Duas advogadas, de 32 e 39 anos, foram detidas em ação conjunta da Polícia Civil do Espírito Santo (PCES) e da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) na manhã desta sexta-feira (23). A tarefa conjunta visava cumprir quatro mandados de prisão preventiva e seis mandados de busca e apreensão em desfavor de advogados suspeitos de ligação com organizações criminosas que atuam no tráfico de drogas nos dois Estados. Os nomes das detidas não foram divulgados.
A ação é uma junção da Operação Vade Mecum, da Delegacia Especializada de Narcóticos (Denarc) Guarapari, e da Operação Marcos 4:22, da 4ª Delegacia de Polícia Civil de Muriaé, em Minas Gerais. Os alvos de busca desta sexta-feira (23) são investigados nas duas operações. Em nota, a PCMG informou que as equipes participantes na ação reúnem cerca de 30 policiais, entre equipes da PCMG, da Denarc Guarapari, da Superintendência de Polícia Regional Metropolitana (SPRM) e da Superintendência de Polícia Especializada (SPE).
Uma das advogadas foi presa em Jardim da Penha, em Vitória, e a outra em Vista da Serra, na Serra. Elas não resistiram à prisão. De acordo com a polícia, outros dois advogados estão foragidos, sendo um homem e uma mulher que chegou a deixar o país e teria ido para Portugal.
De acordo com o delegado Rômulo de Freitas Segantini, titular da 4ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Muriaé, sobre a foragida que se encontra na Europa, há possibilidade de incluí-la na lista de buscas da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol). "Na data de hoje (23) nós demos cumprimento a quatro mandados de prisão preventiva, sendo dois alvos localizados e dois foragidos, um deles, inclusive, segundo apurado, teria fugido para a Europa. Sobre ela, nós iremos oficiar ao Judiciário, a fim de que o nome dela possa ser incluído em lista da Interpol, de modo a viabilizar a localização, onde quer que ela esteja", afirmou.
As detidas foram aliciadas pelo tráfico de drogas e tiveram as prisões preventivas decretadas em razão de suposta participação em organização criminosa e participação no tráfico. Ainda segundo a polícia, elas ficarão presas no Espírito Santo, e já se encontram no Presídio Feminino de Cariacica.
Também segundo Segantini, na divisão de tarefas cabia às advogadas detidas a transmissão de recados. "Elas coletavam informações de pessoas suspeitas de integrar a organização criminosa, fazendo a máquina funcionar. Os mandados de prisão preventiva que foram cumpridos ocorreram simultaneamente a mandados de busca e apreensão. Ambas foram localizadas nas residências delas, não ofereceram resistência, cooperaram com a intervenção policial. Elas responderão judicialmente pelos crimes que ficarem comprovados ao decorrer das investigações", disse.
Diante da recorrente participação de advogados em esquemas relacionados ao tráfico de drogas no Espírito Santo, como foi o caso de mais duas prisões em setembro de outras duas advogadas, bem como em agosto de 2019, o delegado Guilherme Eugênio, titular da Denarc de Guarapari, comentou que estes profissionais são do interesse das organizações criminosas.
"Quando o sistema prisional é forte e consegue impedir, por exemplo, a entrada de celulares e outros tipos de vantagens ilícitas nos presídios, o criminoso tem uma única alternativa para manter, de dentro da prisão, a comunicação com o mundo exterior. A alternativa é a cooptação de advogados, que são os únicos que podem ingressar a qualquer horário do dia e da noite em unidades prisionais, independentemente de revista. Então esses profissionais são de especial interesse dessas organizações porque são os únicos que podem viabilizar a manutenção do contato entre as lideranças do crime organizado e de seus subordinados em liberdade", explicou.
Segundo ele, no dia em que duas advogadas foram presas em Santa Paula, um grupo de advogados hoje investigados esteve presente. "Muitos dos alvos de hoje (23), visitados ou efetivamente presos, estiveram na Delegacia Regional de Guarapari na data que foi deflagrada a Operação Vade Mecum. O alvo do sexo masculino foragido agora, inclusive esteve na unidade prisional na qual nós demos cumprimento ao mandado de prisão em face do inspetor penitenciário e também na Delegacia Regional de Guarapari quando demos cumprimento aos mandados expedidos em face daquelas advogadas. Ele foi apontado, na época, como o advogado das advogadas. E hoje está foragido", comentou a ligação entre os fatos.
Segundo a autoridade, a operação Vade Mecum, que ocorre no Estado, vem se revelando distinta do que se imaginava quando teve início. "Na operação Vade Mecum foram detidas ao todo nove pessoas e foi iniciada revelando um esquema um pouco diferente. Originalmente revelou-se a inserção de drogas em unidades prisionais. Mas o que esta atual investigação veio a revelar é que a mesma categoria de profissionais que se dedicava a essa inserção de drogas, ao transporte de drogas às unidades, também se dedicava à transmissão de recados que viabilizam a manutenção do poder das organizações criminosas", acrescentou.
