O uso de armas que disparam bolinhas de gel virou uma febre em vários estados do Brasil. O interesse pelo produto, que pode variar entre R$ 100 e R$ 800 a depender do modelo, cresceu de forma repentina a partir de setembro. Foi neste período que as polícias de várias partes do país registraram apreensões e até prisões relacionadas à prática do que é tido como uma brincadeira. Em alguns casos, porém, a saúde das pessoas é colocada em risco. No Espírito Santo, durante o mês de setembro, quando houve uma alta procura nas redes sociais sobre o artefato, a Polícia Militar foi acionada nove vezes com informações sobre ocorrências relativas ao uso de armas de gel.
As armas costumam ser vendidas junto com óculos de proteção e um cabo para carregar a bateria. Há diferentes modelos de armas de gel, alguns maiores e outras menores. Em alguns casos, as armas são vendidas com milhares de bolinhas de gel.
Procurada pela reportagem de A Gazeta, a Polícia Militar informou que, durante o ano de 2024, o Ciodes registrou nove acionamentos ou ocorrências envolvendo armas de gel - todos os casos no mês de setembro. Em seis ocasiões, a viatura realizou patrulhamento no local informado, mas não constatou fato que resultasse em abordagem. No entanto, houve atuação policial em três casos.
A primeira atuação foi no dia 23 de setembro, no bairro Jabour, em Vitória. Durante patrulhamento, um adolescente de 17 anos correu ao ver os militares. Os policiais, então, realizaram a abordagem. Durante busca pessoal foi encontrada uma arma de gel. O jovem foi liberado no local, sem nenhum tipo de apreensão.
No dia 28 de setembro, foram registradas duas ocorrências na região da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha. Em Jabaeté, dois jovens foram abordados e também liberados. Já em Barramares, os militares abordaram um jovem e constataram que o equipamento estava descaracterizado, com objetivo de parecer uma arma de fogo. Com isso, a réplica foi apreendida pelos militares e o menor de 17 anos foi reintegrado à família.
Em nota, a Polícia Militar ressaltou que realiza o patrulhamento ostensivo e, de acordo com a necessidade e os fatos identificados pelos militares, faz ou não abordagem relativa a qualquer suspeita, como o caso dessas réplicas.
A Polícia Civil informou que a comercialização e o uso do brinquedo não configuram crime, conforme a legislação no Brasil. No entanto, a Polícia Civil ressaltou que, caso o uso desses produtos venha a causar lesão corporal a alguém ou dano material a propriedades, os envolvidos poderão responder criminalmente pelos atos praticados. Não foram identificadas apreensões desse tipo de brinquedo pela PCES, segundo a corporação.
Em São Paulo, 18 pessoas foram detidas após tumulto causado por pistolas de bolinhas de gel no mês de setembro. Em Fortaleza, dois homens que estavam com as armas de brinquedo foram detidos. A Polícia Civil de Minas Gerais também foi acionada, porque o uso das armas de gel estava atrapalhando o "sossego alheio".
Apesar da popularização da prática, cidades da Grande Vitória não registraram ocorrências relativas ao uso da arma de gel. A Gazeta perguntou, no fim do mês de setembro, às prefeituras de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica sobre o uso da arma de gel nas cidades. Todas as prefeituras informaram, por meio da Guarda Municipal, que não houve acionamento com informações sobre o uso de armas de gel.
O registro de acionamentos da Polícia Militar no Espírito Santo coincidiu com o aumento na procura por armas de gel em todo o Brasil.
De acordo com informações do Google Trends, que monitora buscas no navegador, a procura por "arma de gel" nunca esteve tão alta como em setembro, se considerados os últimos 12 meses. Há também procura por produtos relacionados, como as bolinhas, óculos e coletes de proteção.
A venda acontece em lojas físicas ou pela internet, sem necessidade de apresentação de documentos, por exemplo. Normalmente, as armas de gel são coloridas, com misturas de azul, vermelho, roxo e outros tons.
Na descrição dos produtos, há detalhes como o fato de a arma de gel ter disparo contínuo e montagem fácil. Um dos produtos informa que a arma de gel é "feita para crianças e adultos", sendo "totalmente segura e perfeita para aventuras ao ar livre".
Em meio ao aumento no número de casos relativos ao uso da arma de gel, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) publicou uma nota informando que, de acordo com a Portaria Inmetro nº 302, de 2021, esses produtos não são considerados brinquedos.
A regulamentação define que brinquedos são produtos destinados ao uso por crianças menores de 14 anos. Portanto, itens que não atendem a essa definição não podem ser comercializados como "brinquedos", nem ostentar o Selo de Identificação da Conformidade do Inmetro. O Inmetro também define requisitos específicos para armas de brinquedo.
O presidente do Inmetro, Márcio André Brito, orienta a população a denunciar qualquer comercialização irregular de réplicas de armas de fogo que ostentem, indevidamente, o Selo de Conformidade do Inmetro. As denúncias podem ser feitas à Ouvidoria do Inmetro: https://falabr.cgu.gov.br/web/home
O advogado criminalista Anderson Burke pontua que o Estatuto do Desarmamento não tipifica como crime o porte de um simulacro de arma de fogo. Ou seja, em tese, um adolescente que tem um brinquedo semelhante a uma arma não deve ser punido por isso. Por outro lado, o especialista em Segurança Pública Henrique Herkenhoff afirma que a legislação brasileira proíbe a fabricação ou comercialização de simulacros que possam ser confundidos com armas verdadeiras.
Henrique Herkenhoff explica que, apesar da proibição de venda de simulacro que se pareça com arma, há uma exceção para itens que possam servir, por exemplo, para instrução de agentes de segurança. Neste caso, a venda é restringida para determinados públicos. O especialista em segurança pública reforça o alerta feito pelo advogado criminalista: Quem usa arma de gel precisa ter atenção e evitar que seja confundido.
A defesa putativa, citada pelo especialista, é uma situação prevista no direito penal em que uma pessoa acredita estar agindo em legítima defesa, mas a percepção é equivocada ou baseada em uma impressão errada da realidade. Ou seja, o indivíduo pensa em que está em perigo e reage como se estivesse de defendendo. Na verdade, o perigo não existe ou não é real.
Isso significa que, um pai comprar uma arma de gel para um filho não significa crime, desde que o uso do item não interfira na saúde ou integridade de outras pessoas. Usar a arma de gel no meio da rua, atingindo veículos ou pessoas que não tenham relação pode configurar crime.
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