Em abril deste ano, a prática do stalking foi tipificada como crime de perseguição. O termo, em inglês, se refere a um tipo de violência em que a vítima tem a privacidade invadida, desde que seja feita de forma reiterada e ameace sua integridade física ou psicológica. No Espírito Santo, cerca de quatro casos deste tipo são investigados.
A informação foi confirmada pelo delegado Brenno Andrade, da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC) da Polícia Civil. O delegado explica que levantar um número específico sobre quantas vítimas do crime já registraram boletins no Estado capixaba é um pouco difícil, já que o crime não consta no rol de ocorrências dos registros e ainda não há o tipo penal previsto de perseguição, que é o artigo 147-A do Código Penal Brasileiro.
"Em relação aos crimes que investigamos, a tipificação é dada no final do procedimento de investigação. Às vezes, registramos inicialmente como crimes informáticos e, por isso, não é possível ter um número exato. Até este mês, já registramos de três a quatro casos relacionados a stalking", detalhou.
Para que seja crime, o delegado explica que a perseguição tem que ser repetida porque "uma ameaça ou crime contra a honra na internet, por si só, não é perseguição. Precisa se enquadrar no artigo". Brenno explica que a perseguição pode ocorrer em qualquer meio, na internet ou fora dela — mas que, atualmente, ocorre mais no mundo virtual porque é muito mais fácil perseguir alguém pela internet.
A instrução para a vítima que sofre esse tipo de abuso é procurar a delegacia mais próxima e realizar um boletim de ocorrência, ou registrá-lo na delegacia online. No entanto, é preciso provar a ação do stalker com prints das ameaças e o que a vítima tiver de provas. No site, também é possível anexar o material.
"É um crime recente. A gente percebe o estado crítico de perseguição em relacionamentos, pessoas que têm algum tipo de problema com alguém, alguma disputa, rivalidade ou rixa. Também, infelizmente, existem casos de pessoa com distúrbios mentais", detalhou o delegado. A pena é de seis meses a dois anos de reclusão e multa. Se o crime for praticado contra mulheres ou crianças do sexo feminino, há agravante.
De acordo com a promotora do Ministério Público do Mato Grosso do Sul Ana Lara Camargo de Castro, que estudou o stalking nos Estados Unidos e é especialista no assunto, o stalking tem a ver com perseguição, com o criminoso ficar à espreita de uma vítima. "Na verdade, em termos jurídicos, é o ato de uma conduta dolosa, reiterada, ato de assédio, habitual, repetido", disse.
O crime, segundo a especialista, se concretiza na forma de atenção indesejada, importunação, perseguição física ou virtual que causa um temor na vítima — pela insegurança dela, viola intimidade, privacidade e pode se escalar para outros tipos de delito que não raramente se escala: para lesão corporal, estupro, feminicídio, ameaça.
"Então, na verdade, stalking é isso: esse padrão de conduta que é doloso, reiterado, viola intimidade e privacidade, que causa temor e que é um assédio, uma tensão indesejada, importunação, perseguição", reforçou.
Ana Lara explica que o cyberstalking é a característica de quando o perseguidor usa da internet para cometer este tipo de assédio, e detalha que existem três modalidades de cyberstalking: o acesso por comunicação direta, por uso da internet e por intrusão informática. Entenda.
"Este é o mais comum: mensagem de contato pessoal, ofensivo, pornográfico, de ódio, ou inunda a caixa eletrônica da pessoa, ou escreve diretamente nos perfis dela, comenta, no Instagram, Facebook, é esse contato pessoal indesejado, uma importunação. Muitas vezes ele começa de uma forma tão inocente que, às vezes, a vítima fica na dúvida, acha que aquilo vai parar, que é só uma atenção que a pessoa tá dando, que é só um interesse... Só que às vezes aquilo não para mais. É um acesso por comunicação direta".
"É quando a pessoa faz uso de fóruns, revistas de jornal eletrônico, rede social... Para causar medo, publicar informações sensíveis do alvo dela, da vítima, às vezes chama para própria prostituição, isso acontece muito... Ou a pessoa obteve aquela senha — isso dá muito em aquele tipo de stalker que teve um relacionamento afetivo, obteve aquela senha do Facebook ou do e-mail quando ele estava em um relacionamento em que a pessoa confiava e dividia. Aí a pessoa fica com aquilo e usa da própria rede, da página da pessoa, e fala como se fosse ela".
"É aquele que se opera por uma brecha de segurança: ou quando instala um malware no dispositivo da vítima, vai monitorar a câmera, monitorar as postagens, instala um aplicativo espião... E aí passa a monitorar toda a conversa do Whatsapp, controlar webcam... Isso ocorre também mas exige acesso físico a aparelho, habilidade de hackeamento. Acontece, mas não é cotidiano. O mais comum em matéria de cybertalking é acesso por comunicação direta ou por uso da internet... Usando páginas, redes e fóruns para chegar nessa pessoa".
A especialista relata que o perfil do perseguidor varia bastante dependendo da motivação dele. Confira as classificações mais comuns:
"É aquele que convive muito no contexto da Lei Maria da Penha de ruptura de vínculo erótico-afetivo. Seja namoro, noivado, convivência... No âmbito dos promotores que trabalham com violência doméstica, esse é o mais comum. Obcecado por relacionamento, quer controlar a vida da pessoa, inconformado com a ruptura".
"É uma pessoa que se sente maltratada pelo mundo, injustiçada, humilhada, pode ser contra empresa, autoridade, político, contra um jornalista também... Ele obceca por aquela figura, que pode ser figura pública também. E aí essa pessoa e esse perfil de stalker, que é o rancoroso, ele é motivado pela vingança. Quer uma retribuição porque ele acha que está sofrendo. Pode se sentir injustiçado, humilhado".
"Esse é muito comum, pode ser stalker de celebridade. É carente, está no contexto de solidão, tem baixa autoestima, falta de autoconfiança. Quer formar um vínculo. Vem alguém do nada, começa a te elogiar... Às vezes a gente até responde para ser gentil. Quando a pessoa é muito carente e tem baixa autoestima, qualquer gotinha vira uma tempestade. Então ela já acha que está sendo correspondida e cria uma fixação. Fixação delusória em relação a isso".
"Ele está mais no contexto sexual.. Pessoas que querem formar vínculo sexual. Pessoas que acabam usando o stalker que chega no delito fim dele, que pode ser o estupro. Está no contexto de sadismo, causa excitação e querem ver a outra pessoa desesperada, sofrendo e com medo. Esse stalker está em um contexto de que ele está em uma jornada para um crime mais grave. Ato de deixar a outra pessoa desesperada faz parte do prazer que ele tem".
Para completar, a especialista relata que há stalker com quadros psiquiátricos e há quem não tem quadro psiquiátrico, e que o fato da pessoa ter algum tipo de quadro de transtorno psicológico, como obsessão, por exemplo, não quer dizer que ela não saiba o que está fazendo, que não tem que responder pelos crimes que comete.
"A maioria tem muita dificuldade de receber um não. Ele não aceita uma negativa em contexto de ruptura de relacionamento ou de alguém que ele admire... Ainda que tenha quadro de obsessão, isso não significa que é inimputável, que não responde criminalmente pelos atos dele", finalizou.
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