Expulso do reality show A Gande Conquista, da Record TV, e preso na última sexta-feira (12) em São Paulo, o soldado da Polícia Militar do Espírito Santo Fellipe Pedrosa Leal Villas está sendo investigado por deserção, resultado da ausência dele no trabalho como policial. Conforme apurado pela reportagem, o PM teve o salário bloqueado no fim do mês de maio e contra ele havia um mandado de prisão preventiva em aberto desde o dia 26 de junho por deserção. A Gazeta foi atrás de informações para explicar o que é o crime de deserção militar e no que ele implica.
Na sexta-feira (12), a Record TV divulgou que o soldado havia sido retirado do programa por "infringir normas militares". O soldado chegou a pedir à corporação para entrar no reality, mas não foi autorizado. Fellipe tirou férias entre abril e maio, e, após esse período, como não se apresentou para trabalhar, foram abertos dois procedimentos internos na corporação: uma sindicância e um processo por deserção. O policial seguiu no programa de TV sem receber salário.
O pedido de prisão cita que a falta ao serviço "atenta contra a hierarquia" da corporação militar. O juiz explica que o período de "ausência injustificada" superou o prazo de oito dias – momento em que a conduta passa a ser considerada delito de deserção.
A Gazeta consultou especialistas, que apontaram, sobretudo, a diferença entre militares e civis quando o assunto é a falta ao trabalho. A deserção militar tem características específicas.
Segundo o coronel da reserva da Polícia Militar Rogério Lima, especialista em segurança pública pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o crime de deserção tem características específicas. A inexistência de uma ou mais condições inviabiliza que a suposta atitude de um militar tenha esta classificação.
A classificação de deserção militar requer:
O coronel da reserva da Polícia Militar Gustavo Debortoli ressalta que um dos artigos do Código Penal Militar estabelece que o militar desertor só recebe esta classificação caso não tenha justificado a ausência. "Consumado o crime de deserção, o comandante da unidade ou autoridade correspondente deve lavrar um auto de deserção", afirma.
Na comparação entre o Código Penal Militar e a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), é possível notar algumas diferenças. Uma delas é o período da ausência. Para os civis, o período é maior, há mais tolerância. O artigo 482 da CLT, item i, estabelece que o abandono de emprego constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho. Como regra geral, não há um número exato de faltas, mas sim a exigência de 30 dias consecutivos de ausência do colaborador.
Na avaliação do coronel Rogério Lima, a deserção fere a ética e os valores militares. O oficial da reserva explica que a deserção está prevista desde o Império Romano, quando já havia explicações para casos semelhantes.
O coronel Rogério Lima ainda ressalta que o crime é, necessariamente, um ato doloso. Isso quer dizer que, caso o militar tenha sofrido um acidente, por exemplo, e não avise à corporação, não há justificativa para punição. Ato culposo, quando não há intenção, não entra na classificação de deserção.
A prisão do soldado Fellipe Villas, expulso de um reality show, representa o que pode acontecer em casos de deserção. A ausência no trabalho por muitos dias resulta em punições, como a prisão. O coronel Rogério Lima explica que o crime tem caráter permanente. Isso quer dizer que há o flagrante e o militar desertor pode ser preso a qualquer momento e em qualquer lugar.
No caso do solado Fellipe Villas, preso na última sexta (12), havia um mandado de prisão preventiva contra ele, expedido dias antes. Acontece que, de acordo com o coronel, mesmo que não houvesse o mandado, o militar poderia e deveria ser preso.
Procurada pela reportagem desde a prisão do soldado, a Polícia Militar tem informado que ele foi detido em São Paulo e seria encaminhado ao Espírito Santo nos próximos dias. Não há, até esta quinta-feira (18), informações sobre a vinda do soldado para o Estado.
Segundo o coronel Rogério Lima, a ausência do militar no primeiro dia já gera uma espécie de comunicado interno. A Polícia Militar tem como prática registrar em documentos as faltas, tornando oficial tudo que acontece no cotidiano da corporação. "Quando há a falta, o comandante precisa fazer a comunicação disciplinar da falta. E aí começa a contar o prazo. É preciso contar oito dias. Completando este período, o militar pode ser considerado desertor", explica.
