A tarde e noite de segunda-feira (29) foram marcadas por violência na região do Residencial Rio Doce, no bairro Aviso, em Linhares, no Norte do Espírito Santo. Segundo o boletim de ocorrência da Polícia Militar, um adolescente de 16 anos, que estaria armado, foi morto pelos agentes com um tiro. A vítima foi identificada como Stanley de Oliveira Moraes. Um homem de 28 anos, três adolescentes, entre 16 e 17 anos, e uma criança, de 11, ainda foram levados para a delegacia. Depois disso, houve manifestação no local e até um ônibus foi incendiado (veja acima).
De acordo com a PM, tudo começou com a denúncia de que uma motocicleta que havia sido roubada no bairro Novo Horizonte, na mesma cidade, estava sendo utilizada por suspeitos envolvidos com o tráfico no Residencial Rio Doce. Segundo o major Herbethy, do 5º Batalhão da Polícia Militar, o responsável por esse roubo é Matheus dos Santos Cerqueira Barbosa, de 28 anos — que acabou preso durante a ação de segunda-feira.
Segundo a denúncia, o veículo estaria guardado em uma casa. Conforme o relato no boletim, os militares foram até o local e, quando chegaram ao lado do muro da residência, ouviram uma conversa de pessoas sobre armas e drogas.
Um policial disse ter visto Stanley com uma submetralhadora de calibre 9mm. Ainda segundo o boletim de ocorrência, o rapaz teria apontado o armamento em direção ao militar, que disparou. O adolescente foi atingido no abdômen e socorrido por uma equipe do Corpo de Bombeiros, mas não resistiu.
A descrição do boletim de ocorrência ainda diz que foram apreendidas drogas, uma balança de precisão e a submetralhadora, além da motocicleta. Cinco pessoas foram levadas para a delegacia, incluindo uma criança de 11 anos.
Horas depois, ocorreu um protesto na região. Segundo a PM, encapuzados incendiaram um ônibus e interromperam a passagem de veículos na ES 248 com objetos ocupando a pista. Logo que os policiais chegaram ao local, o grupo foi dispersado.
Foi necessário trabalho do Corpo de Bombeiros para conter as chamas. Não houve registro de pessoas feridas durante a ocorrência e o trânsito foi liberado ainda à noite.
Uma prima de Stanley, que preferiu não se identificar, conversou com a repórter Viviane Maciel, da TV Gazeta Norte, e deu uma versão diferente da contada pela PM.
“Ele estava soltando pipa. O Stanley não era traficante, não tinha envolvimento com nada. Ele não tem passagem na polícia. Mataram o menino na maior crueldade. Falaram que ele era vagabundo, mas não era. Como a mãe do menino vai ficar agora?”, indagou.
Ela continuou: “Stanley era um menino tranquilo, ia para a roça trabalhar. Ajudava a mãe em casa. Não deixaram ela ver o filho. Acho isso errado. Espero que tenha justiça. O policial tem que ser preso por matar um inocente”.
Moradores do Residencial Rio Doce, que também não quiseram se identificar, deram uma versão semelhante a da prima de Stanley, em entrevista para a TV Gazeta.
“A polícia chegou e realmente tinha arma ali, mas eles jogaram para outro canto. Eles pularam o muro. A polícia pediu para eles colocarem a mão na parede, eles já estavam rendidos. Um deles, que tomou o tiro e faleceu, estava com alguma coisa na mão, uma lata de linha. Foi quando ele jogou (a lata) que o policial atirou nele. O que estou falando é o relato de pessoas que estavam do lado do menino e viram o que aconteceu. Nisso, o policial deu o tiro. Eles deixaram o menino de cara para o chão. Ele não foi socorrido imediatamente”, afirmou um morador.
Esse morador disse ainda que se sentiu ameaçado por um policial quando se aproximou do local da ocorrência. “Eu fui até o local e sorri para um policial. Ele levantou um fuzil, me perguntou por que eu estava sorrindo e falou que iria me prender. Depois disse que iria me matar. A gente morador, da cor morena, se sente coagido”, desabafou.
Outra testemunha, que também preferiu não se identificar, comentou sobre o caso. “Ele estava soltando pipa. Os policiais chegaram no muro e falaram ‘mão na cabeça e deita no chão’. O menino soltou a lata no chão, o policial deu um tiro nele. Ele não chegou perto da arma, a arma estava em uma mesa. O moleque ficou no chão, agonizando, pedindo socorro, ele colocou até a mão na bota do policial. O policial disse para esperar que o socorro estava vindo”, disse.
A corporação confirmou que o adolescente não tinha histórico policial, mas disse que ele estava na casa onde se ouviu conversas sobre armas e drogas. De acordo com o major Herberthy, o rapaz não estava empinando pipa.
Ele acrescentou que a vítima era enteada do único adulto conduzido à delegacia, que foi responsável pelo roubo da moto, executado à mão armada. Segundo ele, Matheus dos Santos Cerqueira tem passagem por tráfico de drogas na Bahia.
“A gente não entende a história de que ele estava empinando pipa. As seis pessoas (Stanley e as outras cinco pessoas conduzidas para a delegacia) estavam na casa. Ele optou em tentar atirar contra o policial e nós utilizamos os nossos meios necessários para cessar essa agressão”, declarou o major.
Questionado sobre o atendimento médico a Stanley, após o adolescente ter sido baleado, o policial afirmou que foi feito o acionamento ao Corpo de Bombeiros, que atendeu a ocorrência dentro do tempo usual.
Ele também foi perguntado sobre a alegação do morador, de se sentir ameaçado por um policial. “Segundo os policiais que estavam no local, o que aconteceu lá foi um tumulto para tentar tirar a atenção e dificultar o trabalho da polícia. Naquele momento, a ocorrência foi muito bem feita, dentro da técnica policial”, finalizou o major.
Sobre a condução da criança até a delegacia, Herbethy respondeu que a PM "apenas entregou a criança até a Polícia Civil. O delegado vai entender qual o envolvimento dela".
A reportagem de A Gazeta procurou a Polícia Civil para obter mais informações sobre o procedimento adotado no caso. Em nota, a corporação informou que quatro suspeitos, sendo um de 16, dois de 17 e um de 28 anos, foram conduzidos à Delegacia Regional de Linhares.
"O maior de idade foi autuado em flagrante por roubo majorado e encaminhado ao sistema prisional. O adolescente de 16 anos assinou um Boletim de Ocorrência Circunstanciado (Boc) por ato infracional análogo ao crime de roubo majorado. Após o familiar assumir o compromisso de comparecer ao Ministério Público quando solicitado, o adolescente foi reintegrado à família. Os dois adolescentes de 17 anos foram ouvidos e liberados já que a autoridade policial não identificou elementos suficientes para realizar a prisão em flagrante naquele momento", disse a corporação.
Sobre a criança de 11 anos, a PC informou que ele retornou para a família. "Foi entregue na Delegacia Regional e imediatamente reintegrada aos familiares, assim que foi identificada sua idade".
Como consequência da situação de segunda-feira, a Prefeitura de Linhares anunciou que as aulas no Centro de Educação Infantil Municipal (CEIM) Rio Doce, no Residencial Rio Doce, foram suspensas no período matutino desta terça-feira (30).
"Priorizamos a segurança das crianças e dos profissionais de educação da unidade de ensino. E também a dos transportadores escolares que fazem a rota do residencial para levar os estudantes dali para outras unidades de ensino", afirmou a administração, em nota. As atividades escolares na unidade devem retornar durante a tarde.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta