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ES registra mais de 70 queixas de violência contra a mulher por dia

ES registra mais de 70 queixas de violência contra a mulher por dia

Se o Dia da Mulher é lembrado com entrega de rosas, o saldo policial apresenta os espinhos: foram contabilizados, em 30 dias, 2.216 boletins de ocorrência por violência contra a mulher

Publicado em 8 de março de 2022 às 19:14

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no espírito santo
Equipe da PC debate em coletiva de imprensa acerca do combate à violência contra a mulher. (Polícia Civil)

O dia 8 de março, marcado como de celebração pelo Dia Internacional da Mulher, foi também neste ano momento de divulgação do balanço de uma operação que visa a combater a violência doméstica no Espírito Santo. E, se o dia é lembrado com entrega de rosas, o saldo apresenta os espinhos: foram contabilizados, em 30 dias, 2.216 boletins de ocorrência registrados, o que representa aproximadamente 73 por dia.

Além dos boletins,  no período compreendido entre 7 de fevereiro e 8 de março, ou seja, desde o início da intitulada Operação Resguardo II, foram efetuadas no Estado 453 prisões em flagrante, cumpridos 36 mandados de busca e apreensão e solicitadas 1.255 medidas protetivas. A operação também ocorreu em outros Estados da Federação, sendo comandada pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Operações Integradas (Siop).

Em coletiva de imprensa concedida nesta tarde pela delegada Cláudia Dematté, titular da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher (DIV-DEAM) e coordenadora da operação no Espírito Santo, foi detalhado o resultado da iniciativa. "A operação foi planejada visando ao enfrentamento à violência contra a mulher. Infelizmente nós sabemos que essa violência é fruto de um machismo estruturado e estruturante na sociedade e de uma cultura patriarcal, que nós precisamos trabalhar muito para desconstruir. E são estes valores que levam os homens a diariamente praticar atos absurdos e criminosos contra mulheres", iniciou.

Aspas de citação

Foi pensada em uma operação exatamente para combater os crimes resultantes de violência doméstica e familiar, bem como crimes contra a dignidade sexual. Hoje, Dia da Mulher, é o dia D, de muita reflexão. Muito se avançou na luta pelo direito das mulheres, por igualdade. Entretanto, ainda há muito a avançar. Enquanto na nossa sociedade uma mulher for desrespeitada, ameaçada, subjugada, lesionada, morta, nossa equipe atuará com todo vigor nesse enfrentamento.

Cláudia Dematté
Delegada
Aspas de citação

AÇÕES ITINERANTES

De acordo com Dematté, no Estado houve um pré-lançamento da operação ainda no dia 5 de fevereiro, que deu início a um projeto que pretende rodar todos os municípios capixabas levando ações de prevenção e repressão aos crimes contra a mulher. Até o momento, das 78 cidades no Espírito Santo, 57 foram abrangidas em um mês, sendo que uma parte delas, com 23 municípios, foi contemplada pelo ônibus que funciona como uma delegacia móvel.

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Ônibus da PC percorre o Estado em operação de combate à violência contra a mulher. (Polícia Civil)

"Nós, durante todo este mês, rodamos diversos os municípios do Estado com ações itinerantes. Estivemos com um ônibus da Polícia Civil, que é uma delegacia móvel, completamente estruturada para atender vítimas de violência. Nele havia a equipe completa, composta por delegadas, escrivãs, investigadoras, agentes, psicólogas e assistentes sociais, que trabalham diariamente nesse enfrentamento, de forma especializada", disse a autoridade policial.

No atendimento itinerante, as mulheres vítimas puderam registrar ocorrências, solicitar medidas protetivas e receber atendimento das psicólogas e assistentes sociais. Além disso, foram realizadas prisões em flagrante, cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensão. "Estamos falando de uma violência cultural. Então quisemos chamar a população para entrar nessa luta. Nossas equipes rodaram os municípios com materiais informativos, explicando os tipos de violência e como denunciar. O trabalho permaneceu mesmo durante o carnaval. Também fomos em diversas escolas, levamos palestras, conscientização a crianças e adolescentes. Nosso objetivo é trabalhar além da repressão", acrescentou.

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Operação visita escolas para conscientizar crianças e adolescentes sobre o combate à violência contra a mulher. (Polícia Civil)

PRISÃO EM FLAGRANTE

Ainda em coletiva de imprensa, a delegada informou sobre uma prisão em flagrante realizada nesta terça-feira (8) no município da Serra. No ato também foram apreendidas duas armas de fogo e munições, sendo que uma das armas estava em um esconderijo. O suspeito estaria ameaçando a ex-companheira por não aceitar o término do relacionamento. "Essas armas foram retiradas da sociedade e assim pudemos evitar a morte de uma mulher. Esse é um dos resultados da dedicação da equipe nestes 30 dias. E não vamos parar", finalizou.

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MEDIDAS PROTETIVAS: UM INSTRUMENTO EM FAVOR DAS VÍTIMAS

Já bastante conhecido em favor das vítimas de violência está o recurso das medidas protetivas de urgência. No último período de 30 dias, referente ao do curso da Operação Resguardo II, foram solicitadas 1.255, um quantitativo bastante expressivo. Mas afinal, o que é este instrumento?

À reportagem, ainda em julho de 2019, Cláudia Dematté explicou que a ideia por trás da criação das medidas é de garantir resposta rápida às vítimas em situação de risco próximo.

"Essas medidas possuem natureza cautelar, sendo que, uma vez solicitadas pela vítima, a autoridade policial possui 48 horas para encaminhá-las ao juiz, que possui igual período para analisá-las. Hoje também há o crime de descumprimento de medida de urgência, sendo que esse delito tem pena de detenção de três meses a dois anos, e, se o agressor for preso em flagrante, o crime será inafiançável na esfera policial", informou.

Em resumo, estas medidas, concedidas judicialmente, são ações que podem obrigar os agressores a se afastarem do lar ou mesmo proibi-los de manter qualquer contato com a vítima. Os pedidos podem ser iniciados na delegacia, sendo que, de acordo com a Lei Maria da Penha, a própria autoridade policial pode autorizá-los, sem necessidade de encaminhamento ao Judiciário, caso haja grande risco e sejam feitos em municípios que não têm juiz imediato para o atendimento.

De acordo com o advogado criminalista Elcio Cardozo Miguel, as medidas protetivas são os principais mecanismos de prevenção à violência de gênero. "Pela lei de 2018, o homem que descumprir uma medida protetiva poderá ser preso preventivamente. Por outro lado, apesar da importância, as medidas, sozinhas, podem ser ferramentas paliativas. Para a diminuição dos índices de violência, é necessária uma mudança cultural da sociedade, principalmente no comportamento masculino", disse, à época.

MUITO ALÉM DA DOR FÍSICA

Também em 2019, em conversa com a reportagem, a então coordenadora do Laboratório de Pesquisas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) sobre Violência Contra Mulheres, Brunela Vincenzi, explicou que a violência mais comum, apesar de a agressão física ser a mais propagada, é a psicológica ou moral, que são os constantes atos de humilhação da mulher com comentários depreciativos sobre o corpo dela, conhecimento intelectual e a capacidade para realizar tarefas do lar.

Quanto à violência física, a especialista narra que pode se iniciar com pequenos atos aparentemente inofensivos, mas que vão aumentando em gravidade com o tempo.

Para a coordenadora estadual do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid), Claudia Santos Garcia, a Lei Maria da Penha é o manto protetor da mulher em situação de violência, estabelecendo caminho de proteção integral. Por meio do instrumento legislativo, foram criados diversos mecanismos de proteção, e a medida protetiva é uma das ferramentas mais importantes.