Além dos quatro advogados alvos de mandado de prisão nesta sexta-feira (23), ainda há outros sendo investigados. "A decretação da prisão preventiva é um ato muito sério, que demanda elementos bastante robustos, demanda cautela e prudência. Na operação de hoje (23), coordenada pela PCMG, havia seis advogados investigados e um interno do sistema prisional. Na Vade Mecum são muitos advogados investigados e só dois em face dos quais as provas já eram suficientemente robustas para prisão", afirmou.
Além das advogadas presas nesta sexta-feira (23), um interno do sistema prisional também foi efetivamente preso nesta data, em cumprimento ao mandado de prisão preventiva expedido pela comarca de Divino, em Minas Gerais. "Ele foi preso a pedido do Dr. Rômulo, foi detido na penitenciária de Segurança Máxima II de Viana, uma vez que as atividades atribuídas às advogadas se davam sob as solicitações dele. Quando se investiga o mensageiro, se investiga também o emissor da mensagem e isso está sendo objeto de investigação também", disse.
Em nota, a PCMG informou que a Operação Marcos 4:22 foi iniciada ainda em agosto deste ano. "O cumprimento dos mandados é acompanhado pela Comissão de Defesa das Prerrogativas, da OAB/ES. A primeira fase da operação Marcos, 4:22 foi deflagrada em agosto. A manobra desmantelou uma organização criminosa suspeita de atuar na prática de tráfico ilícito de drogas na área de atribuição da 4ª Delegacia Regional de Polícia Civil em Muriaé e em cidades limítrofes, com ramificações que ultrapassam as fronteiras do Estado de Minas Gerais. De acordo com o delegado Rômulo de Freitas Segantini, durante cerca de dez meses de investigação, mais de trinta pessoas foram detidas. Além disso, cerca de 30 veículos e quase R$ 100 mil foram apreendidos, bem como outros materiais de interesse investigativo".
De acordo com informações da PCMG, a união das duas operações é fruto de um importante intercâmbio de informações entre as polícias capixaba e mineira, e representa a união de esforços no combate ao tráfico de drogas e crimes relacionados.
De acordo com a autoridade policial mineira, a forma de operar das organizações criminosas investigadas pela operação Marcos 4:22 se dava a partir das ordens emanadas pelos líderes da organização, sendo que veículos eram dados como parte do pagamento por grandes quantidades de drogas. "Eles utilizavam de batedores transportando a droga do Estado do Paraná. Normalmente dois ocupantes estavam a bordo do veículo batedor e um terceiro, também membro da organização criminosa, ia conduzindo o veículo transportando grande quantidade de droga", apontou.
A Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES) foi demandada pela reportagem e se manifestou por meio de nota. Confira:
"A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Espírito Santo, vem se posicionar sobre uma operação de prisão e busca e apreensão ocorrida no dia de hoje, a partir de diligências lideradas pela Polícia Civil de Minas Gerais e acompanhada pela Polícia Civil do Espírito Santo, e que teve como alvos advogados inscritos nesta Seccional:
1. A OAB/ES é intransigente na defesa dos direitos e prerrogativas dos advogados, princípios que foram desrespeitados pelas autoridades policiais citadas, razão pela qual a OAB/ES ingressará com a devida representação nós órgãos de controle que tutelam as autoridades policiais que descumpriram a lei.
2. A OAB/ES já está adotando todas as providências judiciais para que possam prevalecer as prerrogativas dos advogados, estabelecidas por lei, entre elas: habeas corpus para que os advogados estejam em sala de estado maior ou prisão domiciliar; arguição da nulidade dos atos ilegais praticados.
3. A Lei 8.906/94 é imperativa ao tratar dos direitos dos advogados no artigo 7º, determinando, de forma específica em seu inciso IV e parágrafo 6º, que o cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão ou prisão que tenha como alvo um advogado, requer a comunicação expressa à seccional da OAB e o cumprimento na presença de representante da OAB.
4. Na operação citada, não houve uma coisa (comunicação expressa) nem outra (presença de representante), tendo a Polícia se limitado a telefonar para o Plantão da Comissão de Prerrogativas às 6h24, quando as diligências já estavam em curso, o que é inaceitável. A comunicação deve se dar com a devida antecedência, mais ainda no caso de uma operação programada.
5. Diante das ilegalidades praticadas pelas autoridades policiais, a OAB/ES entendeu por bem não acompanhar as diligências, para não legitimar aquilo que é ilegal".
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