"Eu só quero que achem o corpo do meu marido para que ele tenha um enterro. Se eles não me derem isso, vai ser a mesma coisa em janeiro do ano que vem: mais um ano que vou ter sem ele". Em meio ao desabafo, Rosemar Pinheiro conta o drama de viver há um ano sem notícias do marido, Uberlândio Antônio da Silva, de 54 anos. Ele e outras dez pessoas continuam desaparecidas desde 25 de janeiro de 2019. A data marca o dia em que a barragem de rejeitos de minério da mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu e a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, aconteceu.
Há um ano, todos os dias, às 18h, Rosemar acende uma vela e reza pelo marido desaparecido em meio à lama da Vale. O mecânico de empilhadeira estava em Brumadinho com as compras da casa, que fica no município capixaba da Serra, quando a barragem de rejeitos se rompeu e levou consigo tudo o que estava a sua frente.
O desabamento da barragem tirou a vida de pelo menos 259 pessoas, de acordo com o boletim da mineradora. Na ocasião, a família do mecânico chegou a ir à cidade em busca de respostas, mas voltou sem qualquer informação do paradeiro da vítima, e assim continua até hoje.
Rosemar e os quatro filhos dela viviam com Uberlândio há 15 anos, mas só se casaram no papel em 2014. Parte deste documento que guarda as lembranças das conquistas que teve com o marido, hoje já não existe. Em uma noite, pouco tempo após a tragédia de Brumadinho, ela colocou o papel plastificado sobre uma mesinha no quarto. Ao acender uma vela para rezar, pegou no sono. Quando acordou, aquilo estava pegando fogo.
Segundo Rosemar, dos quatro filhos que tem, apenas os dois meninos que são menores de idade continuam morando na casa com ela. Já as duas meninas, que são maiores de idade, não aguentaram continuar no local sem o pai e foram embora. "A Vale não quer reconhecer meus filhos como do meu marido porque eles não têm o mesmo sangue que o Uberlândio, mas o amor entre eles sempre foi de pai e filhos", relata.
O último contato do capixaba foi com a esposa Rosemar Pinheiro foi na noite anterior à tragédia. Neste mês de janeiro, a dor causada pela ausência do marido se intensificou com a lembrança do que ocorreu. "Estou tomando calmantes há cinco dias. Estou dormindo dia e noite para não pensar nisso. Para não pensar na perda dele e que não tenho nenhuma notícia desde então", desabafa.
Em meio a tantas lembranças, a da lama soterrando a cidade é uma das que mais a abala. Após a tragédia, Rosemar se deslocou para Brumadinho em busca de respostas, mas não conseguiu. Hoje, com as chuvas que deixaram cidades do Estado submersas e cheias de lama, a imagem de Brumadinho se repete em sua memória.
Rosemar conta que até o momento não recebeu nenhuma ajuda financeira da Vale, além do salário que o marido recebia. Toda a indenização dada pela empresa foi direcionada às filhas de sangue de Uberlândio e à mãe dele. "Sou casada com Uberlândio Antônio da Silva e sou a única esposa dele. Ele pode ter trinta filhos, mas sou a única esposa dele, casada no papel. A Vale está fazendo descaso comigo e com meus quatro filhos, que eram dependentes dele", afirma.
Ela lembra que mandou uma cópia da certidão de casamento para provar o matrimônio, mas que o documento foi ignorado pela mineradora. "Eu não luto pelo dinheiro, mas sim para que a Vale reconheça e me trate com dignidade. Eu trocaria tudo, qualquer dinheiro, pela vida dele", diz.
Por nota, a Vale afirmou que foi realizada uma "doação no valor de R$ 100 mil, destinada à filha menor de idade de Uberlândio Antônio da Silva, através de sua responsável legal, seguindo os critérios de concessão estabelecidos".
Além disso, disse que "a empresa enfatiza que em 15 de julho foi celebrado acordo com o Ministério Público do Trabalho, que estabelece os parâmetros para as indenizações trabalhistas. Até o momento, mais de 97% dos 250 familiares de empregados (próprios e terceiros) já celebraram acordos. Respeitando a privacidade dos familiares, a Vale não detalha casos específicos de atendimento".
As informações sobre o acordo com o Ministério Público do trabalho estão disponíveis no site da empresa.
Última atualização em 22 de janeiro de 2020
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