As chuvas que causaram destruição nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo podem provocar um fantasma adormecido no leito do Rio Doce.
O volume de água deve deslocar os rejeitos de mineração que alcançaram o manancial em novembro de 2015, quando 43,7 milhões de metros cúbicos (m³) de lama vazaram da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, no município mineiro de Mariana.
Um comunicado divulgado pela Fundação Renova informa que o Programa de Monitoramento Qualiquantitativo Sistemático (PMQQS) acompanha a evolução dos parâmetros de qualidade da água em 92 pontos, de Mariana, em Minas Gerais, à foz do Rio Doce, em Linhares, município do Norte do Espírito Santo.
Entre esses pontos, estão 22 estações automáticas que transmitem dados diários, inclusive subsidiando o planejamento preventivo dos sistemas de abastecimento da bacia. As informações são armazenadas em um banco de dados e compartilhadas com os órgãos ambientais.
O biólogo marinho Hudson Pinheiro acompanha as pesquisas que indicam os efeitos de um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Segundo ele, o ecossistema, as pessoas e as comunidades banhadas pela área atingida estão contaminadas.
"As pessoas estão com altos índices de metal pesado no sangue. O que acontece é que, quando o rio está vazio, os sedimentos tendem a decantar, a se alojarem no fundo. Com a cheia, eles vão se soltar e ser conduzidos para a foz, para o mar. Resta saber, através dos monitoramentos, o que vai acontecer", explicou o biólogo.
A Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh-ES) e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) confirmaram que em períodos de cheia há aumento da correnteza e, por consequência, ocorre o revolvimento do leito do rio. O fenômeno natural pode gerar contaminantes na coluna da água.
"Nesses momentos de cheia, a diluição dos contaminantes também é elevada. O revolvimento dos rejeitos no fundo do rio durante cheias não provoca necessariamente a limpeza do rio, pois os rejeitos podem simplesmente se deslocar de uma região para outra."
Para Hudson Pinheiro, o tempo será o principal aliado. Na avaliação dele, são necessárias políticas públicas que promovam a criação de unidades de conservação ambiental, evitem a construção de novas barragens e previnam novos acidentes.
"Existem algumas literaturas que apontam que esse tipo de impacto vai demorar até 150 anos para ser remediado. Vamos acompanhar isso. A cada época de cheia, provavelmente, vai ter o aumento dos índices de metais pesados e contaminação da água."
A Rede Rio Doce Mar, que apoia ações reparatórias relacionadas ao impacto que o rompimento da barragem de Fundão causou na biodiversidade aquática, também faz o monitoramento de diversos pontos ao longo da bacia do Rio Doce no Espírito Santo.
As análises acontecem a partir do acordo de cooperação técnico-científico com a Fundação Renova, responsável por gerir os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões afetadas pelos rejeitos de minério.
Os pesquisadores coletam amostras ao longo do Rio Doce no Espírito Santo, na foz em Regência, em Linhares, na região marinha e áreas adjacentes. As equipes fazem medições dos sólidos em suspensão, coletam água e sedimento, além de material biológico.
"Iremos incorporar os resultados dessas análises em nossos futuros relatórios que entregaremos aos órgãos ambientais e à Fundação Renova, no âmbito do Acordo de Cooperação Técnico-Científica ora em desenvolvimento", diz a nota.
Localizada no município de Rio Doce, em Minas Gerais, a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, mais conhecida como Candonga, concentrou cerca de 15% do material que chegou ao reservatório. Por causa das chuvas, a preocupação é que os rejeitos de mineração atinjam o leito do Rio Doce e aumentem os índices de contaminação.
Em comunicado, a Fundação Renova informou que devido ao grande volume de água decorrente das chuvas, foi identificada uma ligeira inclinação na primeira de três barreiras metálicas construídas para conter o rejeito que ainda poderia chegar ao reservatório da hidrelétrica.
"Apesar de análise técnica indicar baixo risco, por precaução e prezando pela segurança, a Fundação Renova isolou a área e os acessos às margens do reservatório, seguindo o plano de evacuação e emergência elaborado para a área".
Conforme o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), do governo de Minas Gerais, ainda não houve avaliação da movimentação dos rejeitos sedimentados no reservatório da UHE Risoleta Neves.
"O Sisema irá levantar, junto à Fundação Renova, a quantidade de rejeitos mobilizados com as chuvas, caso seja esta a fonte da turbidez. Após o diagnóstico, serão traçadas as ações necessárias à recuperação dos possíveis danos e ao controle dos impactos na fonte geradora", garantiu o órgão estadual.
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