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Caso Kauã e Joaquim: o crime que chocou até os delegados

Caso Kauã e Joaquim: o crime que chocou até os delegados

Romel Pio Júnior, André Jaretta, André Costa e Suzana Garcia são os delegados que compuseram a força-tarefa que investigou as mortes de Kauã e Joaquim, em Linhares. Eles contaram que as investigações foram intensas e que trabalharam para não cometer qualquer injustiça

Publicado em 18 de abril de 2019 às 15:31

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Noites sem dormir direito, dias sem se alimentar bem, cobrança da sociedade, receio de cometer alguma injustiça. Assim foram os 32 dias de investigações das mortes dos irmãos Kauã Salles Butkovsky, de 6 anos, e Joaquim Salles Alves, de 3 anos, para os delegados que atuaram no caso.

Suzana Garcia, Romel Pio de Abreu Júnior, André Costa e André Jaretta, delegados que atuaram nas investigações dos assassinatos dos irmãos Kauã e Joaquim, em Linhares. (Gazeta Online)

Um ano após a tragédia que chocou o Espírito Santo, as autoridades policiais confidenciam que o caso foi marcante para todos eles e foi preciso sensibilidade para lidar com um crime que vitimou duas crianças. A conclusão do inquérito, que apontou que o pastor George Alves estuprou, agrediu e queimou vivos os irmãos, abalou até os delegados.

André Jaretta, André Costa, Romel Pio de Abreu Júnior e Suzana Garcia são delegados experientes no Estado. Porém, destacaram que o caso foi um grande desafio na carreira deles e foi preciso uma união de toda a força policial do Espírito Santo para que o caso fosse solucionado.

A morte dos irmãos Kauã e Joaquim completa um ano no próximo domingo (21). Desde o início desta quarta-feira (17), o Gazeta Online começou a publicar uma série de reportagens sobre o caso, que vão ser divulgadas até o dia que marca a tragédia.

ANDRÉ JARETTA

Delegado André Jaretta Ardison. (Bernardo Coutinho)

Chefe da 16ª Delegacia Regional de Linhares na ocasião, o delegado André Jaretta conta o que aconteceu quando a Polícia Civil soube do incêndio na casa dos pastores Juliana Salles e George Alves, na Avenida Augusto Calmon, Centro de Linhares, na madrugada de 21 de abril do ano passado, um sábado.

“A princípio, como tinha se mostrado como uma grande tragédia, toda a população e também os policiais ficaram comovidos, até solidários aos pais. De praxe, por ter mortes, exige apuração para ver se houve crime, então já na segunda-feira (23 de abril de 2018) as investigações começaram”, lembrou.

Após a tragédia, George concedeu entrevistas para a imprensa alegando que o fogo começou no ar-condicionado e que tentou de tudo para tirar os meninos do quarto. Com isso, teria sofrido queimaduras e chegou a usar faixas nos pés. Porém, as falas do pastor não condiziam com as provas encontradas nas investigações.

George Alves com os pés enfaixados durante culto realizado no mesmo dia das mortes de Kauã e Joaquim, em Linhares. (Facebook)

“Já no início, o doutor Romel encontrou inconsistências na versão apresentada pelo Georgeval, aquela narrativa era impossível de se concretizar", lembrou Jaretta.

CONFIRMANDO AS SUSPEITAS

Para confirmar as suspeitas, os delegados ouviram mais testemunhas e ainda pediram outras perícias. No total, cinco perícias foram realizadas na residência. “Um exame decisivo foi a do luminol, com os peritos que vieram de Vitória, e o Marcelo Brandão, um perito de Linhares que é muito competente. A gente carecia de prova técnica", explicou.

Em uma nova perícia, que contou com a presença até da promotora responsável pelo caso na ocasião, Rachel Tannenbaum, a equipe decidiu representar pela prisão temporária de George. “A gente temia que ele desconfiasse e fugisse. E como sabíamos que a prisão dele tomaria uma repercussão gigantesca, naquela sexta-feira (27 de abril de 2018) à tarde montamos a força-tarefa com todos os delegados da Regional. O pedido de prisão temporária foi encaminhado ao Plantão Judiciário e ao Ministério Público à noite e o juiz de plantão decretou a prisão durante a madrugada. Os policiais já monitoravam o Georgeval no hotel e cumpriram a detenção”, explicou o delegado.

Perícias no imóvel onde irmãos foram assassinados. (Brunela Alves | Arquivo | Gazeta Online)

“PERVERSIDADE”

Ainda segundo o delegado, foi neste momento que a investigação “tomou mais corpo”. “O Corpo de Bombeiros usou um software que afastou a hipótese de acidente. Nossa perícia também trabalhou muito bem no caso, o líquido inflamável foi encontrado, testemunhas corroboraram e o final veio surpreender a todos. Era difícil acreditar diante da perversidade. Quando veio o exame que encontrou o PSA (substância vista no sêmen) no orifício anal dos meninos, mexeu muito com a gente. Nós já tínhamos dificuldade de digerir o caso. Com o abuso sexual, vimos uma perversidade ainda maior”, ressaltou.

Outro exame chamou a atenção dos delegados. “O exame de carboxihemoglobina provou que as vítimas respiraram pouco a fumaça, contrariando a hipótese de acidente que o Georgeval apresentou”, disse. De acordo com a perícia, isso prova que Kauã e Joaquim estavam desacordados na hora do incêndio. O inquérito da Polícia Civil defende que, após serem abusados sexualmente pelo pastor, os meninos foram agredidos até desmaiar. Foi quando ele teria colocado os dois em uma cama e ateado fogo no quarto, com a ajuda de um combustível.

