Três dias após começar a acompanhar os grupos do Facebook e WhatsApp de venda do MMS, a reportagem entrou em contato por telefone com Jorge Gonçalves, vendedor do produto da Serra, para saber como seria o tratamento de autismo e para compra do kit o que foi feito pessoalmente depois. Em uma resposta inusitada na ligação (ouça abaixo), ele afirmou que o uso do kit de desparasitação deveria começar durante a lua nova e a lua cheia.
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Tem que ser a lua própria, rapaz. Você só mata verme na lua própria. Se você não trabalhar na lua, você não mata verme não. Ele sai dos tecidos para copular e para desovar na lua nova e na lua cheia, e aí você pega eles, explicou.
Nos grupos, eles afirmam que o que é expelido durante o tratamento via anal são os vermes, mas o gastroenterologista Felipe Bertollo Ferreira explica que trata-se de partes da parede intestinal. Quando você introduz qualquer coisa na mucosa intestinal pode trazer lesões. Isso que é expelido são fragmentos pequenos da parede intestinal.
Ainda por telefone, Jorge explicou ainda que o primeiro passo é fazer a desparasitação para matar os vermes que liberam toxinas que contribuem para uma disfunção cerebral do autista.
O primeiro passo é você desparasitar. Precisa matar vermes porque o autista já foi pesquisado, e ele tem problemas muito comum de verme. O autista tem problema de disbiose intestinal. Disbiose é uma característica da junção de bactéria com vírus, fungos e parasitas, microorganismos, formando uma flora bacteriana negativa. Daí vaza para o cérebro as toxinas que vieram lesar a capa de mielina (membrana que envolve as células) dos neurônios que dá um tipo de curto-circuito ou o disfuncionamento da atividade cerebral, relatou Jorge.
O morador da Serra vai além: fala que o uso do MMS oxida metais tóxicos que acredita que o autista adquiriu com vacinas. O autista tem que tratar o intestino e o MMS oxida os metais tóxicos que o autista pode ter adquirido através das vacinas. Aquelas vacinas básicas da criança, metais pesados como, por exemplo, o mercúrio que afeta a capa de mielina dos neurônios, disse.
O grupo no Facebook a que a reportagem teve acesso era chamado de MMS CDS Desparasitação e, ontem, após a repercussão da reportagem exibida pelo Fantástico no domingo, foi renomeado para Desparasitação. O grupo é administrado por Jorge Gonçalves, o filho Ângelo e uma mulher moradora de Ponta Grossa, no Estado do Paraná.
CRM: MÉDICOS PODEM PERDER REGISTRO
Tendo em vista o compartilhamento de vídeos feitos por Youtubers identificados como médicos no grupo do Facebook administrado por Jorge Gonçalves, o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), Celso Murad, afirmou que profissionais que recomendam o uso do MMS podem ser cassados e perderem o registro profissional.
Existe nesse tipo de situação o que a gente chama de prática de charlatanismo que é estar induzindo pessoas a se utilizar de determinados produtos que não têm absolutamente nenhuma eficácia e, às vezes, podem ser potencialmente prejudiciais à saúde de quem usa. E isso é crime, afirmou.
Ainda segundo Celso, esse tipo de prática explora pessoas em estado de vulnerabilidade, o que é mais grave. O médico, além de estar emitindo uma informação que não corresponde à verdade, está se aproveitando do estado de vulnerabilidade desse paciente para prometer coisas que absolutamente não pode cumprir. E as pessoas caem nessas histórias pelo desespero, pela necessidade de chegar a uma cura e evitar o sofrimento, concluiu.
A psicanalista Bartyra Ribeiro de Castro alerta aos pais que procurem profissionais que os orientem em vez de procurar informações imprecisas de grupos na internet. Diante do desespero deles, tendem a acreditar em muitas coisas, mas eles têm que se acalmar. O autismo não precisa ser um diagnóstico desesperador, destacou.
Ela faz alerta sobre a afirmação de Jorge sobre metais tóxicos adquiridos com vacina. Essa história das vacinas é perigosíssimo. Não faz nenhum sentido, não há aporte científico real. A ordem ainda é vacinar. Isso salvou muitos de nós. A gente não pode andar pra trás, conclui.
ENTREVISTA: Relato pessoal não é evidência científica
Andrea Werner Jornalista e ativista de direitos de pessoas com deficiência
A jornalista Andrea Werner é ativista dos direitos de pessoas com deficiência e mãe de um menino autista. Ela tem páginas nas redes sociais onde fala sobre o assunto e foi nesses canais que começou a receber mensagens de pessoas a respeito da substância MMS que promete tratar e até curar sintomas do autismo. Desde então, Andrea trava uma batalha para denunciar a comercialização dessa fórmula.
Como você ficou sabendo sobre o MMS?
Eu notei que estavam ficando muito frequentes as mensagens que recebia sobre MMS e estranhei. No início de abril um amigo achou o livro Curando os Sintomas Conhecidos como Autismo, da Kerri Rivera uma das entusiastas do MMS exposto na vitrine de uma livraria na Avenida Paulista. Foi quando eu comecei a campanha pedindo para as livrarias tirarem esse livro de comercialização e elas foram atendendo. Depois, procurando na internet eu descobri que dezenas de páginas de anúncios de venda de MMS. Foi chocante. Eu notei que eles começaram a tirar depois que o Fantástico divulgou que a reportagem ia ao ar. Os grupos começaram a mudar o nome da fórmula, mudando as plataformas de venda...
Como é o seu trabalho contra a comercialização de MMS?
Tem um grupo de mães autistas que me ajudam. Eu tenho mais alcance por causa da minha página mas tem pessoas me ajudando. Nós estamos fazendo um dossiê com tudo que a gente consegue de provas nas redes sociais contra esses vendedores e promotores de MMS.
Alguns relatam algum tipo de melhora que teria acontecido depois de ingerir a substância. O que você acha disso?
Funciona como um culto mesmo. Eles não querem evidências. É fé. E o desconhecimento das pessoas acerca da ciência. Relato pessoal não é evidência científica. E é por isso que para um medicamento ser lançado são necessários muitos anos de pesquisa.
A gente vive um momento de descrença geral em todas as instituições. Isso afeta também a ciência?
Totalmente. Eu não acho a ciência é perfeita mas ainda é a melhor ferramenta.
O que você acha que leva as pessoas a comprarem essa substância para os filhos autistas?
São alguns fatores. Nós temos no Brasil um sistema de saúde que não atende como deveria. É difícil conseguir um diagnóstico e terapia na qualidade. Então, chega um charlatão com uma possibilidade que pode tirar seu filho do autismo, os pais caem. Outra coisa são formadores de opinião que recomendam. Acho que os principais fatores são a falta de informação e a enganação.
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