As frases acima retratam alguns dos sentimentos de milhares de pessoas no Espírito Santo que, nas últimas semanas, tiveram que deixar suas casas, sem saber quando iriam voltar, ou se ainda teriam para onde retornar. Diante de tantas perdas, seguir em frente e reconstruir o que foi perdido é uma tarefa árdua, mas, com coragem, determinação e solidariedade, torna-se possível.
Bens materiais você consegue de volta, mas a vida das pessoas não. Fui capaz de recuperar tudo o que perdi na enchente, com muito esforço e trabalho. É preciso ter força e fé para passar por momentos assim, conta a aposentada Maria Célia Nunes da Silva, 75 anos. O relato da moradora de Colatina, no Noroeste do Estado, pode parecer o de uma das vítimas das enchentes dos últimos dias, porém, no caso de Célia, isso aconteceu há mais de quatro décadas.
Em fevereiro de 1979, o nível do Rio Doce subiu e Colatina passou por um dos piores momentos de sua história. A família da aposentada ficou quase um mês abrigada em uma escola da região. A cheia do rio destruiu quase todos os móveis da residência, e a estrutura da casa ficou parcialmente comprometida.
Célia foi apenas uma das cerca de 100 mil pessoas que perderam tudo e tiveram que sair de casa naquele ano, em todo o Estado. Na época, dezenas de municípios capixabas ficaram debaixo dágua durante um período de 35 dias de chuva incessante. Ao todo, 50 pessoas morreram.
Na enchente de 2013, mais de 61 mil pessoas ficaram fora de casa depois de quase duas semanas de chuvas intensas. Cerca de 50 cidades capixabas ficaram inundadas e 24 pessoas morreram na época. Romilda Martins, 36 anos, foi uma das vítimas dessa cheia. Na época, a moradora do bairro Vila Nova, em Cariacica, perdeu toda a mobília da casa, além das roupas e alimentos.
Com o passar dos meses, conseguiu recuperar parte do que a água destruiu. No final do ano passado, a história se repetiu, e a rua em que mora voltou a alagar. Dona de casa e mãe de seis filhos, ela conta que ainda está pagando por muitas das coisas que teve que comprar novamente, inclusive a televisão, que acabou perdendo na enchente de novembro do ano passado.
Grande parte do sofrimento dessas pessoas poderia ter sido evitado, de acordo com um estudo realizado pelo Serviço Geológico do Brasil. Os dados do levantamento mostraram que Espírito Santo tem ao menos 832 pontos de áreas de risco de desastres naturais. Nessa áreas vivem mais de 320 mil pessoas e há 68 mil moradias. Esse quantitativo equivale a 7,9% da população capixaba, hoje estimada em quatro milhões, segundo o IBGE.
Desde a noite do dia 17 de janeiro, pelo menos 30 municípios enfrentam as consequências da falta de planejamento urbano, com cerca de 15 mil pessoas desabrigadas ou dasalojadas.
Alexandre Ricardo Nicolau, professor de Arquitetura e Urbanismo da UVV, aponta que, historicamente, a ocupação dos espaços se concentra nas áreas próximas à água, como cursos de rios e lagos, por ser mais fácil de se acessar esse recurso hídrico.
Ainda de acordo com ele, na década de 1960, quando o Estado passou pela crise do café, houve um êxodo rural muito grande. As pessoas deixaram o campo para viver na cidade e, com isso, a organização dos municípios ocorreu de forma rápida nas áreas próximas aos rios e nos morros. Além disso, construíram muitas estradas no decorrer do leito dos rios por serem áreas mais planas.
As cidades se estabeleceram em áreas suscetíveis às enchentes. As pessoas não relacionam diretamente o uso e ocupação do solo com os efeitos de alagamento e desmoronamento. O plano diretor municipal, que diz onde pode ou não construir, é uma lei que não pegou e que tem pouca participação popular. Os municípios precisam entender mais a relação deles com a natureza e deixar áreas livres para que a água tenha por onde escoar.
Além disso, especialistas apontam que grande parte das vítimas dos desastres naturais são pessoas carentes e que estão em áreas de risco. Por não terem condições de sair do local onde moram, mesmo diante do perigo, acabam permanecendo ali, como é o caso da dona de casa Daniela Pereira de Souza, de 30 anos.
A moradora de Cariacica conta que o barraco onde mora, no bairro Vila Nova, está caindo. Desde a chuva de novembro do ano passado, não conseguimos recuperar nada. Até os meus documentos e os do meu filho ficaram molhados. Todo ano é a mesma coisa, o medo é que, se der outra enchente, ele caia, desabafa.
O temor de Daniela é o mesmo de outras centenas de pessoas que já enfrentaram um momento como este. A incerteza de não saber o que pode acontecer após as chuvas é uma preocupação constante. O engenheiro ambiental Bruno Navarro, diretor do Núcleo Camaleão, que trabalha com negócios sustentáveis, explica que, nessa situação, a qualquer sinal de precipitação ou boato, as pessoas vão querer sair de casa, o que pode gerar um cenário de insegurança.
Com colaboração de Luiza Campos, Vilmara Fernandes e Raquel Lopes
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