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Transporte de cargas: o que é preciso para aumentar a segurança?

Transporte de cargas: o que é preciso para aumentar a segurança?

Melhorias na fiscalização e nas estradas é um dos cuidados

Publicado em 18 de junho de 2019 às 01:33

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Carreta envolvida em acidente que matou três pessoas de uma mesma família na semana passada na Serra. (Fernando Estevão/TV Gazeta)

Quem nunca prendeu a respiração ao passar de carro ao lado de um caminhão carregado? A sensação de insegurança causada pelo transporte de cargas é alimentada pelas muitas notícias trágicas protagonizadas por esses veículos. Para especialistas, o setor, fundamental para a economia do país e do Estado, enfrenta problemas. Melhorar esses fatores é urgente para minimizar os acidentes e reduzir mortes no trânsito envolvendo esse tipo de veículo.

Na semana passada, na BR 101, na Serra, três pessoas da mesma família morreram e um menino ficou gravemente ferido quando um caminhão carregado com uma pedra de granito tombou em uma curva. O motorista foi preso um dia depois por triplo homicídio doloso e uma tentativa de homicídio.

Segundo pesquisadores e especialistas do setor, há três eixos principais que devem ser aprimorados no transporte de cargas para evitar que casos como esse aconteçam: melhorias na via, fiscalização efetiva e atenção ao caminhoneiro.

ESTRADAS

“Nas nossas rodovias, precisamos de mais pontos de faixa adicional (terceira faixa ou duplicação), para mais facilidade de ultrapassagem. Quando há poucas opções, isso cria um estresse no motorista, e aumentam as chances de uma colisão frontal, que é o tipo de acidente mais grave”, afirma o consultor em segurança de trânsito da Federação das Empresas de Transportes do Estado (Fetransportes), André Cerqueira.

A duplicação das rodovias no Estado, que minimizaria esse tipo de colisão, avança a passos lentos. Na BR 101, por exemplo, apenas cerca de 8% do previsto em contrato de concessão foi entregue no tempo estipulado.

Estudo feito pelo Observatório Nacional de Segurança Viária mostra que as estradas precisam ser adaptadas para, nas palavras da entidade, “perdoar” erros dos motoristas. Em locais onde não seja possível uma área de escape adequada (outra pista ou acostamento amplo) para um veículo, cujo motorista perdeu o controle, realizar uma parada segura ou retomar o controle, seria preciso instalar dispositivos de contenção na lateral da rodovia, com tecnologias que diminuam o impacto.

Para Cerqueira, algumas ações que não têm custos muito elevados podem ser feitas, como melhorias na sinalização. “Há pontos de risco que precisam ser mapeados, principalmente as curvas perigosas. Hoje, quando a gente viaja, vê resto de caminhão que tombou em praticamente todas as curvas”, afirma.

FISCALIZAÇÃO

Outro ponto importante de melhoria diz respeito à fiscalização. Com efetivo reduzido, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – órgão que regulamenta o setor – não dão conta do fluxo de carga que atravessa o Estado. Em entrevista coletiva na semana passada, o inspetor da PRF Valdo Lemos informou que há déficit de agentes, mas que as operações são feitas para tentar inibir infrações e identificar irregularidades.

Esta semana, novos flagrantes de desrespeito às normas de trânsito mostram o perigo que esse tipo de transporte ainda representa para os próprios caminhoneiros e para terceiros. Em trecho de pista simples, carretas foram registradas indo na contramão, no Sul do Estado.

“É preciso uma conscientização de todo o setor. A responsabilidade do transporte é do caminhoneiro, do dono a carga, da agência reguladora, de todos. Deixar só por conta do poder público fiscalizar não é uma boa política”, avalia a coordenadora do laboratório de logística e transporte da Ufes, Marta Cruz.

A professora afirma ainda que, com pouca gente, a fiscalização é mais difícil sobre o caminhoneiro autônomo. “A empresa é mais fácil, a ANTT vai lá, multa se necessário. O autônomo é mais complicado. Não tem efetivo para isso”, diz.

Para o consultor da Fetransportes, o problema da falta de pessoal dificilmente será resolvido com rapidez e isso implica em uma dificuldade em manter as ações de forma permanente, inclusive as educativas.

LEGISLAÇÃO

O terceiro eixo a ser aperfeiçoado diz respeito aos motoristas. Uma legislação de 2012, alterada em 2015, permitiu que caminhoneiros de empresas trabalhem até 12 horas por dia, com apenas oito horas de descanso ininterruptas. No entanto, a mesma lei exige que as empresas mantenham registro dessa carga horária, o que nem sempre é cumprido (veja mais abaixo).

Para Cerqueira, a solução passa por uma ação conjunta. “O poder público tem responsabilidade nisso, nenhum país no mundo melhorou sem atuação do poder público. Tem a responsabilidade do motorista, que precisa entender que não é uma máquina. As empresas têm um papel muito importante; a impressão que temos é que programas de gestão e segurança de trânsito não são pauta prioritária de uma parte delas”, avalia.

PONTO A PONTO 

Estradas

Melhorias

É preciso mapear áreas de maior risco, além de oferecer mais pistas para facilitar a ultrapassagem e evitar colisões frontais.

Fiscalização

Falta de pessoal

Com poucos agentes, PRF e ANTT não conseguem fiscalizar a todos. A falta de pessoal afeta também ações educativas.

Motorista

Trabalho e descanso

É preciso criar mecanismos mais rígidos de controle da carga horária dos motoristas.

