> >
Chacina no ES: "Frustração", diz secretário sobre decisão da Justiça

Chacina no ES: "Frustração", diz secretário sobre decisão da Justiça

Em vídeo gravado por Alexandre Ramalho, o secretário se disse frustrado com relação à possível incoerência da decisão judicial, que relaxou a prisão em flagrante pelos homicídios

Publicado em 19 de outubro de 2021 às 19:55

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
Coronel Alexandre Ramalho, secretário estadual de segurança pública
Alexandre Ramalho, secretário de Estado da Segurança Pública, criticou decisão judicial. (Vitor Jubini)

"Frustração é a palavra". Foi assim que Alexandre Ramalho, secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, definiu seu sentimento após saber que a Justiça decretou, em audiência de custódia nesta terça-feira (19), a prisão preventiva do motorista de aplicativo Saulo da Silva Abner, de 25 anos, suspeito de ser o autor da chacina que deixou cinco mortos no bairro Darly Santos, em Vila Velha, no último sábado (16). Apesar dos homicídios, a decisão judicial considerou apenas o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido para manter o investigado preso.

Em vídeo gravado pelo secretário, ele deixou explícita sua frustração quanto a uma possível incoerência da decisão judicial, que relaxou a prisão em flagrante pelos homicídios. Ramalho  afirmou que o que ocorreu no sábado foi um crime bárbaro e que o desejo da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) é que o suspeito fique preso.

Aspas de citação

Nosso desejo é que esse crápula fique devidamente preso, atrás das grades, que é onde ele merece estar

Alexandre Ramalho
Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Civil (Sesp)
Aspas de citação

"Nos chega a notícia de que foi relaxada a prisão pelos homicídios e o indivíduo mantido preso pela posse de arma. O crime bárbaro que são cinco homicídios, em que nos empenhamos ininterruptamente, 48h, com integração entre polícias, foi relaxado e ele foi mantido preso pela posse de arma. Frustração é a palavra. Todo o empenho, dedicação e inteligência, para ver o nosso trabalho invalidado", afirmou. Confira o vídeo na íntegra:

Em nota, a Polícia Civil também se manifestou, por meio da Divisão de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vila Velha, informando que está estudando os próximos passos e procedimentos a serem realizados na investigação, bem como a devida distribuição do processo, a fim de dar continuidade às investigações e concluir o inquérito.

ENTENDA A DECISÃO

Apesar dos homicídios praticados por Saulo da Silva Abner, o que manterá o investigado preso será o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. Mas por que isso aconteceu e quais são as consequências práticas?

Inicialmente, resgatando a decisão judicial publicada nesta terça (19), a juíza Raquel de Almeida Valinho destacou que a prisão convertida em preventiva está relacionada à posse de arma. Quanto ao crime de homicídio, de acordo com o Judiciário, não estiveram presentes os requisitos da lei, já que o suspeito foi preso dias depois do crime, fora das circunstâncias consideradas 'flagrantes', que são quatro:

Como nenhuma das hipóteses se encaixa ao caso da chacina, a prisão em flagrante pelos homicídios precisou ser relaxada pela Justiça capixaba. Apesar disso, Abner não responderá ao processo em liberdade, já que teve a prisão preventiva decretada pelo crime de posse de arma - do qual resultou prisão em flagrante considerada válida.

Nos termos da decisão de Valinho: "Primeiramente, relaxo a prisão em flagrante no que tange ao crime de homicídio, eis que não se encontram presentes os requisitos do art. 302 do CPP. Mas em relação ao art. 12, caput da Lei 10.826/03 homologo a prisão em flagrante e delito", disse a magistrada no texto.

Sobre o assunto, o advogado criminal e professor de Direito Penal e presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB-ES, Anderson Burke, explicou que a prisão preventiva deve ser decretada quando for identificado o perigo concreto que a liberdade do indivíduo representa para a sociedade, mesmo quando não tenha havido antes uma prisão em flagrante, o que porém não é comum em audiência de custódia.

"Pela leitura da decisão, se verifica que a situação flagrancial apenas foi verificada quanto ao crime de posse ilegal de arma de fogo, o que serviu de fundamento para a homologação do flagrante e, possivelmente, foi a relação encontrada para a possibilidade da prisão preventiva. A prisão, porém, pelo o que se verifica, foi baseada na gravidade em concreto dos crimes de homicídio praticados, estes que também são objetos de inquérito policial", iniciou o professor.