"Mas a mulher que está em risco físico e psicológico precisa também de outras medidas. Entre essas medidas, estão a casa abrigo, local que recebe vítimas e é monitorado 24 horas, a Patrulha Maria da Penha, grupo da Polícia Militar que monitora situações de medida protetiva e, até o uso de tornozeleira eletrônica nos agressores", completou a especialista.

Claudia explica que a ida para a casa abrigo, por exemplo, a mulher pode requerer tanto na Polícia Civil, quanto no Ministério Publico e nos centros de referência do município. Dependendo da situação, já sai da delegacia para o endereço, que não é divulgado para ninguém. No local, existe vigilância 24 horas. Porém, é apenas uma unidade no Estado e não é informado o número de vagas.

MEDO DE REPRESÁLIA

A reportagem também conversou com vítimas de violência, as quais preferem não ser identificadas, que lidaram com companheiros agressivos e tiveram dificuldade de sair da situação ou mesmo de procurar ajuda policial e judicial por meio de medidas protetivas, o que reflete o medo que muitas mulheres sentem de represália dos agressores.

Uma delas, já idosa, contou que foram 13 anos de ameaças, agressões físicas e verbais. "Eu sofri muito com a violência doméstica. Meu marido, hoje falecido, me batia, me pegava de faca para matar. Inclusive perdi uma das vistas por agressão dele. Comecei a apanhar dele com 15 dias de resguardo da minha filha mais velha. Depois de muito tempo, não aguentei mais", confidenciou.

"Eu era jovem, me casei com 19 anos. Com 26 já tinha quatro filhos porque ele não deixava eu tomar remédio. Ele dizia que mulher tomava remédio para não ter filho e ficar bonita para arrumar homem na rua. Eu era uma jovem velha, que só usava roupa comprida. Uma vez pintei a unha em casa. Ele chegou e viu, pegou o canivete, raspou minhas unhas todas e falou que daquela vez iria só raspar as unhas, mas na próxima cortaria as cabeças dos meus dedos. Ele também já pegou faca e corda para tentar me matar. Suportei todo esse tempo porque ele me ameaçava de tomar meus filhos. Um dia ele matou um homem, foi preso, e eu tomei a rédea da situação. Decidi que não voltaria mais. Se ele tivesse que me matar, me mataria. Foi até que ele foi morar em Minas. Quando tive notícias, ele já estava morto. Chorei de alegria", revelou.

Outra vítima resumiu a situação que viveu com um namorado durante sete meses. A jovem disse que não encontrava forças para pedir ajuda e que só conseguiu contar os episódios para a família depois de dois anos do término do relacionamento.

"Toda vez que eu não cedia ao que ele queria, ele se transformava em um ser extremamente agressivo. Me agredia verbal e fisicamente. Por conta das ameaças, não consegui falar tudo o que aconteceu. Uma vez passei mal e aproveitei a deixa, já que meu pai e avô estavam em casa, e terminei com ele. Só neste ano tomei coragem para contar para os meus pais o que realmente aconteceu. Tenho trauma e não consigo confiar no meu parceiro atual", contou.

COMO FAZER UM PEDIDO DE MEDIDA PROTETIVA

De acordo com recomendação da Defensoria Pública Estadual (DPES), qualquer pessoa que presencie situação de violência pode ir ao Distrito Policial de Atendimento à Mulher do município para fazer o Boletim de Ocorrência e solicitar, se for o caso, medida protetiva de urgência.

Em situação de flagrante é possível ligar para o 190 para que a polícia vá até o endereço indicado.

Segundo o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), o pedido de medida protetiva, realizado por meio da autoridade policial ou do Ministério Público, será encaminhado ao juiz. De acordo com a lei, há o prazo de 48 horas para análise judicial e concessão de liminar.

Para tratar de violência, ainda é possível buscar diretamente a Vara Especializada na Justiça, a própria Defensoria Pública, o Ministério Público ou o telefone de denúncia 180.

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