Na última quarta-feira (19), a auxiliar de serviços gerais Maria Madalena dos Santos, de 38 anos, foi vítima de agressões do marido que a levaram à morte. Ele não aceitava a separação que a mulher havia pedido, chegou a ameaçá-la e em seguida partiu para a violência até matá-la. Maria Madalena é uma das milhares de mulheres que compõem a estatística que torna o Brasil um dos países que mais mata mulheres sem nem contar com os números de violência doméstica.
Mas, se não bastasse, o Espírito Santo continua com índices altos de feminicídio. Dentre os casos, há mulheres que retiram queixas, outras que decidem nem levar a reclamação à polícia e outras que escondem as agressões até de vizinhos e família com medo de que algo pior possa acontecer.
Mas o que o cidadão comum e as vítimas podem fazer para denunciar e tentar combater o problema? O Gazeta Online conversou com a delegada Michelli Meira Costa, que é gerente de proteção à mulher da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp) para tirar as dúvidas mais comuns e explicar como é o processo de denúncia no Estado.
A maioria não solicita medida protetiva, diz ela, por exemplo, indicando que o feminicídio só será combatido com uma ação conjunta entre vítima, sociedade e polícia para investigar os casos. De acordo com a delegada, muitas mulheres ainda têm medo de denunciar, mas quanto mais recursos de proteção são criados, mais coragem elas têm de levar as queixas à frente.
Por que a mulher não leva a investigação à frente?
Muitas vítimas até procuram a delegacia, mas por diversos motivos decidem ou retirar a queixa ou não ir à frente com o inquérito. Temos que entender que muitas delas são envolvidas emocionalmente com os agressores ou dependem deles para sobreviver, já que em alguns casos elas são dependentes até financeiramente dos maridos e companheiros.
O que aconteceria no mundo ideal?
A gente entende que quando o relacionamento está abusivo a ponto de ela ir à delegacia fazer o BO, o ideal é que ela continue o processo de alguma maneira. Quando elas chegam à delegacia a orientação é dada, mas a decisão é muito pessoal. No mundo ideal, elas dariam continuidade a todo o processo.
E o que elas justificam?
Já trabalhei muito em plantão e elas falavam que queriam só que déssemos um susto no agressor para ele mudar. Muitas querem continuar no relacionamento, porque gostam dele, mas ele por diversas vezes manifesta um comportamento violento.
Querer mudar o comportamento representa risco?
A violência é progressiva. Querer mudar o comportamento do agressor é o grande risco dessas situações. Muitas vezes tudo começa com um xingamento. Depois ele toma o celular ou a proíbe de sair, depois parte para a agressão física e muitas vezes é nesse ciclo que se chega à morte.
Atualmente, como a mulher agredida no Espírito Santo começa o processo de denúncia?
A mulher sofre a violência, vai à delegacia especializada e faz o BO. Nesse momento ela já pode solicitar a medida protetiva. Ela também é informada sobre a Patrulha Maria da Penha, que a Polícia Militar (PM) vai à casa da vítima para verificar se a medida protetiva está sendo cumprida. Ela pode ser incluída em todos esses programas, só depende da vontade dela. E a gente instaura o inquérito e começa a investigação. Nesse momento a mulher também é encaminhada aos serviços das prefeituras, se houver.
É fácil assim conseguir a medida protetiva?
A polícia solicita o documento ao juiz, que tem 48h para proferir a medida. Mas aqui no Espírito Santo geralmente isso é bem rápido, em questão de até 24h. E o homem tem que cumprir aquilo que o juiz determina na medida, que pode ser não fazer contato por qualquer meio ou não se aproximar da vítima em tantos metros ou quilômetros. E a polícia garante que isso seja cumprido nesse projeto Patrulha Maria da Penha.
E quando a medida não é cumprida?
Caso veja que não está sendo cumprida a medida protetiva, a PM encaminha o agressor diretamente à delegacia. Se houver descumprimento e o agressor não for pego em flagrante ou localizado depois do episódio, é preenchido um formulário que é encaminhado à delegacia e o delegado representa pela prisão preventiva desse agressor, que passará a ser procurado.
Uma vizinha pode denunciar um caso de agressão?
Se a denúncia vier de uma pessoa que não a vítima, uma vizinha, por exemplo, se a lesão corporal for laudada, a polícia seguirá com investigação. Mas isso não é muito comum. É raro uma pessoa de fora ir à delegacia falar sobre casos assim.
O que é mais comum de acontecer?
A denúncia da vítima, mas o disque-denúncia (181) também tem uma demanda alta. Pela denúncia anônima pelo telefone, a equipe de investigadores vai até o local do fato, conversa com a vítima, com vizinhos e prossegue a investigação dependendo do que tiver acontecido.
Dessa forma, não há vácuo no processo que coloque a vida da mulher em risco?
Bom, quando o BO declara risco de morte é oferecido um abrigo a essa vítima. Aqui no Espírito Santo há uma casa, com capacidade para 30 mulheres, que é mantida pela Sesp especialmente para esses casos. Ela muda de local com frequência, inclusive, por segurança. E essa mulher, que decide ir para essa casa, pode levar os dependentes, ou seja, os filhos de até 14 anos. Ela pode ficar lá por até 90 dias, podendo prorrogar a sua permanência por mais 90 dias. Nessa casa nós temos professor, atendimento com psicólogo e estamos fechando um convênio para termos assistentes sociais.
Quantas casas dessas há no Espírito Santo?
Apenas uma, com capacidade para 30 mulheres e seus dependentes. Nós não revelamos nenhum vestígio do local por segurança, mas atualmente ela está abrigando duas mulheres e 10 dependentes dessas vítimas.
Há um perfil do agressor que a gente consegue traçar?
A maioria das denúncias vêm de pessoas de classe social média para baixa, mas não há um perfil atualmente que consiga ser traçado para identificar um agressor ou vítima.
Na classe alta não há agressão?
Sim. A gente acredita que haja tanta violência quanto nas mais baixas, mas não é denunciada. A gente chama de cifra negra, que são as agressões que não são registradas, mas acredita que exista.
E por que faltam denúncias?
Está muito ligado à questão emocional. As pessoas não acreditam que aquilo possa acontecer com elas, acham que conseguem controlar a situação e a questão financeira geralmente tá envolvida. Mas o grande desafio é fazer essas mulheres denunciarem. O maior dos desafios é acabar com essa cultura, claro, da violência como um todo.
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