O sentimento é de impotência. No edifício em que Kátia Matos da Silva Ferreira foi morta a tiros pelo marido e policial Márcio Borges Ferreira, um primo dela revelou a rotina de violência. "Não é a primeira vez que houve essa tentativa. Na verdade, houve tentativas e ontem foi fatal. Era previsível", disse, sem querer ser identificado.
A professora de 49 anos foi assassinada pelo cabo da Polícia Militar, após uma discussão na noite de domingo (11), em Vitória. O crime aconteceu dentro do apartamento em que eles moravam e foi presenciado pela filha do casal, de apenas dez anos. Após o disparo, a criança saiu correndo e pedindo ajuda aos vizinhos.
De acordo com o parente, a prima já havia relatado diversas agressões e ameaças à família. Boletins de Ocorrência também chegaram a ser registrados na Polícia Militar, e a própria Corporação teria aberto um inquérito para investigar o policial. As queixas, porém, acabaram sendo retiradas pela vítima.
Pelo relato do familiar, a situação é um exemplo claro do ciclo da violência doméstica: discussões evoluem para ataques mais graves, intercalados com pedidos de desculpas. Somados a fatores como dependência financeira, a mulher muitas vezes tem medo ou desiste de levar o caso à Justiça. Não raramente, tudo termina com mais um feminicídio.
"Há cerca de oito anos, se não me engano, ele chegou a ser detido, mas depois voltou, pediu desculpas. A família conversou, e ficaram algum tempo vivendo bem. O pai dela chegou a alertar, a aconselhar algumas vezes. Mas o cara fala que vai mudar, a mulher acredita e, no fim, acontece isso", desabafou o primo, emocionado.
No caso de Kátia há ainda outro agravante: o marido e agressor ainda era – ou pelo menos deveria ser – um representante da lei, que dá segurança às pessoas. Ou seja, é como se ela se sentisse encurralada, sem saída. Ainda assim, a orientação das autoridades é justamente fazer a denúncia e pedir por proteção.
Sem poder voltar atrás para evitar a morte da prima, o familiar fez um pedido a outras mulheres que possam estar passando por algo semelhante. "Na primeira situação que acontecer uma violência, denuncia e separa. Não espera, porque vai vir mais. Vai ser pior e você pode acabar sendo mais uma vítima", concluiu.
Ainda de acordo com o parente da vítima que acompanhou o trabalho de perícia da Polícia Civil no apartamento, o cabo Márcio Borges Ferreira teria alegado que o crime tratava-se de um suicídio. "Mas em hipótese nenhuma isso é cabível. Todos os vizinhos ouviram a discussão", afirmou o primo, categoricamente.
No auto de prisão em flagrante também relata que o policial teria arrastado a vítima pelos corredores do prédio, segurando-a pelos cabelos. Em seguida, ele teria jogado a esposa no interior da residência, deixando-a trancada no local. As informações constam em uma decisão judicial publicada nesta segunda-feira (12).
No meio do crime, com a mãe morta e o pai preso, está uma menina de apenas dez anos. A família ainda está decidindo com quem ela ficará e por quem será cuidada, mas revelou que os avós maternos têm condições delicadas de saúde. A avó está acamada, em fase terminal de Alzheimer, e o avô enfrenta um câncer no pâncreas.
"A Kátia era uma pessoa extremamente amável, tomava conta dos pais, que são idosos, e da filha. Tudo desse apartamento, ela que conseguiu. Ele era apenas o marido", disse um primo. "O que o cidadão fez com a filha dele? Com quem ela vai ficar? Vai ser muito difícil. Vamos ver o que faremos", desabafou.
Na própria noite do crime, a Polícia Militar compareceu ao imóvel de Jardim da Penha e encontrou o cabo Márcio Borges Ferreira. Embora detido, ele se queixou de mal-estar e dor de cabeça, e foi levado para o Hospital da PM, que também fica na Capital, antes de ser encaminhado ao Plantão Especializado da Mulher.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que ele foi autuado em flagrante por homicídio qualificado (por motivo fútil, por não ter dado chance de defesa à vítima e por ser em contexto de violência doméstica) e majorado (por ter sido na frente da filha). Ele está preso no presídio do Quartel da PM, em Maruípe.
Em decisão proferida nesta segunda-feira (12), a Justiça converteu a prisão em flagrante para prisão preventiva e revelou que ele já tinha dois registros criminais: uma ação penal e uma medida protetiva. Já internamente, a Corregedoria da PM aguarda o envio de documentos para verificar qual procedimento administrativo cabe ser instaurado.
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