Ao ver as fotos do rosto desfigurado da vendedora Jane Cherubim, de 36 anos, a paisagista carioca ficou transtornada. Naquele momento Elaine Caparroz, de 55 anos, reviveu a agressão que tinha sofrido há 20 dias, no Rio de Janeiro, muito semelhante à praticada contra a vendedora. Fiquei estarrecida, em choque quando vi a foto, e ainda estou muito mal, contou.
ATENÇÃO | As imagens nesta entrevista são consideradas fortes
Elaine foi espancada por cerca de quatro horas no apartamento onde morava, na Barra da Tijuca, na madrugada do dia 17 de fevereiro. Foi encontrada pelo zelador do prédio em uma poça de sangue, desmaiada. O suspeito das agressões, Vinicius Serra, 27 anos, está preso por tentativa de feminicídio.
No Dia Internacional da Mulher, em que não há muito a se comemorar, a paisagista conta em entrevista ao Gazeta Online que lamenta muito o ocorrido com Jane, agredida na última segunda-feira pelo companheiro Jonas do Amaral, mas acredita na força para se reerguer. O crime aconteceu na pacata Dores do Rio Preto, interior do Estado. Para Elaine, a vendedora, assim como ela, irá superar a agressão sofrida. E vai se tornar uma mulher muito mais forte, destacou.
A ENTREVISTA
Uma vendedora sofreu uma agressão semelhante a sua.
Sim, eu soube. E quando vi as fotos dela fiquei transtornada, em choque. Revivi toda a agressão que tinha sofrido. Ainda estou triste e me sentindo muito mal, porque sei exatamente como ela está se sentindo no hospital, o que está vivenciando e, posso te garantir, é muito difícil.
O que ela sente?
Quando você passa por este tipo de agressão e é levada para o hospital, em um primeiro momento, não se dá conta exatamente do que aconteceu, de como está. É uma situação estranha. Não sabe o que está acontecendo, a gravidade da situação, não se viu no espelho. E sem contar os problemas que ainda enfrenta e que vão além dos ferimentos na face.
Quais?
Eu, por exemplo, tive perfuração na pleura e queda de hemácias. No hospital, me informaram que, quando o corpo é agredido desta forma, durante a violência você se contrai. Os músculos acabam liberando muita creatina (substância presente nas fibras musculares), o que afeta as hemácias do corpo, levando à anemia e à insuficiência renal, que foi o que tive. Estou ainda com descolamento de retina, fratura no nariz, fratura no dente, fratura orbicular (olho), mordidas pelo corpo. Meu rosto está desfigurado, e muito, muito inchado. Sinto dores de ouvido, nos malares, nos dentes, na bochecha, nas mordidas que ele me deu, no pulmão esquerdo, no nariz ainda fraturado, no olho. Sinto dores para dormir e até para me alimentar. Fiquei sete dias só tomando líquidos. Acredito que para ficar bem, retomar a minha vida, vou demorar uns três meses ou mais.
Como reagiu ao ver seu rosto?
Foi no quarto dia. Meu rosto estava e ainda está , totalmente desfigurado. É uma tristeza enorme e me dei o direito de chorar, chorar muito. Mas durante este momento também fiquei pensando: eu vou me curar, vou ser forte, vou ficar bem, reorganizar a minha vida, isso não vai me abalar. A todo momento me lembrava que tenho o apoio dos familiares e amigos. Ainda não sabia que meu caso teve toda esta repercussão. E graças a Deus que teve esta repercussão. Não me sinto nem um pouco menos digna por causa do que eu passei. Naquele momento eu percebi que tinha duas opções: ficar mal e me entregar ou ser forte e superar. Escolhi ser forte.
Você vivenciou momentos de cobrança pessoal, revolta?
Em alguns momentos eu me questionei do porque de ter sido agredida. Estava no auge da minha vida. Sou uma mulher bem resolvida, estou solteira há cinco anos e neste período só me relacionei com três pessoas. Em algum momento cheguei a pensar que pudesse me sentir culpada, mas não. Sei que sou uma pessoa extremamente cuidadosa, não fico em site de relacionamentos, não convido ninguém para o meu apartamento.
Como conheceu seu agressor?
Pelo Instagram, onde conversávamos há oito meses, e, infelizmente, neste dia ele me pegou em um momento em que estava um pouco fragilizada, um pouco carente, algo que não tenho vergonha de assumir. Estava fazendo compras, sozinha, ia para casa assistir um filme, beber um vinho, e dormir para malhar na manhã seguinte. Ele me ligou e convidou para sair. Pensei, por que não conhecer alguém, bater um papo? Não vi maldade porque já conversava com ele há oito meses e achava que o conhecia.
E o conhecia?
É uma impressão falsa. Você não conhece ninguém pela internet, mas também não conhece quem está ao seu lado, convivendo com você, noiva, morando junto, casada. Pode passar dez anos com uma pessoa e ter um problema como esse.
O que você diria para a Jane Cherubim?
Tenho certeza que neste momento ela pouco deve estar se comunicando e nem mesmo entendendo a extensão do que aconteceu. Neste momento, tudo o que ela precisa é de muito repouso e, sinceramente, não receber visitas. Não é o momento. Agradeço todo o apoio que recebi, mas sei que ela precisa estar com os mais íntimos, como o pai, a mãe, o irmão que a salvou. Outro ponto importante é fazer todos os exames necessários. No meu caso, por exemplo, não fizeram exame toxicológico. Não tenho como provar que ele me dopou, embora eu tenha certeza que isto tenha ocorrido. No caso da Jane, ela estava lúcida. Pelo que soube, tinha saído da cervejaria da família junto com o companheiro. Mas seria bom saber se foi violentada, já que foi encontrada seminua, ter provas. No meu caso, não fizeram o exame ginecológico, que deveria ser de praxe nestas situações.
