A decisão judicial que levou à prisão de dez advogados suspeitos de atuarem como "pombos-correios" de traficantes mostra o diálogo deles em um grupo de WhatsApp. No documento obtido por A Gazeta, que embasou a decisão judicial que culminou na operação TIES, é possível ver as orientações trocadas para que o repasse de informações entre membros soltos e presos do Primeiro Comando de Vitória (PCV) fosse realizado.
Advogados presos nesta sexta-feira (4):
Parte dos 10 advogados presos e o foragido Marco Aurélio de Souza Rodrigues integravam um grupo no WhatsApp denominado “ADVOGADOS UNIDOS”, criado, segundo a investigação, por Diego do Amaral logo após a deflagração da Operação Armistício, em 19 de julho de 2021, por volta das 18h.
Ainda segundo a investigação, dos 10 presos, oito estavam no grupo: Marco Aurélio, Diego do Amaral, Daniel Ferreira, Mateus Canizio, Davi Dickson, Mateus Canizio, Maila Hering e Maycon Neves. Haviam outras duas advogadas, uma delas denunciadas na Operação Pactum/Sicário, e um advogado investigado na Operação Luxor.
As investigações do MPES concluíram que o intuito desse grupo era facilitar a comunicação entre os advogados que visitavam internos do sistema prisional pertencentes ao mesmo grupo criminoso alvo da Operação Armistício e que também poderiam ser investigados pelo Ministério Público.
“Tanto que o denunciado Daniel, no início das mensagens, questionou se os participantes do grupo seriam os próximos alvos do Ministério Público (MP)”, mostra a decisão judicial.
A defesa de Davi Dickson Meroto Lamas Pereira solicitou um habeas corpus visando a "transferência do paciente para prisão domiciliar, mediante o uso de tornozeleira eletrônica ou qualquer outra medida cautelar alternativa à prisão", mas o pedido foi indeferido pela Justiça.
Dr Diego: Ae pessoal
Bora nos unir
Dr Mateus: Kkkkkkk
Dr Daniel: Esse é o grupo dos próximos alvos do MP?
Dr Diego: vou chamar prerrogativa tbm
As investigações constataram que, além de ser utilizado para tratar sobre as informações relacionadas à Operação Armistício, as comunicações tinham a finalidade de orientar os participantes acerca de medidas de segurança e precauções nas atividades envolvendo os atendimentos aos internos do sistema prisional e, consequentemente, impedir ou dificultar a condução de investigações pelo Ministério Público.
No diálogo abaixo, o denunciado Daniel Ferreira afirmou que todo mundo do grupo possui iPhone, sendo de conhecimento público que o grau de dificuldade para extrair dados de um aparelho Iphone (Apple) seria mais difícil que um Android (aparelhos dos fabricantes Samsung, Motorola, LG, Sony, etc.).
O documento mostra que, após conversarem sobre as prisões domiciliares impostas aos advogados no âmbito da Operação Armistício, o denunciado Diego do Amaral orientou os participantes a não terem medo. Na sequência, Daniel Ferreira disse que a prisão domiciliar é tranquila, ao que o denunciado Diego do Amaral respondeu que o problema é que: “acaba com nossa reputação e profissão”.
Dr Diego: gente não pode ter medo
domiciliar é tranquilo
nossa mas acaba com nossa profissão e reputação kk
Dr Daniel: qualquer coisa a gente abre uma boca e vamo vender droga
Davi Adv/Frajola: só coloca aqui quem a gente confia
eu não conheço
todo mundo de nome
Dr Daniel: vou fazer uma proposta de delação
Em mensagens obtidas pelo MPES, é possível ver que Davi Disckson afirmou que Diego do Amaral "era o chefe da organização criminosa", além de questionar sobre as tarefas do dia. Os integrantes do grupo tinham a preferência pela comunicação por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, tendo em vista o amplo conhecimento de que o conteúdo trafegado por meio desse recurso é criptografado de ponta a ponta.
O dialogo mostra ainda Davi Dickson citando que nunca viu interceptação de WhatsApp. Em seguida, menciona que: “o problema é quando pegam o celular”, bem como orientou os participantes a não se descuidarem com a nuvem. Na sequência, o denunciado Davi Dickson ratificou a afirmativa e orientou os membros terem cuidado com os prints, ao que o denunciado Mateus Canizio recomendou aos colegas que nunca fizessem capturas da tela.
Davi Adv/Frajola: diego você é o chefe dessa organização criminosa
quais as minhas tarefas de hoje
nunca vi o whatsapp interceptar
quando pegam o celular é o problema
não deem mole com a nuvem
Dr Diego: por isso eu disse isso
em cuidado com os print
Dr Mateus: nunca tirar print
eu nao tiro foto
A decisão judicial aponta que o foragido Marco Aurélio de Souza Rodrigues tinha atuação de destaque no setor jurídico do PCV e teria sido recrutado para atuar na transmissão de recados no interesse do grupo criminoso, funcionando como mensageiro entre os faccionados nas unidades prisionais e em liberdade ou foragidos, viabilizando a gestão das atividades criminosas da facção, mais especificamente para o tráfico de drogas.
Em depoimento prestado junto ao Gaeco, o acusado relatou atuar como mensageiro (pombo-correio), atendendo, em média, cerca de cinco detentos por dia, recebendo R$ 100,00 por visita realizada, e transmitindo recados, via WhatsApp, para familiares e/ou alguém que atuava no comércio de drogas.
Segundo consta na decisão, foi realizada análise parcial dos dados extraídos dos aparelhos celulares encontrados na residência e na posse de Marco Aurélio, apreendidos no âmbito da Operação Luxor, sendo possível identificar diversos exemplos de mensagens efetivamente transmitidas entre membros da facção PCV, por meio dos atendimentos feitos pelo acusado Marco Aurélio no sistema prisional capixaba.
Após minuciosa verificação das informações contendo os registros das visitas de advogados em determinadas unidades prisionais capixabas, conclui-se, segundo a investigação, que Marco Aurélio realizou no mínimo 1.413 visitas a 322 internos diferentes, no período de janeiro de 2020 a abril de 2022, em pleno período de pandemia e restrições sanitárias, com a ressalva de que o tempo de duração dessas visitas chegaram a perdurar por mais de onze horas no período noturno ou na até na madrugada com outros faccionados de uma vez, chegando a alcançar o total de 3.086 horas.
A reportagem de A Gazeta procurou a Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo, em busca de um posicionamento, e tenta localizar a defesa dos presos. O texto será atualizado.
Após a publicação desta matéria, a defesa de Davi Dickson Meroto Lamas Pereira solicitou um habeas corpus visando a "transferência do paciente para prisão domiciliar, mediante o uso de tornozeleira eletrônica ou qualquer outra medida cautelar alternativa à prisão", mas o pedido foi indeferido pela Justiça. O texto foi atualizado.
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