Três crianças que estavam desaparecidas há cerca de um ano foram resgatadas na última sexta-feira (20) e no sábado (21), uma em Marataízes, e as outras duas, em Piúma, ambos municípios no Litoral Sul do Estado, em situação análoga à escravidão. As idades das vítimas não foram informadas.
Ao repórter Caio Dias, da TV Gazeta Sul, o secretário Municipal de Segurança de Marataízes, Anderson Gouveia, disse que as crianças eram obrigadas a vender doces e pedir dinheiro em bares.
Em conversa com a reportagem de A Gazeta, uma agente da Guarda Civil de Marataízes — que participou da ação e pediu para não ter o nome divulgado — contou que as mães das crianças estão envolvidas em uma série de golpes aplicados em Cachoeiro de Itapemirim.
Segundo a agente, os pais conseguiram as guardas dos filhos e, por conta disso, as mães fugiram com as crianças. “Elas deixavam sob ‘cuidados’ de uma terceira pessoa, que obrigava os meninos a trabalhar vendendo doces”, relatou.
A agente da Guarda Civil de Marataízes disse que a abordagem aconteceu após uma denúncia feita por meio do telefone 153, informando sobre uma criança que estava desaparecida há cerca de um ano. O denunciante contou que viu a criança sendo explorada na venda de doces.
"No início, a ocorrência era relacionada a trabalho infantil, de uma criança que supostamente estava desaparecida. Mas depois descobrimos tudo o que estava por trás”, disse a agente.
Segundo ocorrência da Guarda Municipal, a criança foi vista acompanhada de uma mulher de cerca de 25 anos. Após ficar sabendo dos fatos e das características da suspeita e do menor de idade, as buscas foram iniciadas pela Guarda Civil e imagens de videomonitoramento da região ajudaram a corporação a chegar até as crianças.
No local indicado pela denunciante, os agentes da Guarda viram, no interior de uma lanchonete na Avenida Rubens Rangel, a mulher e a criança, e realizaram a abordagem. “A suspeita a todo instante tentou se evadir das perguntas realizadas pelos agentes, inclusive informando um nome falso”, diz a ocorrência da corporação. A equipe flagrou a criança vendendo doces no estabelecimento.
Os agentes da Guarda de Marataízes questionaram se a mulher teria algum documento para comprovar a identidade dela, mas ela alegou estar sem documentos naquele momento. Segundo a ocorrência, durante uma busca na bolsa da suspeita, foi encontrada a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) dela.
De acordo com a agente que conversou com A Gazeta, no momento da abordagem, a suspeita disse ser prima do menino e afirmou que ele estava ajudando ela na venda de doces.
Com o nome da mulher em mãos, a Guarda Civil de Marataízes realizou buscas no sistema e descobriu que um Boletim Unificado (BU) em que ela aparece como suspeita de sequestro e cárcere privado. “A todo tempo ela negava esse fato e o menor corroborava todas as informações passadas pela suspeita, tendo o menor, inclusive, se identificado com um nome falso”, diz a ocorrência sobre o caso. Segundo a corporação, a todo momento a criança olhava para a mulher antes de dar qualquer resposta.
De acordo com o Boletim Unificado, registrado no dia 17 de junho de 2021 pelo pai do menino, a mãe ficou com a guarda dos dois filhos após eles se divorciarem em 2016, e também teve direito a um apartamento, mas se mudou para a casa da irmã. “Ficou lá por uns meses, como se estivesse escondida, mas nada falava sobre o que havia acontecido para ter deixado inexplicavelmente o apartamento”, aponta o registro.
Ainda de acordo com o BU, o pai da criança relatou que, após quatro meses, a ex-esposa ligou para ele dizendo que ela e os meninos estavam indo para Recife, capital de Pernambuco, pois estava namorando um advogado rico. A mulher, segundo o homem, prometia entregar a guarda dos filhos para ele, mas sempre adiava.
No entanto, o pai da criança teria ficado sabendo de um suposto golpe cometido pela sobrinha dela com o namorado, e descobriu que a ex-esposa, na verdade, estava em Cachoeiro de Itapemirim, morando em uma quitinete de três cômodos com os dois filhos, a irmã e o sobrinho.
No boletim, a informação é que a sobrinha e o namorado dela levavam comida para os residentes da quitinete, e quem descobriu a situação teria sido o ex-cunhado dele, que, quando ia visitar o filho, somente o via da porta. A mulher com os filhos ficavam escondidos.
Ao pai que registrou o BU, a proprietária da residência contou, de acordo com o registro, que os filhos dele não saíam de casa e tinham apenas raros contatos visuais por uma janela dos fundos. “Disse que meus filhos estão muito brancos e com cabelo grande, demonstrando que estão em cárcere e sofrendo alienação parental, pois falo com eles por mensagens ou WhatsApp, mas tenho nítida sensação que estão sob supervisão da mãe para não falarem a localização nem passar outros detalhes do que se passam”, relatou o pai no boletim.
O boletim também informou que a proprietária da quitinete falou que a ex-esposa do homem perguntou, alguns dias antes, se a dona do local trocaria um cheque de R$ 13 mil reais, que pode ser fruto do golpe aplicado pela sobrinha da mulher.
Diante dos fatos, a mulher foi conduzida pela Guarda Civil de Marataízes para a Delegacia de plantão em Itapemirim, onde a criança também foi apresentada. Na delegacia, o menino relatou que outros dois meninos estavam em uma residência no município de Piúma. Foi realizado contato com o pai da criança, que compareceu ao local. Ele identificou o menor de idade como o filho dele desaparecido há cerca de um ano.
De acordo com o registro da ocorrência, o pai contou que o outro filho dele, também menor de idade, estaria na mesma situação. Além disso, teria outra criança, cujo pai também compareceu à delegacia e informou que o filho estava desaparecido.
Após todos os fatos terem sido esclarecidos pela Polícia Civil, as crianças foram localizadas e entregues aos responsáveis legais, segundo a Guarda Municipal. Já a mulher, de acordo com a corporação, deixou a delegacia no último sábado (21), e responderá ao processo em liberdade.
A Guarda Civil de Marataízes informou que está à disposição para ajudar a população por meio do telefone 153, e divulgou a rede social @canilgcmmarataizes para contato.
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil enviou informações disponibilizadas pelo titular da Delegacia Regional de Itapemirim, delegado Djalma Pereira Lemos. De acordo com o delegado, na sexta-feira (20), foram apresentados na delegacia uma mulher de 23 anos e um menino de 12 anos, identificado como sobrinho da apresentada. “Após a autoridade policial ouvir as partes, adotou a decisão de convidar o pai do adolescente, o qual já estava de posse do Termo Judicial de modificação liminar de guarda do filho, e este foi reintegrado à posse do pai”, diz a nota.
Segundo a Polícia Civil, não houve autuação da mulher, pois o adolescente, supostamente vítima de sequestro, se encontrava com a mãe e em companhia da tia. Sobre a denúncia de trabalho infantil, a polícia disse que o fato estará sendo objeto de investigação, pois devido ao horário da apresentação das partes e não havendo o crime de sequestro ou cárcere privado, se entendeu que será necessária uma investigação.
O caso segue sob investigação da Delegacia de Marataízes, onde caberá ao delegado titular tomar as medidas que entender mais adequada para apuração dos fatos. Quanto aos fatos de sequestro e cárcere privado, não existe medida judicial em desfavor da conduzida. Ela foi ouvida e liberada.
Após publicação desta matéria, a Polícia Civil enviou nota sobre o caso. O texto foi atualizado.
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