Como superar este tipo de violência?
Ela vai superar, assim como eu, e vai se tornar uma mulher muito mais forte. Hoje eu me sinto assim, uma pessoa diferente, com uma vontade imensa de ajudar outras mulheres. Com a repercussão do meu caso, recebi apoio de muitas mulheres, do mundo inteiro, e de homens também. Elas me deram voz para ajudar outras mulheres.
Como pensa em ajudá-las?
Estou contando com a ajuda de amigos para ver a melhor forma, mas por enquanto tenho utilizado as redes sociais. Estou me unindo a um grupo de mulheres que apoiam esta causa, mas gostaria de ir além. Quero chegar a um patamar estadual ou federal, tentar influenciar para que as leis mudem, fiquem mais rigorosas. Meu caso não foi o único e os governantes precisam olhar com mais atenção para os casos de violência contra a mulher.
Você já retornou para a sua casa?
Por enquanto estou na casa de amigos. Minha família é de São Paulo, mas preciso ficar no Rio para continuar meu tratamento. Vou ao apartamento apenas para pegar roupas, mas sempre acompanhada, e mesmo assim me sinto mal naquele ambiente. As lembranças do que passei ali são horríveis. Fora que o apartamento ficou destruído. O agressor quebrou móveis e há marcas de sangue na parede, no chão, sofá, cama, na cozinha, nas portas. E lembro que foram horas de tortura.
Você se refere a demora no socorro?
Pedi socorro de 1h até as 4h, e ele só chegou às 4h45. Foi muita negligência dos funcionários, dos vizinhos. Nunca imaginei que pedindo socorro e gritei absurdamente até machucar a minha garganta , ninguém chamaria a polícia ou arrombaria a porta para me ajudar. Quatro horas se passaram e nada foi feito.
Você acha que foi por individualismo ou medo?
As pessoas têm medo de ouvir um grito de socorro, de o agressor estar armado e acabar atirando contra elas. Mas chamem a polícia. O que não se pode é achar que é problema de marido e mulher, ficar esperando, e a pessoa agredida morrer. Tem que tocar a campainha, invadir a casa. Não dá para esperar. Olha o que aconteceu comigo. Saí do meu apartamento entre a vida e a morte.
Do que se lembra?
Ele me desferiu mais de 50 socos. Ele colocou o joelho no meu peito, me prendeu e me socava. Ele me mordeu, tentou me estrangular. Foi horrível. Teve um momento em que achei que ele tinha arrancado meu olho com a mão. Descobri depois que foi o momento da fratura orbicular. Foram muitos socos. Imagino que o mesmo deva ter acontecido com a Jane, pelas fotos que vi.
Ela teve unhas arrancadas.
Pelo amor de Deus! Mas acho que ele não arrancou as unhas dela. Ao arrastá-la pelo chão, ela deve ter tentando se segurar com os dedos, com as unhas e elas foram arrancadas. Deve ter sido horrível. Sou uma pessoa muito positiva e sei que tenho que ter equilíbrio e controle, mas quando vi as fotos dela fiquei transtornada. Naquele segundo em que vi o estado da Jane fiquei absurdamente triste, arrasada, chocada. Fiquei imaginando o que ela passou. Deve ter sofrido muito na mão desse cara. E foi menos tempo do que eu, não é?
Acredito que sim.
Eu imagino que no meu caso, o meu agressor me espancava, cansava, parava e depois retomava os espancamentos. Não ficou quatro horas seguidas me espancando. Ele parava, eu desmaiava e quando retomava a consciência, ele voltava a me bater. O agressor dela, pelo que entendi, a espancou de uma vez só, largou o corpo na curva para que ela fosse atropelada e fugiu. Chego a pensar que a situação dela foi ainda pior do que a minha. Acredito que ele a tenha nocauteado logo. Não sei quanto tempo ficou acordada para suportar os golpes. Depois que ela desmaiou, ele deve ter continuado a bater nela. É a impressão que tenho.
Você foi criticada nas redes sociais por levar um estranho para dentro de sua casa?
Recebi muitas mensagens falando coisas absurdas a respeito disso, por eu ter dado a liberdade a uma pessoa que não conhecia para frequentar a minha casa. Agora, se você marca em outro local também pode ser assaltada ou agredida. A Jane Cherubim foi agredida na rua, pelo companheiro dela, e largada na estrada para ser atropelada. Não estava dentro de casa. Então, não há referências, regras. Eu o levei para minha casa e aconteceu isso. Outra mulher estava com o marido e ele a jogou do apartamento. Então, se você não conhece é agredida, e se você conhece há 10, 20 anos, também é agredida? Tem pessoas dizendo até que fui agredida por minhas posições políticas, mas não importa em quem você votou, você é agredida.
O que espera da Justiça?
Quero que ele pague pelo que fez comigo, que pegue uns 30 anos de cadeia. Mas meu advogado e outras pessoas já me informaram que se ele tiver bom comportamento pode sair antes, o que me deixa chateada. Ele não é uma pessoa para viver em sociedade.
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