Foi presa na tarde desta quarta-feira (15) a advogada Márcia Borlini Marim Sanches. Ela foi denunciada em duas operações por levar entorpecentes para detentos de presídios e ainda por levar informações privilegiadas para lideranças de organizações criminosas detidas. Mesmo em prisão domiciliar, a advogada teria ameaçado pessoas envolvidas nas investigações.
Márcia foi presa em setembro do ano passado, mas teve a prisão preventiva substituída por prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ocorre que a condição de prisão domiciliar foi reavaliada pela Justiça após investigações da Delegacia Especializada de Narcóticos (Denarc) de Guarapari e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Espírito Santo (MPES),constatarem que, mesmo com a tornozeleira, ela estava ameaçando pessoas envolvidas na investigação e descumprindo as regras do regime de prisão domiciliar ao qual ela estava submetida.
Na sentença do Juizado da 1ª Vara Criminal de Guarapari é dito: “Decreto a prisão preventiva da acusada Márcia Borlini Marim Sanches, na medida em que as medidas cautelares diversas da prisão, in casu, são insuficientes para garantir a ordem pública e a paz social, pois a ausência de vigilância, ainda que em prisão domiciliar e com monitoração eletrônica, está oferecendo risco à sociedade, considerando o alto poder de articulação da acusada”. E acrescenta: “A mesma vem descumprido as condições estabelecidas no monitoramento, em total afronta a Justiça”.
O delegado Guilherme Eugênio Rodrigues, que conduziu as investigações pela Denarc de Guarapari, explica que Márcia difere de todos os advogados já investigados por ele.
Márcia foi presa em casa, na tarde desta quarta-feira(15) e levada para exames no Departamento Médico Legal (DML) sob um forte esquema de segurança.
A Operação Vade Mecum foi deflagrada em 11 de setembro de 2020, pela Delegacia Especializada de Narcóticos (Denarc) de Guarapari, cumprindo seis mandados de prisão de pessoas relacionados aos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção ativa.
Após meses de investigação, a Denarc de Guarapari identificou membros de uma organização criminosa empenhada em traficar entorpecentes para internos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarapari, aliciando servidores públicos e advogados para tais práticas mediante pagamento de propina.
A direção do CDP de Guarapari identificou o tráfico de drogas no local, adotou várias medidas para impedir o fato, sem sucesso. Acionou então a Denarc que, após a investigação, prendeu seis pessoas, incluindo duas advogadas: Márcia e Joyce da Silva Boroto.
Após a Operação Vade Mecum, elas foram denunciadas pelo MPES e condenadas pelo Juizado da Primeira Vara Criminal de Guarapari a 33 anos e 8 meses de prisão para cada uma.
Na sentença é dito: “A culpabilidade da acusada ultrapassa aquela vinculada ao tipo penal, na medida em que como advogada, e como tal indispensável à administração da Justiça, deveria ter mais zelo no cumprimento das regras legais e morais, sendo que sua conduta criminosa causa demasiada reprovabilidade no âmbito social, além de desonrar a Instituição que lhe acolheu”.
É dito ainda que elas se valeram do exercício da advocacia para obter maiores acessos, facilitando as ações criminosas. Além das advogadas, outras cinco pessoas foram condenadas na mesma ação por tráfico de entorpecentes nos presídios.
Márcia e Joyce também foram denunciadas pelo MPES, em um grupo de 40 pessoas, por participação na facção criminosa denominada Primeiro Comando de Vitória (PCV).
Entre os denunciados e, agora, réus estão dez advogados envolvidos com a facção. Segundo informações do MPES, as provas contra eles foram obtidas na “Operação Armistício”. Apenas uma advogada teve a prisão preventiva revogada e os demais permanecem presos, ou com o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Segundo as investigações, os advogados utilizaram indevidamente de prerrogativas essenciais à advocacia para garantir a comunicação criminosa entre lideranças da facção, que estão presos em penitenciárias do Estado, com membros da organização criminosa em liberdade e ainda foragidos do sistema judiciário. As investigações tiveram início em 2019.
Foram utilizadas medidas judiciais de interceptações telefônicas e telemática, entre outras diligências. Com elas foi possível obter provas de tráfico de drogas, aquisição e porte de armamentos e munições, execução e planejamento de crimes de homicídio, queima de ônibus e outras ações violentas. Esses crimes eram executados por meio dessa comunicação exercida por intermédio de advogados.
O advogado Hugo Nunes, que faz a defesa da advogada Márcia Borlini, afirma que a prisão ocorrida na tarde desta quinta-feira (15) é ilegal. “A prisão domiciliar foi conseguida por intermédio de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que o presídio feminino do Estado, em Bubu, Cariacica, é inadequado para a prisão de advogadas, que possuem direito a celas de Estado Maior, o que não existe no Espírito Santo”, explicou.
De acordo com Nunes, no presídio feminino, as advogadas ficam em uma cela do regime semiaberto, na galeria com as demais presas. “Uma situação em que correm risco de vida, uma condição indigna, porque prestamos serviço para a sociedade”, destacou.
Informou ainda que já está providenciando um pedido de habeas corpus para retirar a advogada do presídio. “O Tribunal de Justiça do Estado já reconheceu a inadequabilidade do presídio. E faremos uma reclamação ao STJ sobre a ilegalidade praticada pelos juízes de primeira instância de Guarapari. A doutora Márcia não possui nenhuma sentença com trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos —, é ré primária. Vamos tomar providências para ser feita a justiça”, assinalou.
Avaliou ainda que não há provas na Operação Armistício contra a Márcia. “O que acontece no Espírito Santo é uma verdadeira perseguição aos advogados, porque o Judiciário capixaba está utilizando da prisão preventiva como punição aos advogados, antecipando pena condenatória”, explicou.
Já o advogado Selso Ricardo Damacena, que faz a defesa de Joyce da Silva Boroto, aponta ilegalidades na Operação Vade Mecum, realizada pela Denarc de Guarapari, e por isso avalia ser ilegal também a condenação de sua cliente.
“Aquela operação foi ilegal, não obedeceu aos ditames legais. Houve um flagrante preparado, de um agente penitenciário que cometeu o crime de tráfico de drogas. Uma ilegalidade também da Promotoria de Justiça por não ter denunciado o agente penitenciário por corrupção ativa e ainda tráfico”, destacou.
Ele adiantou que está preparando recursos contra a sentença de condenação. “Vamos recorrer contra essa condenação, que se baseou em uma operação ilegal, dirigida pelo delegado de Guarapari. Tenho certeza de que iremos absolver a doutora Joyce com recursos em instâncias superiores”, informou. De acordo com Selso, a advogada Joyce foi liberada da tornozeleira eletrônica e responde ao processo em liberdade.
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