“Agora está nas mãos da Justiça. Esperamos que a sociedade concretize a justiça ao condená-lo”, defendeu Jaretta.

O delegado defende que a tecnologia usada nas perícias foi extremamente importante para solucionar o caso. “Todo caso de grande repercussão faz uso de tecnologia de ponta. Mas não basta só a tecnologia, precisa de um pouco mais de cada um, e todos se dedicaram muito”, afirmou.

Jaretta ainda explicou que o caso foi um marco na carreira dos delegados que compuseram a força-tarefa. 

No início deste mês, Jaretta foi transferido para a 13ª Delegacia Regional de Aracruz. Ele é titular das delegacia de Homicídios e da Narcóticos.

ROMEL PIO DE ABREU JÚNIOR

Delegado Romel Pio de Abreu Júnior. (Bernardo Coutinho)

Para o delegado Romel Pio de Abreu Júnior, titular da Delegacia de Infrações Penais e Outras (Dipo), é impossível esquecer o caso Kauã e Joaquim. “Mesmo um ano depois, nós sempre temos lembranças do que aconteceu. Para todos nós, foi sem dúvidas o caso mais marcante das nossas vidas por conta da crueldade, por conta das vítimas serem criancinhas e por tudo ter acontecido da forma que aconteceu”, contou. Segundo ele, o caso precisou de muita sensibilidade durante as investigações.

Assim que as investigações começaram, o delegado encontrou os primeiros sinais que indicavam que o incêndio não tinha sido um acidente. “Desde o início das investigações, todos os elementos que fomos produzindo durante as diligências investigativas começaram a nos dar sinais de que tratava-se de um crime. O Georgeval não ter queimaduras no corpo e nem nos cabelos e pelos chamou a atenção”, detalhou.

O delegado também elogiou o trabalho feito pelos peritos. “A perícia criminal fez um trabalho excelente. Foi uma dedicação de âmbito estadual, uma força-tarefa não apenas dos delegados de Linhares, mas com toda a força pública do Espírito Santo”, revelou.

ANDRÉ COSTA

Delegado André Luíz Costa. (Bernardo Coutinho)

 Titular da Delegacia de Crimes Contra a Pessoa (DCCV) de Linhares quando os irmãos Kauã e Joaquim morreram no incêndio, o delegado André Costa falou da importância da constituição da força-tarefa para investigar o caso.

“Foi uma ferramenta determinante para o alcance do resultado final da investigação. Inicialmente, ela foi constituída para permear as atribuições das três unidades especializadas em atuação em Linhares. Com isso, foi possível dosar o ritmo dos trabalhos e estabelecer uma divisão de tarefas que o caso exigia por sua complexidade, pela própria cena do crime, agregando à investigação diferentes perfis de trabalho, experiências e prismas de análises que eventualmente poderiam passar despercebidos quando da atuação de apenas um delegado”, disse.

Ele também afirmou que as tecnologias usadas nas perícias foram essenciais para entender o que aconteceu na madrugada do incêndio. “A tecnologia é mais uma importante ferramenta na investigação criminal e que demanda análise qualificada e criteriosa. A análise qualificada dessas ferramentas torna a tecnologia determinante para a produção de um bom resultado em uma investigação criminal”, destacou.

André Costa ainda falou que a união entre perícia, investigadores e bombeiros é um legado deste caso. “Esse foi um caso que demandou uma sensibilidade peculiar, envolvendo uma tragédia pessoal e familiar que mobilizou toda uma comunidade e, por isso, necessitava de uma atuação equilibrada, sensível e ponderada, evitando atropelos na busca pela verdade e sua entrega à sociedade. O estreitamento com a Perícia Criminal da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros, que realizaram um magnífico trabalho, foi sem dúvida um dos grandes legados deixados por essa investigação”, declarou.

Assim como André Jaretta, o delegado foi transferido para outro município no começo do mês. Agora, ele atua como plantonista na 15ª Delegacia Regional de Colatina.

SUZANA GARCIA

delegada Suazana Garcia. (Bernardo Coutinho)

A delegada Suzana Duarte Garcia, que era a titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Linhares, também fez parte da força-tarefa responsável por investigar as mortes dos meninos Kauã e Joaquim. Para ela, o caso demandou muito compromisso da equipe.

“Foi desenvolvido um trabalho de investigação intenso, sendo que nosso objetivo sempre foi direcionado a apurar os fatos, de forma isenta e imparcial, com o compromisso e dedicação de esclarecer a verdade sobre o que ocorrera com as duas inocentes crianças naquele episódio”, explicou.

Suzana elogiou a união dos delegados durante as investigações. “O caso representou um desafio complexo e marcante. A criação da força-tarefa, a integração com o excelente trabalho desempenhado pela Perícia Criminal e o Corpo de Bombeiros e, também, a harmonia com os outros colegas que estiveram a frente das investigações foram de especial relevância para conclusão exitosa e robusta da investigação”, ressaltou.

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A delegada ainda credita o sucesso da investigação a um trabalho conjunto. “Denota-se a importância de um trabalho investigativo bem elaborado e a necessidade de fortalecimento da Polícia Judiciária para elucidação de fatos criminosos e para o sucesso da persecução penal”, concluiu Suzana, que agora é titular da Delegacia Especializada de Apoio à Mulher (Deam) de Nova Venécia.

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