Uma tabela explica como é feita a contagem das faltas. A explicação, contida no livro Manual de Direito Penal Militar, mostra que a ausência passa a ser considerada ilegal à zero hora do dia seguinte à primeira falta.
Se entre os militares é importante o registro da falta, na vida do civil, também. Independente se o patrão conseguiu ou não contato com o profissional ausente, e se há ou não uma razão válida para a falta, é sempre importante que a falta seja devidamente registrada.
Há um procedimento classificado pela Polícia Militar como inventário. É neste processo, segundo o coronel Rogério Lima, que a corporação faz um levantamento dos materiais, como a farda e a arma, que estão com o policial militar ausente. A ideia é ter ciência do que foi cedido para o trabalho, mas não foi entregue. Estes itens não ficam com o PM caso ele saia da corporação.
"É preciso fazer um inventário, saber o que está com o policial. Pistola, carregador, colete, a farda... o que pertencer à fazenda pública e estiver com o militar precisa ser arrolado ao processo. Estes itens não podem ser usados por terceiros", afirma o especialista.
O coronel Rogério Lima explica que a Polícia Militar procura o indivíduo antes mesmo de ele ser considerado um desertor. Após a realização do inventário, a corporação precisa fazer diligências até o oitavo dia.
"O militar pode estar com vontade de se ausentar, mas há outros cenários. Ele pode estar acamado, ter se acidentado, estar preso... então é preciso fazer diligências para encontrar o militar. São necessária, no mínimo, três diligências para ver se a corporação encontra o militar. Ele é procurado, por exemplo, em hospitais", pontua o coronel.
Caso ele seja encontrado, segundo o coronel Gustavo Debortoli, a autoridade militar deve comunicar à Justiça militar. É preciso informar a data e o local onde o militar se apresentou ou foi capturado. A partir disso, a corporação segue a investigação e o julgamento.
Os especialistas procurados pela reportagem de A Gazeta pontuam que a pena para um militar desertor é de prisão entre seis meses e dois anos. Em casos mais graves, o militar desertor pode ser excluído da Polícia Militar.
A ausência não significa, necessariamente, o crime de deserção. Conforme explicado pelo coronel Rogério Lima, há casos em que os policiais solicitam licença, com ou sem remuneração, e podem se ausentar do trabalho. Mas, para que isso aconteça dentro da legalidade, o militar precisa ter mais de dez anos de carreira na corporação. O soldado Fellipe Villas, por exemplo, tinha menos de dez anos na Polícia Militar e não poderia ter recebido a licença legal.
Desde o último dia 12, há uma semana, a reportagem tem demandado a Polícia Militar do Espírito Santo para ter informações a respeito da transferência do soldado Fellipe Villas. Inicialmente, a corporação informou que não tinha detalhes sobre a transferência dele, mas que o soldado continuava preso em São Paulo.
Na quinta-feira (18), A Gazeta voltou a procurar a Polícia Militar, considerando as explicações das fontes sobre o processo de deserção. Em nota, a corporação informou que as ações para a transferência do policial militar para o Espírito Santo estão sendo adotadas e que, quando chegar ao Estado, Fellipe Villas ficará no presídio militar, localizado no Quartel do Comando-Geral, em Maruípe, Vitória.
A Polícia Militar ainda informou que o soldado responde judicialmente pelo crime de deserção. Na esfera administrativa, há a possibilidade, segundo a polícia, de desligamento do soldado da corporação. "O crime de deserção é julgado pela Justiça Militar Estadual, nos ritos da Auditoria da Justiça Militar Estadual. Não temos como precisar o tempo que durará o processo", informou a PM em nota.
Conforme explicado nesta reportagem, o crime de deserção tem caráter permanente, ou seja, o policial que está ausente pode ser preso a qualquer momento e em qualquer lugar. Questionada sobre a data da prisão, a Polícia Militar informou que "a decisão pela prisão obedeceu a critérios de oportunidade e conveniência, sendo apoiada pelo comando da Polícia Militar de São Paulo. A ordem judicial dá segurança na operação, que envolve outros agentes públicos, fora do Estado do Espírito Santo".
Por fim, a Polícia Militar informou que os materiais da fazenda estadual, como a farda e a arma do soldado, devem ser recolhidos em caso de deserção.
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