, relata Admiral.
A Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades) aumentou o valor destinado aos municípios para o atendimento dos menores que cumprem as medidas socioeducativas em suas cidades. a resolução foi publicada no Diário Oficial.
ENTENDA
2015
Construção
Decisão do juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares determinou a construção de novas unidades de internação em Linhares. O motivo é a superlotação do complexo que atende a todos os municípios do Norte do Estado. O Tribunal de Justiça suspendeu a decisão.
2017
Superlotação
Levantamento realizado por A GAZETA mostrou que das 13 unidades de internação de menores no Estado, só em quatro não havia superlotação. O pior caso era o da Unis Norte, em Linhares, onde viviam 243 jovens, num espaço com apenas 90 vagas.
Agosto de 2018
STF
Em decisão inédita, o Supremo Tribunal Federal determinou, em recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado, que a superlotação nas unidades de internação do Norte do Estado seja reduzida a 119% da capacidade.
Setembro de 2018
Liberação
O juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares decidiu liberar um total de 261 jovens internados para cumprir a decisão do STF.
A LOTAÇÃO DAS UNIDADES NO ESTADO
CSE
Vagas - 90
Lotação - 98
Metropolitana
Vagas - 90
Lotação - 110
Unip I
Vagas - 60
Lotação - 72
Unip II
Vagas - 60
Lotação - 71
Unip/Cachoeiro
Vagas - 60
Lotação - 79
Unip Linhares
Vagas - 60
Lotação - 163
Unis
Vagas - 90
Lotação - 90
Unis/Cachoeiro
Vagas - 90
Lotação - 113
Unis/Linhares
Vagas - 90
Lotação - 250
Semiliberdade/Serra
Vagas - 16
Lotação - 10
Semiliberdade Vila Velha
Vagas - 20
Lotação - 10
UFI (Única feminina do Estado)
Vagas - 36
Lotação - 20
Os dados de lotação das unidades datam de 21 de agosto deste ano, período da concessão da decisão do STF. Os dados, principalmente de Linhares, sofreram alteração em decorrência das liberações feitas pela 2ª Vara da Infância e Juventude de Linhares
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