Ninguém passa incólume a um ataque brutal como o registrado na manhã de sexta-feira (25) em duas escolas de Aracruz, no Norte do Espírito Santo. Mesmo quem não está diretamente ligado às vítimas ou às instituições de ensino sente-se vulnerável e inseguro, especialmente por constatar que o caso nas instituições capixabas não é isolado. Os episódios pelo país têm sido mais frequentes e estão ligados a fatores como o aumento do discurso de ódio e a cultura armamentista.
A professora Luizane Guedes Mateus, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), conta que, de 2019 até este ano, houve pelo menos 11 ataques registrados em escolas pelo país, nem todos com mortes, mas violentos. "O crescimento desses ataques acontece ao mesmo tempo em que observamos um discurso de ódio muito mais intenso nos últimos anos", constata a educadora, que também é membro do Núcleo de Segurança Pública (Nusp) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da instituição.
Além do atentado em Aracruz, onde quatro pessoas morreram e outras 12 ficaram feridas após serem baleadas por um adolescente de 16 anos, houve também nesta sexta-feira um ataque em Colatina e, há cerca de 100 dias, um ex-aluno invadiu uma escola em Jardim da Penha, Vitória. Somente para citar os casos mais recentes, no ano passado, um jovem de 18 anos invadiu uma creche em Saudades (SC) e matou cinco pessoas, entre as quais três bebês. Em 2019, um massacre em Suzano, São Paulo, deixou 10 mortos na Escola Raul Brasil.
Somado ao crescimento e banalização do discurso de ódio, Luizane enxerga outros dois aspectos que contribuem para esse movimento: o uso sem controle da internet, permitindo que jovens se associem a grupos extremistas que organizam essas ações, e o acesso facilitado a armas.
Presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-ES), Thiago Pereira Machado tem visão semelhante sobre o momento atual. Para ele, um fator que não se pode retirar de cena é a cultura de violência que está impregnado em todos os campos da sociedade.
"É um clima de hostilidade na esfera social, política, econômica que afeta diretamente esses jovens. A escola tem um papel fundamental na constituição desses sujeitos, mas pode se tornar também um espaço de realização da discordância, de desafetos, e culminar com fatos como o de Aracruz", analisa.
Uma preocupação de Thiago Machado é que a sociedade atual exalta a cultura da mercadoria, isto é, quando se prega o tempo todo que é a propriedade o que mais conta; a vida, então, tem menos valor, é mais um bem a ser consumido. Ou eliminado.
Essa política armamentista, observa Thiago, com uma sociedade mais violenta no discurso, potencializado nas redes sociais, é uma bomba-relógio sempre prestes a explodir.
Para ele, contudo, esse não é um problema que deve ser individualizado na figura do autor do crime. É algo sobre o qual toda a sociedade precisa se responsabilizar, debater, buscar soluções.
"Enquanto sociedade, a gente vai partir para a resolução de conflitos por meio da violência, ou vai dialogar, ceder em uns espaços, ganhar em outros? Não se pode querer a eliminação do outro, a total eliminação do que é divergente. O nazismo que era assim", frisa o presidente do CRP-ES. No ataque a escolas de Aracruz, o autor usava uma braçadeira com uma suástica, símbolo nazista.
Thiago Machado diz que a individualização, ao tratar um atirador como "o jovem terrorista", por exemplo, não permite um debate amplo, como precisa ser. Isso não significa dizer que os autores de atentados não devem ser punidos, mas, sim, que se esses ataques estão acontecendo, e de maneira recorrente, há necessidade de um envolvimento de todos na busca de soluções.
O poder público também tem sua responsabilidade, ressalta Luizane Mateus. Um deles é o de dificultar o acesso a armas, que foi flexibilizado na governo de Jair Bolsonaro (PL), e rediscutir o Estatuto do Desarmamento. "E combater o discurso de ódio, que ganhou mais espaço. Não dá para ser uma discussão só no seio da família, embora importante. O poder público precisa promover ações para enfrentar também esse problema."
O secretário estadual de Segurança Pública, coronel Márcio Celante, afirmou que o adolescente entrou primeiramente na Escola Estadual Primo Bitti, quebrando o cadeado e invadindo a sala de professores. Lá, ele atirou em 11 pessoas: duas professoras morreram no local.
Após o primeiro ataque, o atirador entrou em um veículo modelo Renault Duster, de cor dourada, com as placas cobertas, e foi para o Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), a cerca de um quilômetro de distância da instituição estadual. Na escola particular, o criminoso atingiu três pessoas e uma aluna de 12 anos morreu.
O autor do atentado é um adolescente de 16 anos, filho de policial militar e, conforme levantamentos iniciais da investigação do caso, planejava o crime havia dois anos.
Após ser detido, confessou o crime. Ele usou uma arma da Polícia Militar, que pertencia ao pai, e outra particular para atirar em professores e alunos. O nome dele não está sendo divulgado por se tratar de um menor de idade, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad).
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