LEI PERMITE 12 HORAS AO VOLANTE POR DIA

A mesma legislação que autorizou motoristas de caminhão a trabalhar até 12 horas por dia, com intervalo de apenas oito horas entre uma jornada e outra, também passou a exigir que empresas empregadoras guardassem registro da jornada de trabalho dos funcionários. No entanto, em muitos casos isso não acontece. “Boa parte das empresas ainda não adota esse controle, simplesmente não tem controle algum.” A informação é do auditor fiscal do trabalho Bernardo Velasco, que participa de um grupo especial de fiscalização de trabalho em transportes (Getrac).

A lei é de 2012 e visa a regulamentar alguns aspectos da profissão de caminhoneiro. As empresas que têm algum controle da jornada dos funcionários o fazem através de tabelas impressas preenchidas pelo próprio motorista. Em comparação, na Europa, caminhoneiros só podem trabalhar até nove horas por dia e precisam descansar 45 minutos a cada quatro horas e meia ao volante. No Brasil, é permitido descanso de 30 minutos a cada cinco horas e meia.

Segundo Velasco, a falta de controle abre brechas para jornadas exaustivas, de 15 horas ou mais, segundo constatado em fiscalizações, e tempos de descanso menores do que o exigido. Isso acaba levando alguns a consumir drogas como o rebite, que inibe os efeitos do cansaço. Mas esse uso traz riscos ao motorista e aos demais usuários das rodovias. “Não há estudos específicos, mas pelos efeitos conhecidos das drogas e da privação de sono, é óbvio que pode provocar acidentes. Tira o reflexo do motorista, deixa ele sem atenção e isso está relacionado a acidentes”, diz.

Para o auditor do Trabalho, é preciso criar formas de controle mais fidedignas. “É necessário regulamentar uma forma de controle eletrônico, inclusive vinculado com rastreamento via satélite, que já existem nas empresas, já que os veículos são rastreados”, avalia.

Quem fica em situação ainda mais vulnerável são os caminhoneiros autônomos, visto que essas regras só valem para os caminhoneiros empregados. “Como não tem empresa por trás para cobrar que faça as pausas, ele pode prestar o serviço da forma como entender melhor”, afirma Velasco.

SEM PARÂMETROS

Para o diretor do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Estado (Transcares), Liemar Pretti, a regra estipulou a necessidade do controle mas não forneceu os parâmetros para que esses registros fossem feitos. ”O ministério (da Economia, que absorveu atribuições do Ministério do Trabalho) não pode transferir a responsabilidade para os empresários. Tem que fazer a lei e mostrar como fazer para que a fiscalização seja eficiente. Senão é só uma lei para gerar multas”, diz.

Pretti diz que na época da implantação da lei sobre controle de jornada foi difícil. “Até a empresa enxergar que a conscientização é um bem para o negócio, demora. Ainda há empresas que não estão conscientes”, afirma. Ele destaca que o ideal é que a lei deixasse menos brechas para interpretação.

DNIT NÃO RESPONDE DE NOVO

Após seis dias de espera, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ainda não respondeu aos questionamentos de A GAZETA sobre o funcionamento das duas balanças móveis do órgão no Estado.

No início de maio, os aparelhos foram interditados pelo Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) após reclamações dos setor de rochas. Foi constatado que os equipamentos estavam descalibrados, marcando peso diferente do que os efetivamente levados pelos caminhões.

Na semana passada, o Ipem informou que as balanças haviam passado por reparos em empresa credenciada no Inmetro. No entanto, apenas o Dnit pode informar se eles voltaram a ser utilizados após os ajustes.

A reportagem entrou em contato por e-mail e telefone na última quarta-feira e vem cobrando resposta desde então.

Quando foram interditadas, as balanças móveis estavam instaladas na BR 259, em Colatina e em João Neiva.

Também foi tentada uma entrevista com o superintendente do Dnit no Espírito Santo, Romeu Scheibe, para falar sobre o transporte de cargas no Estado, mas, de novo, não houve resposta.

FORÇA TAREFA SEM MEDIDA EFETIVA

Uma força-tarefa criada em 2017 – após o acidente na BR 101 que vitimou 11 integrantes de um grupo de dança folclórica de Domingos Martins – chefiada pelo Ministério Público do Estado (MPES) pouco avançou. O objetivo do grupo era discutir a fiscalização, regulamentação e conscientização do setor de rochas. No entanto, poucas medidas efetivas foram anunciadas.

Integram o grupo representantes do Sindicato das Indústrias de Beneficiamento de Mármore e Granito (Sindirochas), Transcares, Polícia Militar, Dnit e Polícia Rodoviária Federal, entre outros.

Na ocasião do lançamento do grupo, uma das propostas anunciadas foi o uso de ferramentas de georreferenciamento para controle de toda a cadeia produtiva do setor de rochas, das pedreiras, onde é feita a extração, ao destino final para beneficiamento. No entanto, dois anos depois, o projeto ainda não saiu do papel.

Em nota enviada na última semana, o MPES afirmou que foram realizadas “diversas reuniões” até o momento. Segundo o órgão, como resultado dessas reuniões, as abordagens a caminhões nas rodovias foram intensificadas. No entanto, não foram dados detalhes sobre as fiscalizações.

OPINIÃO DA GAZETA

A lei no caminho

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Enquanto a fiscalização for tão insuficiente, com hora e data marcada para ocorrer, abusos quase inacreditáveis como blocos de granito empilhados, sem amarração, continuarão tendo passe livre nas estradas. Da mesma forma, a falta de controle sobre a carga horária de trabalho de caminhoneiros coloca vidas em risco por puro descaso. Tanta negligência acumulada só é contida quando a lei sai do papel.

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