Segundo Burke, a decisão também se pautou nos antecedentes criminais do autuado. "O fundamento utilizado pela magistrada foi a 'ordem pública' e a 'conveniência da instrução criminal', previstos no art. 312 do CPP, os quais significam o risco do indivíduo continuar delinquindo se em liberdade estiver, assim como a possibilidade de prejudicar o desenvolvimento da investigação, como, por exemplo, conforme fundamentado na decisão, com a coação de testemunhas e consequentemente a manipulação de provas", acrescentou.

Para o advogado, no entanto, deve-se destacar que a prisão preventiva deve ser medida excepcional e decretada sempre como última opção quando medidas cautelares não se demonstrarem suficientes para garantir os interesses de garantia da ordem pública e de assegurar a aplicação da lei penal.

SOBRE A PRISÃO EM FLAGRANTE

Sobre as circunstâncias que permitem a prisão em flagrante, o advogado criminalista Rivelino do Amaral informou, em entrevista à reportagem da TV Gazeta, que há as seguintes possibilidades: a pessoa ser surpreendida cometendo o crime; ser perseguida logo após o cometimento do crime; ou ser encontrada com elementos que façam crer que ela é a autora do crime.

"Na decisão, a juiza entendeu que Saulo não foi preso em flagrante pelos assassinatos e tentativas, mas sim pela posse ilegal de arma de fogo. Sobre o tempo limite do flagrante, este não existe. A pessoa continua em flagrante enquanto é perseguida, independentemente do tempo em que a polícia segue em seu encalço. Portanto, ao que tudo indica, a juíza não interpretou que o suspeito estava sendo perseguido pelo crime de homicídios", disse o jurista.

Para Amaral, a conversão de prisão pelo porte de arma facilita a defesa do suspeito, mas não significa que ele vá conseguir um Habeas Corpus mais facilmente. "Isso porque o juiz que pegar o processo pode ter outro entendimento e decretar a prisão preventiva pelos assassinatos. Isso pode acontecer mesmo na primeira instância, na vara criminal de Vila Velha, que é para onde o processo será distribuído", esclareceu.

DEMAIS ASPECTOS DA DECISÃO JUDICIAL

A juíza também detalhou na decisão que Saulo assassinou Elaine, José, Claudionor, Felipe e José, e tentou matar outras quatro pessoas — que não serão identificadas. Ele teria ido de carro e armado até o local do crime e disparado diversas vezes contra as vítimas, que se encontravam confraternizando em um churrasco. A motivação estaria relacionada a disputa pela posse do terreno onde ocorria a festa.

Pesquisas realizadas nos sistemas judiciais indicam que, contra o suspeito, constam registros criminais envolvendo medidas protetivas de urgência por descumprimento à Lei Maria da Penha, além de ações e inquéritos policiais por porte ilegal de armas, receptação, desobediência, adulteração de sinal identificador de veículo e tráfico de drogas.

O QUE DIZ A DEFESA

Procurado pela reportagem de A Gazeta, o advogado Hilo José de Freitas Moura, responsável pela defesa de Saulo da Silva Abner, destacou que o pedido realizado quanto à ilegalidade da prisão em relação aos homicídios foi reconhecido. "A juíza relaxou a prisão quanto aos homicídios e converteu em preventiva apenas quanto ao porte de armas. Ou seja, ela reconheceu que não havia o estado flagrancial. Demais passos da defesa não serão trazidos neste momento", disse.

SUSPEITO TINHA TRÊS ALVOS

O titular da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Tarik Souki, explicou que o suspeito foi ao bairro para monitorar o terreno dele porque sabia que outras três pessoas tinham ocupado o mesmo imóvel.

De acordo com a polícia, o preso alegou que os alvos eram o líder comunitário e outras duas pessoas, que sobreviveram. "Dois sobreviveram e um deles era o José Quirino [morreu]. Esses indivíduos corriam de um lado para o outro e, por isso, ele acabou acertando algumas pessoas. Segundo ele, a intenção era acertar três indivíduos, os demais ele acertou por acidente", afirmou a autoridade policial.

A Polícia Civil ainda investiga de quem é a propriedade dos imóveis invadidos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais